Cultura
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13 de maio de 2023
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10:40

Theatro São Pedro completa 165 anos mirando conclusão do Multipalco sonhado por Eva Sopher

Por
Luciano Velleda
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Em 1950, os gradis do teatro foram cobertos de gesso para esconder as pernas das mulheres que frequentavam o local. Foto: Luiza Castro/Sul21
Em 1950, os gradis do teatro foram cobertos de gesso para esconder as pernas das mulheres que frequentavam o local. Foto: Luiza Castro/Sul21

A poltrona F13 do Theatro São Pedro é a prova prática da grandiosidade da obra inaugurada no dia 27 de junho de 1858. Basta ficar em pé diante da poltrona e falar qualquer palavra para ser testemunha de uma experiência acústica surpreendente. A voz ecoa por todos os lados. É como se um microfone fosse ligado em volume alto dentro do próprio ouvido. O curioso teste de acústica é uma característica dos grandes teatros construídos no século 19, projetados para receber espetáculos de ópera num tempo em que não havia microfone. A luz elétrica só chegou a Porto Alegre em 1900.

O efeito sonoro experimentado na poltrona F13, situada exatamente no meio da plateia, era a prova cabal de que a obra havia sido bem sucedida e, portanto, estava apta a se juntar a outros grandes teatros do mundo.

A dimensão do Theatro São Pedro pode ser percebida ao imaginá-lo na Porto Alegre de meados do século 19. A cidade tinha apenas 20 mil habitantes quando o teatro foi inaugurado – hoje se diria que a obra era um verdadeiro “elefante branco”. A casa de espetáculos foi o primeiro prédio neoclássico de Porto Alegre, modelo arquitetônico considerado símbolo de crescimento para qualquer cidade da época.

A experiência diante da poltrona F13 representa a excelência acústica da obra inaugurada em 1858. Foto: Luiza Castro/Sul21

A história do Theatro São Pedro começa em agosto de 1833, quando Manoel Antônio Galvão, então presidente da antiga Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, doa o terreno localizado na principal praça de Porto Alegre, a Praça da Matriz. Logo em seguida, as guerras da Revolução Farroupilha (1835–1845) paralisam o início da obra e o teatro acaba por ser inaugurado somente 13 anos após o fim do conflito.

Construído especificamente para receber óperas e orquestras de câmara, os primeiros 20 espetáculos foram exatamente óperas europeias. A acústica impecável colocou Porto Alegre no circuito Rio de Janeiro-São Paulo-Montevidéu-Buenos Aires. Isso, todavia, não impediu o deputado provincial e senador Carlos Barbosa de propor a demolição do teatro menos de 50 anos depois de sua construção. Ele não seria o único. Mais tarde, outras figuras proeminentes da província também desejaram pôr abaixo a elegante construção.

Desde sua inauguração, o Theatro São Pedro passou a ser testemunha ocular privilegiada da história da cidade e das mudanças da sociedade portoalegrense. Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), o local foi usado para cursos de enfermagem, utilização que revezava com os espetáculos de ópera europeia que se apresentavam na cidade, impedidos de circular no Velho Continente durante o conflito. Em 1950, por exemplo, os gradis hoje visíveis da construção original, foram cobertos de gesso. O motivo: impedir que o público observasse as pernas das mulheres que começavam a frequentar o teatro.

Se políticos e pessoas influentes não conseguiram derrubar o Theatro São Pedro, os cupins, a falta de manutenção e o péssimo estado de conservação foram melhor sucedidos. Em 1973, durante o show de um violinista, o refletor desabou. Literalmente caindo aos pedaços, o teatro cerrou as portas para o público.

Theatro São Pedro em 1965, poucos anos antes do acidente que decretaria seu fechamento por 10 anos. Foto: Acervo/Fundação Theatro São Pedro

O fechamento do Theatro São Pedro fez surgir uma mulher destemida, valente e sonhadora. Uma mulher que, com o tempo, se transformaria numa figura quase mítica, tamanha sua inestimável relevância no salvamento do histórico teatro. Eva Sopher começou a reforma de um Theatro São Pedro em ruínas, em 1974, e o entregou novo dez anos depois, no dia 28 de junho de 1984.

“Foi um processo que nós, da classe artística, acompanhamos de perto, alguns até com um pé atrás. ‘Será que essa senhora vai conseguir reconstruir o teatro?’ Depois, fui um dos primeiros artistas a pisar no Theatro São Pedro reconstruído”, recorda Zé Adão Barbosa, ator e diretor de teatro. Desde então, ele nunca mais parou de frequentar o local, pisando incontáveis vezes no palco do teatro.

A frequência de trabalho o fez se aproximar de Eva Sopher. Para ele, Porto Alegre se divide entre a.E e d.E: Antes de Eva Sopher; Depois de Eva Sopher.

Até a reinauguração do Theatro São Pedro, Barbosa avalia que a cidade tinha teatros bons, mas de pequeno porte, como o Renascença, a sala Álvaro Moreira e o teatro de Arena, além do Leopoldina, reservado para grandes espetáculos.

A reconstrução do Theatro São Pedro adquiriu ares de epopeia. As dificuldades financeiras enfrentadas por Eva Sopher, ou dona Eva Sopher, como ficou conhecida, foram proporcionais à grandiosidade da obra. Há detalhes magníficos, como a colocação do enorme lustre que reproduz o original, que funcionava apenas à vela.

Graças ao esforço obstinado dela, foi possível arrecadar recursos para viabilizar a empreitada e, ao mesmo tempo, contar com o apoio e dicas valiosas de pessoas da classe artística.

É o caso de Jô Soares. As poltronas estampadas que hoje recebem o público foram sugeridas pelo humorista. Certa vez, Jô contou para dona Eva que as poltronas lisas, quando desocupadas, chamam a atenção do ator no palco. Tornam mais visível os “buracos” na plateia. As poltronas estampadas não, disfarçam o lugar vago para quem as vê do palco. Dona Eva então acatou a dica do grande artista e assim permanece até hoje.

O lustre colocado na reforma do teatro reproduz o original, que só funcionava com velas. Foto: Luiza Castro/Sul21

Quem conhece bem o palco – e as poltronas – do Theatro São Pedro é o músico Hique Gomes que, ao lado de Nico Nicolaiewski, formou a cultuada dupla Tangos e Tragédias. São 37 anos se apresentando no local. Como Tangos e Tragédias foram 28 anos nas simbólicas temporadas de janeiro. Uma relação que rendeu placa comemorativa e o título de espetáculo recordista em apresentações no teatro.

“Isso se transformou num marco da nossa carreira. Foi tanto tempo que a gente fez isso que se transformou numa coisa natural”, comenta o violinista.

Os caminhos do Theatro São Pedro e do Tangos e Tragédias sempre andaram próximos. Quando o teatro foi reinaugurado, em junho de 1984, a dupla também realizou seu primeiro show dois meses depois, no bar do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), à época situado a poucas quadros do teatro, em frente à Santa Casa de Misericórdia.

“A gente não pensava em tocar no Theatro São Pedro, porque quem se apresentava ali era Tom Jobim, Bibi Ferreira, Paulo Autran, artistas internacionais… A gente não tinha nem ideia de tocar no São Pedro”, recorda.

O violinista conta que o Tangos e Tragédias começou a fazer shows em São Paulo, a participar de programas de televisão, foram conquistando certa notoriedade, e então lhes ofereceram uma data no Theatro São Pedro em janeiro, época do ano normalmente desprestigiada devido ao pouco público na cidade durante o verão. Em resumo: era uma data que ninguém queria.

“Nós pegamos (a data de janeiro) em 87 e deu certo. E aí emendamos 28 anos ali e ainda continuamos”, celebra. Hique Gomes considera uma conquista conseguir atrair público durante tantos anos, mesmo com todos os estímulos e confortos para se ficar em casa.

“Saber que a gente foi capaz de convencer as pessoas a saírem de casa, das sua salas confortáveis, da sua pipoca sem igual, do seu vinhozinho, da sua tela com a oferta incrível de filmes, séries… e as pessoas saírem de casa e irem no teatro, é um negócio extraordinário”, afirma.

A união Theatro São Pedro e Tangos e Tragédias também teve o dedo de Eva Sopher num momento curioso. No começo dos anos 2000, a dupla de artistas começou a se questionar se ainda haveria público interessado na temporada de janeiro e se não era melhor ir para um teatro maior e, assim, realizar menos apresentações. Hique Gomes e Nico Nicolaiewski foram então conversar com dona Eva. Para surpresa da dupla, ouviram um sonoro “não”.

“A dona Eva não deixou, disse não, vocês não vão sair e acabou. E a gente obedeceu, vimos que era uma coisa importante para a cidade também, que essa marca permanecesse com a temporada de janeiro”, conta.

Chamada de “guerreira” e de “guardiã” do Theatro São Pedro, Eva Sopher sempre será lembrada como uma das mais importantes figuras da cultura do RS e do Brasil. Foto: Rochele Zandavalli/Divulgação

Na lateral do Theatro São Pedro, uma discreta porta se abre para um corredor estreito, com parte das paredes de tijolos expostos como a indicar a passagem do tempo. Cartazes de espetáculos antigos fixados nas laterais durante o percurso lembram artistas icônicos que se apresentaram no teatro.

O caminho prossegue, faz algumas curvas e, em poucos minutos, o visitante se depara com uma porta fechada. Ao abri-la, a primeira impressão é quase um susto. Surge diante dos olhos um ambiente imenso, bem iluminado, com linhas e curvas harmônicas, uma obra inimaginável para quem está na rua e desconhece o que significa o complexo cultural Multipalco Eva Sopher. Construído no centro de Porto Alegre, são sete andares, cinco deles inteiramente subterrâneos.

A Praça Multipalco, inaugurada em 2009 e compondo o sétimo pavimento do complexo cultural, é a face mais conhecida, até então, da grandiosa obra. O local faz a ligação entre a Praça da Matriz, o Arquivo Público e a Assembleia Legislativa, além do próprio Theatro São Pedro. No espaço funciona o Du’Attos Restaurante e a Concha Acústica, espaço para espetáculos ao ar livre, com capacidade para aproximadamente 250 espectadores, construído em memória da antiga Concha Acústica Araújo Vianna – outrora localizada onde hoje está o prédio da Assembleia Legislativa.

A estrutura subterrânea do Multipalco tem sido inaugurada aos poucos. No último dia 27 de março foi a vez do Teatro Oficina Olga Reverbel, batizado em homenagem à autora e professora de teatro que marcou gerações. Um conjunto de salas já havia sido inaugurado para usos diversos, enquanto a principal obra do complexo, o Teatro Italiano, segue em construção e deve ser concluído no final de 2024 ou começo de 2025.

O amplo foyer do Multipalco revela a grandiosidade da obra subterrânea no centro de Porto Alegre. Foto: Luiza Castro/Sul21

Depois de todo o esforço para reconstruir o Theatro São Pedro, Zé Adão Barbosa lembra ter sido surpreendido quando Eva Sopher apresentou o projeto do Multipalco. Ao todo, o complexo cultural abrange 10 terrenos ao lado do Theatro São Pedro. “É um projeto que só uma pessoa com a cabeça fora do lugar, no bom sentido, conseguiria”, comenta o ator e diretor de teatro.

Responsável pelos figurinos da peça de estreia do Teatro Oficina, Esperando Godot, ele conta ter ficado deslumbrado com a possibilidade de ter um espaço tão lindo para montar um espetáculo. “A única pessoa que a gente tem que agradecer por tudo isso é Eva Sopher. Ela deu pra Porto Alegre dois espaços culturais de primeiro mundo”, afirma, enaltecendo a mulher que ele sempre chamou de “uma guerreira”.

Desde que foi apresentado, em 2003, o projeto do Multipalco foi prejudicado pelas sucessivas trocas de governo, fazendo com que ora avançassem lentamente, ora simplesmente parassem. Com a morte de Eva Sopher, Barbosa chegou a pensar que o Multipalco não se tornaria realidade. Por sorte – e pelo trabalho de muitas pessoas – o novo espaço cultural da Capital não foi abandonado. “O Multipalco está sendo inaugurado e isso, pra mim, que acompanhei de perto, que fui amigo da Eva, que trabalhei tanto lá dentro, é uma emoção inacreditável”, exalta.

Presidente da Fundação Theatro São Pedro, Antonio Hohlfeldt diz que o início de tudo foi a “utopia” e “a loucura” de Eva Sopher ao imaginar a criação de um novo espaço cultural ao lado do Theatro São Pedro. Ser um prédio subterrâneo foi o primeiro desafio, com consequências importantes do ponto de vista orçamentário e tempo de obra. Foi preciso, por exemplo, explodir a pedreira do local aos poucos devido à existência de uma séria de edifícios ao redor.

Com o tempo, as trocas constantes de governos e o alto custo do projeto fez com que o sonho utópico patinasse em ritmo lento. Quando dona Eva morreu, em 2018, além da Praça Multipalco, o Centro Cultural de Formação e a Sala da Música haviam sido inaugurados.

O Teatro Oficina Olga Reverbel se caracteriza pela dinâmica de poder mover as arquibancadas do público conforme o interesse da peça. Foto: Luiza Castro/Sul21

Destinada a apresentações camerísticas, ensaios, simpósios e conferências, a Sala da Música é um conjunto de quatro salas, dois camarins, musicoteca e sala para guarda de instrumento. Com atividades em curso há mais tempo, o espaço tem tratamento acústico especial, com paredes de madeira importada da Espanha e pesados cortinados de veludo que modificam a acústica conforme a utilização de instrumentos musicais ou voz humana. O espaço abriga a Orquestra Theatro São Pedro, há 36 anos em atividade e atualmente regida pelo maestro Evandro Matté, com apresentações mensais e ingressos gratuitos mediante a troca por 2kg de alimento. Na sala funciona também o projeto da Orquestra Jovem Theatro São Pedro.

No mesmo terceiro piso onde se localiza a Sala da Música, funciona também o Centro Cultural de Formação, um conjunto de cinco salas: uma grande para workshops e oficinas; e outras quatro especializadas para aulas de instrumentos musicais e coral. O local tem sido utilizado pela escola de música Usina de Talentos, projeto conjunto da Associação Sol Maior com a Fundação Theatro São Pedro. O projeto trabalha com a musicalização de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, selecionados em escolas públicas da periferia da Capital. São cerca de 300 jovens que recebem transporte, merenda, e fazem cursos de musicalização, com todos os instrumentos disponíveis.

“Aqui temos dois aspectos básicos fundamentais da existência do teatro, que é o teatro enquanto uma instituição que intermedia o artista e o público; e o teatro que também desenvolve atividades de formação e de apoio de público e de artistas, fazendo uma função social. Não estou criando artistas necessariamente, mas estou tirando essa gurizada da rua e formando plateia. É claro que uma parte deles vai se tornar músicos, mas, no mínimo, vão ter a realização pessoal, emocional, vir aqui fazer música, se expressar e ter um convívio social”, explica o presidente da Fundação Theatro São Pedro.

Com grandes janelas e ótima iluminação natural, a Sala da Dança foi construída com piso especial para amortecimento. Foto: Luiza Castro/Sul21

Passando do terceiro para o segundo piso do Multipalco, ali se localiza a Sala da Dança, destinada à criação de um corpo de baile. O ambiente é construído com um piso especial formado por pequenas borrachas que proporcionam flexibilidade, funcionando como uma espécie de amortecedor.

Ao lado da Sala da Dança fica a Sala do Circo, com o mesmo piso especial em três ambientes, dois de teto mais baixo e um com o pé direito alto e alças no teto, para exercícios de trapézio.

O primeiro piso, por sua vez, é a área dos teatros. O Teatro Oficina Olga Reverbel, recentemente inaugurado, é uma sala pequena, intimista, com 120 lugares no máximo da lotação. “É uma sala quadrada, limpa. Você ali faz o que quer. Temos arquibancadas móveis, com cadeiras, e você bota a arquibancada no lugar que bem entender, ou seja, você pode fazer ali qualquer tipo de espetáculo”, explica Antonio Hohlfeldt.

Ele pondera que o Teatro Oficina não é autossuficiente, ou seja, nunca dará lucro considerando o equilíbrio entre valor de locação e valor de ingresso. Por isso, diz que será necessário criar políticas públicas de utilização do novo espaço, um debate já em curso com a secretária estadual da Cultura, Beatriz Araújo.

O governo estadual articula junto ao Instituto Estadual de Artes Cênicas e a Fundação Ospa para que oficinas e atividades sejam realizadas no Multipalco e atraiam jovens da periferias e grupos artísticos para ocupar as salas do novo complexo, incluindo o novo Teatro Oficina, com apoio do Estado. A direção do Instituto Estadual de Artes Cênicas inclusive vai ser transferida para o Multipalco.

“Não é um espaço para alugar para empresa, por mais incrível que seja, porque a gente sabe que sempre é o desejo de empresas ocuparem salas com aquela qualidade. Esse espaço vai ser para a arte”, afirma a secretária.

Depois de todo o investimento feito e anos de trabalho desde o sonho idealizado por Eva Sopher, ocupar o Multipalco é a grande missão a partir de agora. “O ator principal são as pessoas, não é o espaço”, diz Beatriz, garantindo que a secretaria já tem orçamento reservado para investir na contratação de profissionais que realizarão os trabalhos.

“Minha proposta é que o Multipalco, que é incrível, tem uma qualidade maravilhosa na técnica construtiva, seja um lugar para todos e todas, seja um espaço de inclusão social, que todas as pessoas jovens que querem trabalhar com arte, que querem ter capacitação, tenham acesso àquele espaço incrível”, vislumbra a secretária.

A Sala da Música já tem sido utilizada pela Orquestra do Theatro São Pedro. Foto: Nathalia Sasso/Divulgação

Ainda no primeiro piso está o Teatro Italiano, assim chamado pelo modelo tradicional, com palco ao fundo diante da plateia, mezanino e camarotes. Em obras, o espaço tem a mesma dimensão do Theatro São Pedro, com 630 poltronas. O grande diferencial é o alçapão de serviço, três vezes maior do que o alçapão do Theatro São Pedro. Isso significa que se algum espetáculo quiser colocar uma van dentro do palco, será possível sem problema algum, o que não acontece no São Pedro.

O novo complexo cultural ainda tem uma série de outras salas sem uso específico. Os espaços serão assumidos pelo Instituto Estadual de Artes Cênicas, que será uma espécie de nova diretoria da Fundação Theatro São Pedro, com a responsabilidade de montar a agenda de cursos, atividades pedagógicas e uso do Teatro Oficina nos dias não comerciais – as quintas, sextas, sábados e domingos.

O plano, segundo Hohlfeldt, é usar as quartas-feiras com edital específico para grupos de dança e grupos vindos do interior do Estado. “Teremos uma programação especial que não será diretamente gerida pela Fundação Theatro São Pedro. Isso me dá a possibilidade de ter uma atividade paralela que vai movimentar o espaço e, de outro lado, me permite também ter algum dinheiro que não é da locação, porque eu não posso ter um valor de locação que ninguém vai conseguir pagar. Será uma política de fomento para esses grupos virem se apresentar em Porto Alegre”, projeta.

As ideias envolvem desde a criação de curso de crítica de teatro, até cursos para diretores, cenógrafos ou figurinistas. A Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), a Ospa e a Cooperativa de Ópera são também parceiros deste novo momento do Multipalco e irão ocupar salas para cursos de dança, música e teatro, um trabalho definido como de “formação de plateia”.

“Vamos ter vários focos diferentes para o público que produz e para o público que vem consumir, que gosta de fazer teatro, de fazer música, vamos abrir esses espaços”, exalta o presidente da Fundação Theatro São Pedro.

Hohlfeldt defende o investimento na área cultural e destaca o retorno financeiro que o setor dá à economia do País. “Se em quatro ou cinco anos nós conseguirmos montar essa infraestrutura toda, teremos a área cultural aqui com uma dinâmica fantástica”, acredita.

A antiga concha acústica do Araújo Vianna, ao lado do Theatro São Pedro. Foto: Acervo/Fundação Theatro São Pedro

Com a autoridade de ser o artista que mais vezes se apresentou no palco do Theatro São Pedro, Hique Gomes celebra a conclusão do complexo cultural Multipalco. Ele lembra ter visto Eva Sopher numa “felicidade plena” por constatar que a obra, embora ainda não estivesse pronta quando ela morreu, já estava num estágio de evolução que não tinha mais como retroceder. Hoje, a nova fase do Theatro São Pedro, exalta o violinista, se revela como uma realidade concreta na capital gaúcha.

“É um complexo de cultura como poucos na América Latina”, destaca o eterno intérprete do personagem Kraunus Sang. Ao todo, o Multipalco abrange mais de 25 mil m² no centro de Porto Alegre, sendo mais de 18 mil m² de área construída.

O Teatro Italiano terá 630 lugares e é a última grande obra do Multipalco ainda em construção. Foto: Divulgação/ Fundação Theatro São Pedro

Quando o Teatro Italiano estiver pronto, Hohlfeldt acredita que Porto Alegre, com o impulso do novo complexo cultural, estará noutro patamar em meio ao circuito Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu e Buenos Aires. Ele vislumbra o Multipalco como um catalisador e dinamizador de um conjunto de projetos culturais cuja dimensão, reconhece, ainda nem consegue ter clareza do alcance.

Autor da biografia Doce Fera, de Eva Sopher, o jornalista e crítico de teatro recorda que durante as duas primeiras guerras mundiais, grupos europeus de ópera e operetas vinham para São Paulo e Rio de Janeiro e depois seguiam até Buenos Aires e Montevidéu, parando em Porto Alegre porque o Theatro São Pedro já era uma grande casa de espetáculo. Porém, ao final das duas grandes guerras, os grupos europeus voltaram a rodar pelo Velho Continente e a Capital gaúcha acabou saindo deste circuito. Ele confia que o Multipalco poderá mudar esse cenário.

“Oferecendo esse espaço, vamos ser de novo não só uma escala entre as grandes produções de Buenos Aires, Montevidéu, Rio e São Paulo, como vamos também ser produtores e poder também exportar espetáculos”, vislumbra. “Onde você faz ópera em Porto Alegre? O novo Teatro Italiano do Multipalco vai produzir ópera.”

Para que isso se torne possível, o projeto que está sendo executado sofreu mudanças na parte acústica e no fosso em relação ao original. Hohlfeldt enfatiza que o Theatro São Pedro foi pensado para o máximo possível da época em que foi construído, por isso a incrível acústica simbolizada na curiosa poltrona F13. Em 2023, a realidade é outra.

“Hoje em dia, com a tecnologia, a maioria do pessoal já bota um microfonezinho de lapela, é um auxílio, porque você pode fazer um espetáculo de teatro sem microfone. Cansei de assistir espetáculo no São Pedro sem os microfones”, afirma. Já o Teatro Italiano do Multipalco, quando estiver pronto, talvez revele várias “poltronas F13”.

“Hoje você tem outras expectativas, outras tecnologias, portanto outras exigências do público. Então o conceito do Teatro Italiano aqui tem que ser outro, tem que atender a essa outra etapa”, explica.

“Não somos mais só intermediários, nós vamos também ajudar a formar, a produzir, vamos interferir no processo e não só ficar aguardando que passe por nós. Vamos nos tornar sujeitos e não apenas um espaço das coisas que vão acontecer aqui. Isso muda completamente a concepção e, por isso mesmo, vai se chamar Fundação Theatro São Pedro Complexo Cultural Eva Sopher.”

Entusiasmado, Hohlfeldt celebra os 165 anos do Theatro São Pedro e projeta mais 165 anos com a conclusão do Multipalco em 2024 ou 2025. Será o ato final do utópico e louco sonho de dona Eva.

Há 165 anos o Theatro São Pedro alçou Porto Alegre a outro patamar artístico. Foto: Luiza Castro/Sul21
Complexo cultural Multipalco. Foto: Luiza Castro/Sul21
Complexo cultural Multipalco. Foto: Luiza Castro/Sul21
Theatro São Pedro. Foto: Luiza Castro/Sul21
Porto Alegre, 13/4/2023: Espaço Multipalco e Teatro São Pedro. Foto: Luiza Castro/Sul21
Placas em homenagens a artistas que já se apresentaram no Theatro São Pedro. Foto: Luiza Castro/Sul21
Saguão de entrada do Theatro São Pedro. Foto: Luiza Castro/Sul21
Um boneco com o crachá original recorda a eterna presença de Eva Sopher no Theatro São Pedro. Foto: Luiza Castro/Sul21

 

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