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16 de maio de 2011
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22:34

“Deputado Naio Lopes de Almeida foi figura importante nas articulações pelo parlamentarismo”

Por
Sul 21
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Jayme Keunecke: Naio era um grande articulador - Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia Silveira

Quando João Goulart se elegeu vice-presidente da República, em 1960, outros dois políticos gaúchos integravam a família Goulart: o governador Leonel de Moura Brizola, casado com Neusa Marques Goulart, e o deputado Naio Lopes de Almeida, casado com Yolanda Marques Goulart. Neusa e Yolanda eram duas das irmãs de Jango. Brizola, como o cunhado, pertencia ao PTB, de Getúlio Vargas. Naio, ao PSD, partido de oposição a Jango e Brizola. Apesar disso, lembra o jornalista Jayme Keunecke, o Jotaká, Naio foi figura importante nas articulações para que Jango aceitasse o parlamentarismo.

Repórter do Diário de Notícias, encarregado de, no jargão jornalístico, cobrir o Palácio Piratini e a Assembleia Legislativa, Jotaká considera Naio uma figura injustiçada quando se fala da crise enfrentada pelo Brasil com a renúncia de Jânio Quadros. “Quem teve um grande valor no estabelecimento do contato com Brasília, com Tancredo, para o Jango aceitar o parlamentarismo foi o Naio Lopes de Almeida, o grande articulador junto com Tancredo para o Jango aceitar o parlamentarismo. O Brizola não queria de nenhum jeito. O Naio, ao contrário, foi o que mais conversou com Jango por telefone e lá em Montevidéu”, afirma Jotaká que, naquela época, assinava a coluna Jotaká Informa, publicada na página 3 do Diário de Notícias.

Apesar de politicamente ser um dos opositores a Brizola, a convivência de Naio com o governador, lembra o jornalista, era muito civilizada. “Nunca vi o Naio fazendo discurso contra o Brizola. A atitude dele contra o Brizola se resumia à votação. Ele era um deputado muito discreto, mas muito atuante na cozinha, nos bastidores. Não era um deputado de tribuna”. Segundo Jotaká, o deputado defendia o parlamentarismo porque não queria houvesse derramamento de sangue no país. “Se não fosse o parlamentarismo, haveria (derramamento de sangue). Os militares estavam dispostos a não deixar o Jango assumir. Esta é a grande verdade. Tanto é que veio a ordem de Brasília de bombardear o Palácio, o que só não aconteceu porque o avô da deputada Juliana Brizola (PDT) – capitão Alfredo Ribeiro Daudt — desarmou os aviões na Base Aérea de Canoas”.

Aviso da renúncia

Aos 77 anos, o jornalista lembra que estava na Assembleia, que funcionava ao lado do Palácio Piratini, quando ficou sabendo da renúncia de Jânio. “Eram 14h e quem presidia a sessão era o vice-presidente da Assembleia, deputado Egon Renner (PRP – Partido de Representação Popular). O presidente era o Hélio Carlomagno (PSD – Partido Social Democrático). O Egon Renner deu a palavra ao deputado Poti Medeiros, da UDN, que foi à tribuna para saudar a vinda a Porto Alegre, no dia seguinte, 26, do presidente Jânio Quadros, que foi eleito pelo UDN: ‘Quero saudar a presença do nosso grande presidente, que virá a Porto Alegre’”, recorda Jotaká.

Em meio à saudação de Poti, o deputado Sereno Chaise, então líder do PTB, pede a palavra por uma questão de ordem. E anuncia que Jânio Quadros havia renunciado à presidência. Sereno fez um discurso, falando em forças ocultas, porque o bilhete que Jânio encaminhará ao Congresso já era conhecido. A plenária foi suspensa. “Foi aquele susto. Todo o mundo apavorado, ligando para Brasília”, recorda Jotaká. Os deputados começaram a sofrer com a tentativa de falar com seus correligionários na capital federal. Esperavam até duas horas para que uma ligação fosse completada. “Houve aquela balbúrdia toda e começamos a nos informar sobre o que havia acontecido, inclusive sobre a rapidez com que o Pedroso Horta (ministro da Justiça) levou o bilhete ao Congresso”.

Sereno Chaise informou os colegas deputados sobre a renúncia de Jânio

Os deputados gaúchos ficaram de plantão na Assembleia. “Lembro – diz Jotaká – que o deputado Hélio Carlomagno providenciou um rádio aircraft, enorme, usado pelas Forças Aramadas, para pegar mais detalhes de Brasília, porque as comunicações naquela época eram difíceis.”

“A Assembleia – afirma ainda – teve um papel preponderante. Inclusive deputados que eram contra o governador Brizola, deram solidariedade, como o deputado Paulo Brossard de Souza Pinto, que era líder do PL, o Partido Libertador, que mais combatia (o governo Brizola), e o Cândido Norberto, do PSB, Partido Socialista Brasileiro. Depois ele se elegeu pelo PL”. Jotaká ressalta que outro deputado que se sobressaiu muito naqueles dias foi o presidente da AL, Hélio Carlomagno.

No Piratini, mais ligações para Brasília e São Paulo eram tentadas. O governador Leonel Brizola queria falar com Jânio Quadros para saber se ele realmente havia renunciado ou sido deposto. “Brizola não conseguiu. Falou com Carlos Castelo Branco, que era assessor (de imprensa) de Jânio e estava com ele na Base Aérea de Cumbica. Ofereceu que o presidente viesse para cá e aí se instalou a Legalidade mesmo”.

O primeiro governador a aderir ao movimento gaúcho foi Mauro Borges, do Goiás, recorda Jotaká. Logo as emissoras goianas passaram a entrar em cadeia com a Rede da Legalidade, transmitindo as notícias produzidas nos porões do Palácio e os discursos de Brizola. O governador passava os dias em conferência, ligando para os comandantes militares do interior do estado. “Ele usava muito o telefone. Falava também com os líderes nacionais, como Tancredo Neves”. Brizola estava sempre com uma metralhadora do lado, da Brigada Militar, com pente carregado. “Ele fumava muito. Estava sempre fumando. E subindo e descendo. Ia do gabinete para o porão. Brizola sempre foi muito articulador. Tinha uma capacidade muito grande de articulação”. Ao lado do governador estavam sempre o coronel Emílio Neme e o chefe da Casa Militar, coronel Campomar. “Quem cuidava da logística – para isso é preciso muita logística – era o Ney Brito, chefe da Casa Civil”.

Armas e batalhões

Jotaká e seus colegas do Diário de Notícias, Correio do Povo, Folha da Tarde, O Dia, A Hora e Última Hora passavam mais horas nos porões do Palácio Piratini do que nas redações. Ali esperavam por notícias, quase sempre dadas pelo governador, que aparecia de vez em quando para falar com os jornalistas e discursar pelas ondas da Cadeia da Legalidade. Ali nos porões, os jornalistas presenciaram episódios heróicos, mas também se divertiram com alguns “causos”.

Jornalistas nacionais e estrangeiros começaram a chegar ao Rio Grande do Sul. Todos se concentravam no Palácio Piratini. As horas de espera por novas informações eram dedicadas a um carteado, recorda Jotaká. “A parte folclórica é que eu ganhei um revólver calibre 38 e balas 22. Eu botava as balas e elas caíam no chão”. A distribuição de armas e munição, de acordo com o jornalista, foi feita pela Casa Militar, sob o comando do coronel Campomar. A maioria dos jornalistas estava armada. Ao final da Legalidade, devolveram as armas, que haviam sido requisitadas da indústria Taurus.

Jotaká: recebi um revólver 38 e balas 22 - Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Os deputados e os líderes começaram a organizar batalhões de voluntários – os Batalhões Provisórios – para defenderem a Legalidade. As inscrições eram feitas no Mata-Borrão, na Avenida Borges de Medeiros com a Rua Andrade Neves, no Centro de Porto Alegre. “Muitos deputados começaram a organizar os batalhões no interior do estado”, afirma J.K., que lembra um episódio acontecido com um primo de Leonel Brizola, que era prefeito de Nonoaí. “O nome dele era Jair de Moura Calixto. Ele organizou um batalhão provisório e começou a descer em direção a Porto Alegre. Chegava nas fazendas, requisitava os bois, já matava os bois, fazia churrasco, alimentava a tropa. Ele tinha uns 400 homens. Aí terminou a Legalidade. O secretário de Segurança, Moacir Aquistapace, mandou um telegrama para ele: ‘Jair, suspende a marcha. A Legalidade já terminou. O Jango já está em Brasília’. E ele mandou de volta um telegrama dizendo o seguinte: ‘Dissolvi tropa. Fiquei 50 homens para minha guarda pessoal’”.

O advogado e ex-jornalistas Índio Vargas, um dos pedetistas históricos, que também cobriu a Legalidade para o Diário de Notícias, conta o mesmo episódio de forma um pouco diferente. “Jair Calixto, prefeito de Nonoai, era um homem determinado – lembra Índio. Ele juntou as armas que tinha – espingardas, revólveres – e seus homens e telegrafou a Brizola: ‘Contingente de Nonoai já está na estrada. Rumo a Porto Alegre’. Brizola chamou o secretário de segurança e mandou dar uma resposta ao Jair, impedindo que ele viesse a Porto Alegre. O telegrama enviado a ele dizia: ‘Prefeito Jair Calixto, peço que aguarde 48 horas para decidir tua vinda e a dos teus homens a Porto Alegre”. Jair contestou: ‘Não aceitamos ordens de ninguém. Partiremos por vontade própria e por conta própria”.

J.K. diz que outro episódio que achou “sensacional” ocorreu com o deputado Milton do Dutra, do PTB, da região de Rosário do Sul. “Ele morava no Edifício Catedral, onde morava um grande número de deputados – Paulo Brossard, Poti Medeiros -, porque é perto da Assembleia. Mas, o deputado estava organizando um batalhão provisório, por telefone, no Palácio, no Salão Negrinho do Pastoreio, que se tornou o centro de logística da Legalidade. Ele, então, pega o telefone e liga para a mulher dele, que estava no edifício Catedral, a uma quadra do Palácio, e pergunta: ‘Ô Maria, as minhas botas estão aí?’. Ela respondeu que estavam em Rosário. E ele: ‘Manda buscar urgentemente, como é que eu vou para a revolução sem botas?’ A preocupação dele era com as botas”.

Uma história que ficou conhecida foi a do jornalista Josué Guimarães, futuro autor de livros de contos e romances, como Os Tambores Silenciosos e Camilo Mortágua. “Josué estava deitado numa poltrona na Casa Civil e aí anunciaram que os tanques da Serraria vinham para bombardear o Piratini. Alguém chegou para ele e disse: ‘Josué, Josué, te acorda, os tanques da Serraria estão chegando’. Ele perguntou: ‘Que horas são?’ Ao ouvir que eram 3h, pediu: ‘Quando passar o tanque das quatro, me acorda’”.

Episódio emocionante

Muitos comentam que na chegada ao Palácio Piratini, vindo de Montevidéu, Jango teve de enfrentar uma briga com Brizola, que não aceitava o parlamentarismo. Os cunhados realmente brigaram? J.K. lembra que quem contava sobre a briga era o jornalista gaúcho, de Passo Fundo, Tarso de Castro, uma das estrelas do Pasquim que, em 1961, trabalhava na Última Hora. “Tarso também não queria que o Jango aceitasse o parlamentarismo. Um dia chegou a levantar o dedo, a colocar o dedo na cara do Jango: ‘Não pode aceitar’. Mas, o Jango era muito ponderado. Eu acredito que deve ter havido uma discussão. Mas, no fundo, o Brizola acabou cedendo”.

J.K. foi um dos dois jornalistas que viajaram no Caravelle que levou o vice-presidente para Brasília. O outro foi Amir Domingues, jornalista da Empresa Jornalística Caldas Jr., proprietária da Rádio Guaíba, que fora requisitada por Brizola e que liderou a Rede da Legalidade, do Correio do Povo e da Folha da Tarde. No avião estavam ainda o general Amaury Kruel, futuro chefe da Casa Militar do governo federal, Ruben Berta, presidente da Varig, Raul Ryff, secretário particular de João Goulart, lideranças partidárias. Os demais jornalistas seguiram em outros aviões requisitados à Varig por Brizola.

Ruben Berta, então presidente da Varig, viajou com Jango para Brasília

Durante o voo, J.K., testemunhou o convite feito por Jango a Ruben Berta para que assumisse o Ministério de Viação e Obras Públicas. Berta não aceitou. Disse que queria continuar presidente da Varig. “Outro detalhe: a FAB anunciou a Operação Mosquito para derrubar o Caravelle. Não aconteceu nada disto. Chegamos em Brasília e fomos recebido com tapete vermelho. Tive a honra de pisar em um tapete vermelho”.

J.K. qualifica a Legalidade de “episódio emocionante e marcante”, em que todos vibraram e choraram muito. “Chorei na hora em que o (general) Machado Lopes (comandante do III Exército) aderiu. Ele foi ao Palácio dizer que o III Exército apoiaria o movimento”. Jayme Keunecke lembra: “O Diário de Notícias chegou a tirar três clichês (três edições) na antevéspera do general Machado Lopes decidir a favor da Legalidade”. Depois desta vitória e da chegada de Jango, uma frustração para os gaúchos que defendiam a posse do vice-presidente: “O Jango chegou e não discursou. Só abanou da sacada do Palácio quando chegou. E todos esperavam que ele fosse discursar”.


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