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24 de maio de 2020
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16:35

A agenda do manicômio

Por
Sul 21
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A agenda do manicômio
A agenda do manicômio
Reunião ministerial de 22 de abril. Foto: Marcos Corrêa/PR

Marcos Rolim (*)

A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril segue estimulando avaliações de todo tipo. Em muitas, se questiona se, de fato, a reunião produziu a evidência de crime de responsabilidade do presidente; se a referência à segurança era, mesmo, dirigida à Polícia Federal, etc. Esse ponto é evidente. Aliás, o Jornal Nacional da Rede Globo já revelou, em ótimo jornalismo, que Bolsonaro havia promovido mudanças no sistema de segurança pessoal e de sua família no Rio de Janeiro 30 dias antes da reunião, inclusive promovendo o responsável do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no estado. Estava, então, satisfeito com o serviço e não teve qualquer dificuldade de promover mudanças. Onde ele havia encontrado dificuldade de intervir era na Polícia Federal. Onde seus filhos e amigos estavam enfrentando “problemas”, digamos assim, era na Polícia Federal. Para não deixar “f****” seus familiares e amigos, ele anuncia, na reunião, a disposição de mudar o diretor da Polícia Federal e, se necessário, o ministro. E diz isso olhando para Moro. Mais claro, só desenhando.

O impressionante na reunião, entretanto, não é isso. O que impressiona (assim, com dois esses, ministro Weintraub) é que o primeiro escalão do Governo Federal se reúna no auge da pandemia, diante de milhares de mortes, e que o tema sequer esteja na pauta! Esses miseráveis se reúnem e não discutem, por um minuto sequer, o que fazer para conter a disseminação do vírus, o quanto investir para que o SUS não entre em colapso, o que fazer para salvar vidas de brasileiros, para diminuir o desespero dos mais pobres, para ajudar as pessoas. Nada, nenhuma palavra, nenhuma preocupação. O anti-ministro do meio ambiente, escolhido a dedo para acabar com todo nosso sistema de proteção ambiental, sustenta, então, que o governo deveria aproveitar “esse momento de tranquilidade”, em que a cobertura de imprensa se volta quase que exclusivamente para a COVID, para passar as reformas infra-legais de desregulamentação na área. “Momento de tranquilidade”, foram as palavras que ele escolheu! Alguém que diante do horror que se multiplica por todo o País fala em “momento de tranquilidade” age como um psicopata.

Ricardo Salles, Weintraub, Damares, Paulo Guedes, não são ministros por acaso. Eles espelham o chefe com esmero. Bolsonaro não fala palavrões apenas porque é mal-educado ou porque é, de fato, um ignorante que tem dificuldade de falar português. Ele fala palavrões também porque essa é a forma mais primitiva, usada por todas as pessoas primitivas, de expressar seu ódio. O palavrão é sempre a síntese de uma emoção que não cabe no discurso. É também uma forma usada por pessoas embrutecidas de subtrair a humanidade dos adversários. Aquele prefeito é um “bosta”, o governador é um “estrume” e por aí vai. No mundo dos espelhos fascistas, a senha é apanhada por Damares que retruca: “estamos pedindo a prisão de governadores e prefeitos…” Tudo em nome da “liberdade”, claro.

O que a reunião tornou claro, límpido e cristalino, é que o Brasil está completamente à deriva. O próprio Bolsonaro o reconhece quando afirma que “nosso barco está indo, mas pode estar indo em direção a um iceberg”. Ou seja, ele não sabe para onde vai o navio, porque não o comanda. E não o comanda porque a agenda real do manicômio é retirar o Estado de tudo o que for possível e deixar que as grandes empresas toquem o barco. Com essa agenda, todos esses senhores e senhoras ganharão muito dinheiro enquanto seguimos em direção ao iceberg.

Para preencher o vazio dentro de si e do mundo imaginário em que habita, nosso Napoleão de hospício só se dedica, efetivamente, a dois objetivos: a proteção de seus filhos e amigos e à manutenção da base manicomial que pode lhe garantir sustentação para o golpe caso o STF e o Congresso o emparedem.

Diante do quadro delirante e paranoico que a reunião desvelou, a previsão feita pelo ministro Guedes, de que “o Brasil vai surpreender o mundo”, parece ser a única coisa verdadeira. Na verdade, o mundo nunca esteve tão surpreso com o Brasil como agora. Ninguém fora do Brasil jamais imaginou que chegaríamos a esse ponto.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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