Julgamento Lula
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23 de janeiro de 2018
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11:44

‘Tribunais só servem ao país se souberem estar acima das lutas políticas’, diz jurista português sobre Lula

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Sul 21
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‘Tribunais só servem ao país se souberem estar acima das lutas políticas’, diz jurista português sobre Lula
‘Tribunais só servem ao país se souberem estar acima das lutas políticas’, diz jurista português sobre Lula
António Avelãs Nunes foi um dos convidados do Diálogos Internacionais para a Democracia. Foto: Marcelo Pedroso/Frente Brasil Popular

Fernanda Canofre

Em uma entrevista ao site Conjur, especializado em notícias do mundo do Direito, em maio do ano passado, o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, António Avelãs Nunes, defendia que “não poderia ser um bom jurista, quem apenas sabe Direito”. Na época, ele lançava seu livro “O Direito na Economia Política: a propósito de um livro sobre a Revolução Francesa”, com prefácio do ministro Luiz Edson Fachin. O responsável pelos casos da Operação Lava-Jato, no Supremo Tribunal Federal.

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Nesta segunda-feira (22), Avelãs Nunes foi um dos convidados do “Diálogos Internacionais Para a Democracia”, dentro da programação de atos em apoio ao direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de concorrer à presidência, em outubro.

Em Porto Alegre, ele declarou acreditar que, Lula sendo candidato, tem as eleições ganhas. Na segunda mesa do evento, o jurista declarou: “As juntas militares foram substituídas por juntas civis, formadas por banqueiros ao lado de magistrados e promotores, em uma onda reacionária orquestrada pela imprensa dominante”.

Pouco antes, ele falou com o Sul21 sobre o que pensa que estará em jogo na quarta-feira:

Sul21: Como o senhor avalia a sentença dada ao ex-presidente Lula?

António Avelãs Nunes: O que eu penso é o seguinte: não há nos autos a mínima prova de que o apartamento tenha sido dado ao presidente Lula. Pelo que eu conheço, o que tem vindo a público, transcrevendo peças de processos que correm em Tribunal, é que a OAS entrou em processo de falência e esse apartamento contava na massa falida. Já estava no patrimônio que a empresa ofereceu para pagar aos seus credores. Há ainda uma decisão de um tribunal de Brasília para utilizar esse apartamento (o triplex no Guarujá) ou parte do valor dele para fazer um pagamento da dívida dessa empresa. Bom, então, creio que o que está demonstrado é que, esse apartamento, mesmo para a justiça brasileira é da OAS, não do presidente Lula. Se fosse dele, claro que a empresa não poderia usar para fazer pagamentos de dívidas suas. Por que ele foi condenado? Porque tinha de ser condenado. Eu gostaria que ele não fosse condenado, seria muito importante que a justiça brasileira desse uma prova da sua independência e do seu serviço ao país. Os tribunais só servem ao país se souberem estar acima das lutas políticas, fizerem justiça, como deve ser. Se agora esse tribunal de segunda instância emendasse a mão e viesse a reconhecer que não há provas, não tem que declarar que ele é inocente, o que tem que declarar é que não há provas que permitam condená-lo. Muitas vezes, em tribunais, o juiz pode estar convencido que a pessoa A ou B é inocente, mas não é essa sua função.

Sul21: No caso de ser mantida a condenação, o que significaria para o Judiciário brasileiro?

António Avelãs Nunes: Todo esse processo e a aceleração dele, contra tudo o que é normal, visa, exatamente, impedir a candidatura dele à presidência da República. Essa é minha convicção. Peço muita desculpa aos magistrados envolvidos, se estou a ser injusto para com eles. Mas, essa é a minha convicção. Eu não estou muito otimista com o resultado da deliberação, que deverá ser tomada, mas, o que eu espero é que haja ainda outras vias de recursos, os tribunais internacionais, a Justiça Inter-americana, que possam realmente tomar conta do caso e vir a público dizer que isso não pode ser assim. Num país como o Brasil, que sem ter consciência disso está condenado a ser uma grande potência mundial, os tribunais não podem funcionar dessa maneira. Os tribunais são, em qualquer democracia, órgãos fundamentais do equilíbrio dos poderes. O que tem é que cumprir seu papel, honrar sua missão.

Sul21: Esse caso é bastante midiático e polarizador, colocando juiz contra réu nas narrativas, por exemplo. Como o senhor avalia?

António Avelãs Nunes: As coisas da justiça tem que passar-se num ambiente de certo recato, senão, corre-se o risco de, ao invés dos órgãos judiciais fazerem justiça com a sua independência, eles próprios serem arrastados pela justiça popular, comandada pela comunicação social. E a comunicação social, nós sabemos quem manda nela. Essa mediatização da Justiça é um erro. Penso que não serve à democracia. Pelo contrário, é um grande rombo na democracia e na cultura democrática, o fato, por exemplo, de sessões do Supremo Tribunal Federal serem transmitidas ao vivo pela televisão. Isso não serve à democracia. Aquelas ações não são uma discussão séria entre juízes que estão ali para dar o seu melhor, para tentar convencer o outro de que ele tem razão. Aquilo se torna o risco de se transformar em espetáculo para a massa. Isso não é saudável, não é favorável. Quando se cria esse clima, os próprios tribunais ficam presos à opinião pública que está na rua e que exige sangue. Nesse caso, correu-se muito esse risco. As campanhas começaram contra a corrupção e acabaram por por na rua uma presidente que nunca ninguém acusou de corrupção. Penso que isso prova que os órgãos do poder político que desencadearam essa operação não queriam combater a corrupção, mas outra coisa, e se or órgãos judiciais vão atrás e alimentam essa campanha são os que aceitam se deixar colonizar pela opinião pública.

Sul21: As manifestações a favor do presidente Lula foram alvo de controvérsia nos últimos dias, com questionamentos e forte esquema de segurança, antes mesmo de acontecer qualquer coisa. Quais os riscos desse clima, num momento como esse?

António Avelãs Nunes: O direito à manifestação não pode ser posto em causa, senão deixamos de ter democracia. Agora, o direito à manifestação também não deve condicionar os tribunais. Nem a favor, nem contra. Esse clima, o que eu penso, é que está a condicionar a Justiça, os tribunais. E isso é mau.


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