Colunas>Germano Rigotto
|
20 de julho de 2017
|
10:00

As instituições brasileiras funcionam?

Por
Sul 21
[email protected]
As instituições brasileiras funcionam?
As instituições brasileiras funcionam?

Germano Rigotto

Começo este artigo respondendo ao seu título. Para isso, preciso fazer duas abordagens aparentemente contraditórias, mas que são complementares. A primeira: sim, as instituições brasileiras funcionam. A segunda: mas funcionam mal, porque compõem um sistema que já está vencido em si mesmo. Explico.

Mesmo com toda esta crise, não há ameaças à democracia. Os poderes e órgãos de Estado estão cumprindo seu papel. As interferências ocorrem dentro de um ambiente de legalidade. As casas congressuais, embora tensas, funcionam normalmente. Não há ameaça de levante militar, tampouco de revolta social generalizada. A liberdade de imprensa está garantida. As manifestações populares ocorrem sem maiores constrangimentos, afora exceções quase sempre detectadas e combatidas. O debate político, na academia e nos meios intelectuais, se dá sem censura estatal de qualquer espécie.

Convenhamos que isso não é pouco para um país que vive a maior crise econômica de sua história. Muito menos para uma nação que acabou de depor uma presidente democraticamente eleita, sucedida por um mandatário que está com baixos índices de popularidade e envolvido diretamente na crise. Também não é dado relativo se considerarmos o grande esquema de corrupção que tentou tomar conta do setor público. O Estado, por si mesmo, através de seus órgãos de fiscalização e controle, diagnosticou e está aplicando os remédios que estão ao seu alcance. Ora, a Lava Jato é a maior operação de combate à corrupção do mundo.

Não se pode desprezar, portanto, esse dado de maturidade do ambiente social e político brasileiro. Por isso disse, no preâmbulo, que as instituições funcionam. Entretanto, tamanho cataclismo conduz a pensar sobre como elas permitem que tamanha crise consiga se instalar. Sim, pois se nosso ordenamento fosse mais aperfeiçoado, nada disso deveria ter chegado tão longe. Um mecanismo mais eficiente de legitimação do poder e de fiscalização social cortaria o mal pela raiz.

Aí é que entra o segundo aspecto que trouxe a esta abordagem. Nosso modelo institucional está vencido. Ou melhor, talvez já tenha nascido defasado. A Constituição Federal de 1988, no afã do momento histórico que vivia o país, sobrevindo de um considerável período de fechamento militar, criou um sistema político que concentrou demasiadamente o poder nas mãos de uma única pessoa: o presidente da República. Mas, em vez de legitimar nas urnas esse poder, o que seria menos maléfico, o fez na formação do governo – donde surge o nosso nefasto presidencialismo de coalizão.

O sistema eleitoral brasileiro divorcia, por essência, o Poder Executivo do Legislativo. Um não tem responsabilidade com o outro. O cidadão não casa os dois raciocínios na hora de votar. O presidente, depois de eleito, é que vai tentar arrumar sua “casa política”. Eis que o fisiologismo e o clientelismo entram em cena como as formas mais pragmáticas de compor a maioria parlamentar, sem a qual ninguém consegue avançar. Haveria outros meios, sem dúvida, com probidade e decência, mas o atalho acaba sendo o caminho mais fácil justamente para quem quer descaminhar.

A culpa é das regras do jogo? Não apenas delas, pois o caráter dos jogadores faz toda a diferença. Mas o fato é que normas equivocadas não produzem bons resultados, mesmo que haja craques em campo – e é exatamente esse o nó que o Brasil precisa desatar. Nosso sistema político e eleitoral virou uma crise com data marcada. E o cenário atual mostra que, mesmo com as regras sendo medianamente cumpridas, o jogo continua sendo péssimo para a população.

Faltam-nos mecanismos apropriados, essa que é a verdade. Primeiro, para aproximar o eleitor do eleito. Depois, para tornar de fato interdependente a relação do Poder Executivo com o Legislativo – fazendo com que o parlamento seja parte efetiva de uma solução de governo, sob pena de também ele eventualmente ser destituído. Ainda para permitir que substituições de um presidente da República possam ocorrer de uma maneira que não seja tão traumática.

Nossas instituições precisam ser reformadas – está claro. Caso contrário, continuaremos envoltos apenas pelo debate da honestidade e da corrupção. A melhoria das investigações e a diminuição da impunidade de poderosos é um legado valioso do país, que deixará muitos avanços. Mas, até mesmo em homenagem a Lava Jato, precisamos mexer no Brasil mais profundo, escondido em regras constitucionais que geram e estimulam todos esses problemas. Precisamos de instituições que funcionem, sim. Mas que funcionem bem.

.oOo.

Ex-governador do Rio Grande Sul, presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (www.germanorigotto.com.br).


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora