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20 de janeiro de 2021
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20:35

O Momento Doria

Por
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O Momento Doria
O Momento Doria
João Doria caminha para o centro do debate político com a vacinação em SP. Foto: GovSP

Antonio Escosteguy Castro (*)

A aprovação da Coronavac pela Anvisa e o início da vacinação em São Paulo,  com a brilhante escolha simbólica de uma enfermeira negra, oriunda da periferia, e que fora voluntária nos testes, trouxe o nome do governador João Dória para o centro do palco político nacional. Ele nem precisou fazer esforço para politizar estes acontecimentos e faturar em cima deles; Bolsonaro e Pazuello agiram da forma mais propícia possível para projetar Doria, criticando, boicotando e torcendo contra a vacinação. Doria vinha administrando o enfrentamento da pandemia de forma bastante razoável, e sai agora como o campeão do processo de vacinação em massa da população.

Consolida-se, assim, sua candidatura à Presidência em 2022, que já saíra fortalecida com a reeleição de Bruno Covas na  capital paulista ano passado, embora o PSDB tenha perdido muito do espaço que conquistara nas eleições imediatamente posteriores ao golpe, em 2016 (perdeu cerca de 7 milhões de votos e mais de 300 prefeituras de 2016 a 2020). Doria dá um rosto palatável à centro-direita civilizada, no seu sonho de romper a polarização Bolsonaro/PT.

Bolsonaro continua aplicando à risca as lições de Steve Bannon, ainda que Trump tenha perdido as eleições americanas. Fala e governa apenas para seu eleitorado e sua base, esperando que na hora da polarização final o empresariado e o eleitorado conservador cerrarão fileiras com ele com medo do comunismo. Embora tenha fracassado nos grandes centros, é superficial a interpretação de que Bolsonaro perdeu as eleições municipais; os partidos mais ligados a seu governo fizeram cerca de 13% dos votos, o que é uma base eleitoral nada desprezível. Hoje, Bolsonaro ainda é o maior favorito para chegar no 2º turno em 2022.

O PT continua esperando por Lula. Poucas são as chances, porém, de que este possa concorrer em 2022. Ainda que o STF  julgue a suspeição de Moro (e com isso afaste um possível candidato que incomoda a todos que estão se apresentando) e anule o processo do triplex, ainda resta o processo do sítio de Atibaia, em que outra juíza deu a sentença. Basta não anulá-los ao mesmo tempo e Lula continuará inelegível. Nunca subestimem Gilmar Mendes. Mas mesmo sem Lula, uma  chapa petista que tenha Haddad, com um poderoso recall das eleições de 2018, e um baiano (Jacques Wagner ou Rui Costa) é muito competitiva e pode aspirar ao 2º turno. A força do PT no Nordeste é tão significativa que provavelmente Bolsonaro e Doria vão procurar seus candidatos a vice naquela região, para não deixá-la na mão do PT e de Ciro.

Ciro formou nas eleições de 2020 um novo núcleo de centro-esquerda, PDT/PSB. O desempenho eleitoral foi  bom o suficiente para mantê-lo vivo politicamente, mas incapaz de torná-lo um grande player em 2022. Ciro precisa de mais uma força política de porte para superar a barreira dos cerca de 10% de votos que faz quando concorre à Presidência. Deverá, antes, decidir se este novo parceiro está à direita ou à esquerda, e formatar um discurso objetivo, abandonando a metralhadora giratória verbal que o caracteriza.

A legislação da cláusula de barreira fará com que o PSOL tenha de lançar candidato no 1º turno, aproveitando o crescente prestígio de Guilherme Boulos. Da mesma forma, o PCdoB buscará sua sobrevivência, ainda que Flávio Dino venha afirmando que não queira concorrer à Presidência. Há quem afirme que PCdoB e PSB estariam negociando uma fusão, o que poderia impactar, por tabela, a candidatura de Ciro. De toda sorte, a cláusula de barreira dificulta a reunião das esquerdas, pelo menos no 1º turno.

O DEM foi um dos grandes vencedores das eleições de 2020, fazendo mais de 8 milhões de votos e elegendo mais de 450 prefeitos. Se atrair o PSD (10,6 milhões de votos e 641 prefeitos) formam um poderoso bloco de centro-direita, que não tem, porém, um nome carismático para concorrer à Presidência e disputa o exato mesmo eleitorado de Doria e do PSDB, podendo haver um sombreamento que prejudique a todos. Rodrigo Maia poderia até ser um bom nome para vice, mas joga seu futuro político na eleição da Câmara, Baleia Rossi x Arthur Lira. Se perder, enfraquece sua estrela.

É cedo para ter um panorama mais estável para as eleições de 2022. Há muitas variáveis que podem alterá-lo profundamente. Um derretimento eleitoral de Bolsonaro, com o aprofundamento da crise da vacina e da crise econômica, particularmente com o fim do auxílio emergencial e inclusive com a (remota) possibilidade da tramitação de um impeachment. A capacidade da centro-esquerda de superar suas divergências e apresentar uma chapa mais ampla já no primeiro turno. A possibilidade de os dois grande blocos do centro-direita  conseguirem compor e reeditar a aliança PSDB/PFL que sustentou FHC. O rumo que tomarão as grandes máquinas eleitorais do MDB e PSD. O voto evangélico e o apoio que conceder o Republicanos, um partido que cresceu consistentemente em 2020 (5,1 milhões de votos e mais de 200 prefeituras).

Há muita água para correr ainda embaixo dessa ponte. Mas, sem dúvida, este é o momento de João Doria.

(*) Advogado

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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