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4 de julho de 2020
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17:47

Lições do Paraguai sobre a pandemia

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Sul 21
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Lições do Paraguai sobre a pandemia
Lições do Paraguai sobre a pandemia
Paraguai implantou uma política centralizada de prevenção ao coronavírus e seguiu todos os protocolos recomendados pela ciência. (Divulgação)

Marcos Rolim (*)

O Brasil ultrapassou a marca dos 63 mil mortos pela Covid-19 sendo que os números verdadeiros são muito maiores por conta da enorme subnotificação. Ao nosso lado, no Paraguai, temos 13 mortos. Considerando-se as populações dos dois países, temos uma taxa no Brasil de 300 mortos para cada milhão de habitantes, enquanto o Paraguai tem 2 mortos por milhão. O Paraguai apresenta os melhores indicadores de enfrentamento à pandemia da América Latina nesse momento, seguido pelo Uruguai, pela Argentina e pela Colômbia.

O que explica essa enorme diferença de desempenho entre Brasil e Paraguai? A resposta é claríssima: o Paraguai implantou uma política centralizada de prevenção ao coronavírus e seguiu todos os protocolos recomendados pela ciência. Dito de uma maneira mais simples: há governo no Paraguai.

Compartilho aqui, informações da apresentação “El Paraguay y sus estrategias ante el coronavirus” de Emílio Camacho e Laura Cabrera, trazidas a debate em telerreunião de pesquisadores lationoamericanos da qual participei. Elas são muito elucidativas e dão conta da diferença entre ter ou não ter uma política pública adequada de saúde pública.

Ao início de fevereiro, quando o Paraguai não possuía um só caso registrado do novo coronavírus, o governo fechou as fronteiras para todas as pessoas que viessem da China ou que lá tivessem estado recentemente. Em 9 de março, após a confirmação dos dois primeiros casos, o presidente Mario Abdo Benitez decretou a suspensão de eventos e espetáculos públicos e privados, proibiu as atividades em locais fechados assim como todas as aulas presenciais e implementou o toque de recolher noturno.

Observe-se que essa medida foi tomada antes de a OMS identificar a nova doença como uma pandemia. Em 16 de março, o governo decretou Estado de Emergência Sanitária e fechou completamente suas fronteiras. Militares foram mobilizados para impedir a entrada de veículos de outros países, especialmente do Brasil, por conta do alto índice de contágio.

Com essas definições, uma série de medidas de proteção social foram tomadas, incluindo um amplo programa de solidariedade chamado Ñangareko, palavra que no idioma Guarani quer dizer “proteção”, e mecanismos simplificados de crédito para micro, pequenas e médias empresas.

Ao decretar a quarentena mais rigorosa da região, o presidente paraguaio declarou que não era possível saber por quanto tempo se manteria o isolamento, mas que se tratava de “se preparar para o pior, para colher o melhor”. A frase traduz o que se define como “princípio da precaução”. Todos os governos que definiram medidas fortes com base nesse princípio colheram resultados muito positivos no enfrentamento à pandemia; todos os que o desconsideraram produziram o horror. Isso foi decisivo também porque o vírus já estava em circulação no mundo muito antes de se imaginar que haveria uma pandemia. A revelação recente da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) de que o novo coronavírus foi encontrado em amostras de esgoto coletadas em dezembro de 2019 é, neste particular, uma evidência impressionante.

O ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, que contou com o apoio total do presidente, afirmava: “O que irá fechar as indústrias não será o governo, ou a polícia, mas o vírus, se não fizermos agora o que deve ser feito”. As decisões governamentais foram acolhidas por todos os gestores e os demais Poderes se uniram em torno do objetivo mais importante e urgente: salva vidas. O Paraguai havia enfrentando grave epidemia de dengue e sabia que sua estrutura de Saúde Pública não suportaria uma demanda extraordinária de internações hospitalares.

Os resultados dessa política se traduzem nos seguintes números (dados de 26 de junho): Total de casos confirmados de contágio: 1.569; total de internados: 12, sendo dois pacientes em UTIs; total de mortos: 13. Hoje, o Paraguai cumpre seu planejamento de retomada das atividades, já na terceira fase de flexibilização.

O contraste da experiência paraguaia torna a tragédia brasileira ainda mais inaceitável. De fato, não estamos lidando com uma fatalidade, mas com uma escalada de mortes que, em sua grande maioria, poderiam ter sido evitadas com medidas simples e de bom senso. Bolsonaro acaba de vetar a obrigatoriedade do uso de máscaras prevista em Lei Federal, a necessidade de campanhas para estimular seu uso, a possibilidade de aplicar multas etc. A postura é coerente com sua postura negacionista desde o início da pandemia, o que fraturou o discurso público no Brasil, transformou a saúde em disputa político-ideológica e legitimou a estupidez. Hoje, multidões saem às ruas para confraternizar, ignorando as dimensões da tragédia em curso, porque a falta de noção, de responsabilidade e de compromisso público são pragas que o Brasil nunca se dispôs a enfrentar, mas é evidente que se os governantes não constrangem esses fenômenos e se, pelo contrário, os estimulam, os resultados são ainda piores.

A responsabilidade de Bolsonaro diante de tudo o que estamos presenciando deixou, há muito, de ser um tema apenas da esfera política. Há responsabilidades criminais a serem apuradas quanto a sua persistente conduta como “gestor de mortes”. Uma conclusão que ganhou nova evidência diante da informação de que o governo recebeu, em março, estudo com projeção do Ministério da Saúde de que o Brasil poderia ter 100 mil mortes em seis meses, segundo relatou o ex-secretário do Ministério da Saúde, epidemiologista Wanderson Oliveira. Naquele mês, Bolsonaro afirmou que morreriam menos de 800 pessoas e que todo o alerta sobre a pandemia era “exagero” e “invenção da imprensa”. Previsões do tipo, a desconstituição do Ministério da Saúde e toda a sorte de bobagens repetidas desde então encomendaram as mortes, as agenciaram concretamente. Nunca um governo matou tanta gente por propositada omissão e negligência. Nunca a incompetência e a insanidade custaram tanto ao País.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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