Geral
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11 de novembro de 2022
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15:20

Combate às pandemias, descontroladas, de obesidade e diabetes. E a fome e a pobreza? (por Milton Pomar)

OMS prevê um bilhão de pessoas com obesidade no mundo em 2030 (Pixabay).
OMS prevê um bilhão de pessoas com obesidade no mundo em 2030 (Pixabay).

Milton Pomar (*)

Passada a pior fase da Covid, o mundo volta a tratar das pandemias tradicionais, agravadas em 2020/2022: aumentaram as quantidades de pessoas – principalmente crianças e adolescentes – com obesidade, diabetes, submetidas a cirurgias bariátricas, passando fome e bem mais pobres. Em novembro, nos dias mundiais de combate à obesidade (12) e o diabetes (14) mais uma vez ficará evidente o desespero de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), com o descontrole total e absoluto da situação: um bilhão de pessoas com obesidade (World Obesity Atlas 2022) no mundo em 2030, o dobro da quantidade que havia em 2010, e 800 milhões com diabetes em 2045, deixando longe os 537 milhões em 2021 (https://diabetesatlas.org/).

As más notícias não param por aí: as mulheres serão maioria, nos três níveis do Índice de Massa Corporal (IMC) da obesidade: 30 kg/m2 (586 milhões de mulheres e 439 milhões de homens), 35 kg/m2 (219 milhões/114 milhões) e 40 kg/m2 (77 milhões/34 milhões). Portanto, nos próximos oito anos, enquanto talvez diminua o um bilhão de pessoas com a pandemia crônica da fome, chegará a um bilhão o total de pessoas com obesidade.

O pior é que a tendência é as pandemias da obesidade e do diabetes atingirem níveis ainda mais dramáticos até 2050, tais as proporções de obesidade infantil e adolescente previstas para 2030 (). Na faixa de 5-9 anos de idade, a campeã deverá ser a China, com 32%, seguida de perto pelo Egito (29,5%), África do Sul (28%) e Argentina (27%). Na faixa seguinte (10-19 anos de idade), a África do Sul (27%), Estados Unidos (24%), Egito (23%) e China (22%). Em números absolutos, a quantidade de crianças e adolescentes (5-19 anos) deverá passar de 158 milhões para 254 milhões, de 2020 para 2030, campeões a China (62 milhões), Índia (27,5), EUA (17), Indonésia (9) e Brasil (7,7).  

Grande responsável por essa situação, o consumo de açúcar no mundo passou de 80 milhões de toneladas (ton) para 180 milhões, no período 1980-2020. E a expectativa é de até 2029 o  consumo mundial chegue nos 199 milhões de ton. Em 2002, a OMS recomendou que o máximo de açúcar ingerido por pessoa/ano deveria ser de 18kg. Maior produtor e exportador de açúcar (esperados 38% do total mundial em 2029), o Brasil é campeão também em consumo, com 10,6 milhões de ton anuais, que resultam em 50 kg per capita.

Melhores exemplos do “boom” da obesidade, os Estados Unidos (EUA) e México possuem, respectivamente 41,9% e 36,8% de suas populações adultas nessa condição. No caso dos EUA, 9,2% com obesidade grave e 14,8% com diabetes, o que explica os dois milhões de cirurgias bariátricas e metabólicas no país, de 2011 a 2020, com o recorde em 2019: 256 mil. 

Apesar de ter metade (20,3% em 2019) da proporção de obesos dos EUA, o Brasil contabiliza 13,6 milhões de pessoas com obesidade grave, consideradas “elegíveis” para cirurgias bariáticas. Por isso, as 424,6 mil cirurgias bariátricas no período 2011/18 são consideradas quantidade muito abaixo do necessário pela “indústria das bariátricas” para atender o “mercado” da obesidade

 

E é a lógica de mercado, justamente, que mais contribui para dificultar a redução das pandemias da obesidade, diabetes, pobreza e fome, porque transforma tudo em mercadoria – no caso da parcela da população com mais peso – ou muito mais – do que o máximo aceitável (29 kg/m2) pelo critério do IMC, há enorme esforço de normalização dessa condição: números extra-grande de roupas, espaços maiores em poltronas de avião, modelos “plus size” em publicidade etc., etc. 

O debate sobre “gordofobia” ganhou a mídia, sem espaço para o contraditório: obesidade é grave problema de saúde pública; obesidade infantil e adolescente é mais grave ainda; e os elevados custos do tratamento de problemas decorrentes da obesidade impactam negativamente o sistema de saúde. Com três datas mundiais alusivas à obesidade (11 de outubro, 12 de novembro e 4 de março), diferentes enfoques – e interesses econômicos – para lidar com a pandemia, e as quantidades de pessoas obesas somente aumentando, pode-se concluir que a população mundial caminha para ponto irreversível da obesidade, talvez até antes de 2050.

Há ainda o aspecto político da pandemia da obesidade, expresso pela diferença entre a demanda aparente e a demanda reprimida de alimentos no mundo. As projeções de oferta e demanda de alimentos para oito bilhões de pessoas (população esperada em 15 de novembro de 2022), não consideram o um bilhão que come por três bilhões. Talvez porque esse consumo adicional seja “compensado” pelo consumo insuficiente da parcela de 1,8 bilhão de pessoas no mundo que ganham até US$3,65 por dia, na qual estão os 700 milhões que ganham menos de US$2,15 por dia. Quanto maior a demanda real por alimentos, maior a pressão sobre os preços, e qualquer centavo a mais, para quem ganha tão pouco, é a diferença entre comer ou não comer. 

Prova dessa relação é o que ocorreu no Brasil em 2014 – quando o país alcançou o pleno emprego, com nível inédito de poder aquisitivo da população, e saiu do Mapa da Fome –, e a partir de 2019, com o aumento do desemprego e a redução dos salários, resultando em enorme quantidade de pessoas empobrecidas e no ressurgimento da fome em grande escala, atingindo hoje 33 milhões de pessoas diretamente, e quantidade muito maior com insegurança alimentar. 

(*) Professor, Geógrafo, Mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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