Jaqueline Silveira
O Bloco de Luta pelo Transporte Público fez na noite de terça-feira (3) mais um protesto contra o aumento da passagem na Capital e, ao mesmo tempo, o trajeto mais longo desde que iniciou as manifestações em 2013. O ato começou por volta das 18h em frente à empresa pública Carris, localizada na Rua Albion, e terminou às 22h10min, na Avenida João Pessoa, próximo ao Parque da Redenção, depois de percorrer boa parte da Avenida Ipiranga. Desde o dia 22 de fevereiro, a tarifa é R$ 3,25.
Aos poucos, os manifestantes foram se concentrando em frente a Carris com faixas com frases como “A periferia não se cala” e “Contra o Racismo Institucional e pela Demarcação para Quilombolas e Indígenas.” “A gente defende o transporte 100% público”, explicou Oro Mendes, integrante da comissão de comunicação do bloco, sobre o ato ser realizado em frente à empresa.
Além disso, o jovem esclareceu que o grupo decidiu descentralizar as manifestações em “solidariedade à periferia”, referindo, especialmente, aos moradores da Vila Cachorro Sentado, que no último protesto, terça-feira (24), foram reprimidos com violência por parte da Brigada Militar por interromperem parte da Ipiranga. “Sempre fazemos (atos) no Centro para dar uma mudada e dialogar com a periferia”, justificou Mendes, sobre a alteração do local das manifestações.
Apoio dos rodoviários
O Bloco de Luta ganhou o apoio de rodoviários que são oposição à atual direção do sindicato da categoria. Motorista e delegado sindical da Carris, Luis Afonso Martins disse que se uniram ao protesto para “denunciar o sucateamento” da empresa pública e contra a postura da Brigada em relação aos moradores da Cachorro Sentado. “Não podemos concordar com essa violência desproporcional”, argumentou o sindicalista.
Sobre a Carris, ele afirmou que os ônibus estão sucateados e que, por esse motivo, em alguns horários não há coletivo para “sair para rua”, ou, então, os motoristas e cobradores permanecem na garagem porque o carro está com problemas mecânicos. Ele também destacou que a participação no ato serve para a categoria mostrar à sociedade que não é responsável pelo reajuste da tarifa. “Queremos quebrar com aquele paradigma que o rodoviário é o vilã do aumento da passagem”, completou Martins.
Manifestantes cantam no trajeto
Enquanto o ato ocorria, viaturas da Brigada ficaram em ruas dos arredores da Carris. Poucos policiais estavam bem próximos. Já na entrada da empresa, integrantes da Guarda Municipal faziam a segurança – funcionários entravam e saiam normalmente. Os manifestantes ficaram em frente a Carris por mais de duas horas, tempo ocupado com a música do rapper Front LR com críticas à violência da polícia e ao abandono da periferia. Também líderes do bloco e dos rodoviários foram ao microfone do carro de som conclamar o público a lutar contra o aumento da passagem. Além disso, foram entoadas frases como: “Vem, vem , vem pra rua, vem contra o aumento.”
Depois, os cerca de 200 manifestantes, entre eles alguns encapuzados, saíram em caminhada em direção à Avenida Ipiranga, entoando ao longo do trajeto cantos como “A luta não se reprime, protesto não é crime”, “Mais um aumento, essa cidade vai parar”, e “Trabalhador não é otário, esse aumento vai para o bolso do empresário”, acompanhados de pandeiro e bateria. No acesso à Ipiranga, o trânsito fechou no sentido Centro/bairro e o grupo, que tinha algumas crianças também acompanhando, gritou palavras de ordem. Em seguida, os manifestantes passaram para outra via que ficou fechada ao longo do protesto. Em frente à Pontifícia Universidade Católica (PUC), os manifestantes pararam por alguns minutos e chegaram até sentar no chão. “Quem não pula, quer aumento”, gritaram eles, agitando-se.
A polícia acompanhou o protesto à distância, enquanto os agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) iam fechando as ruas à medida que o grupo de aproximava e comunicando os desvios dos ônibus. No entanto, em frente às concessionárias de carros, como ocorreu em outros protestos, o batalhão de choque fez a proteção, bem como no MacDonalds. Ao passarem pelos policiais, os manifestantes gritavam “Espancar trabalhador para ter o que comer, que vergonha, que vergonha deve ser” ou “Como é trabalhar sem horas extras, o Sartori cortou as horas”, numa referências aos cortes de despesas feitos pelo governo José Ivo Sartori.
Solidariedade com a Vila Cachorro Sentado
Em frente à vila Cachorro Sentado ou São Pedro, como também é conhecida, os manifestantes permaneceram por cerca de 30 minutos. Moradores que acompanhavam do outro lado da Ipiranga foram conclamados a se juntar ao protesto, alguns se integraram ao ato. Muitas palavras de solidariedade e de incentivo à comunidade foram entoadas: “São Pedro não se entrega, resiste, resiste! Enquanto permaneceram no local, os dois sentidos da Avenida Ipiranga ficaram fechados.
À medida que o trajeto avançava, o número de manifestantes reduzia pelo cansaço e distância. Na frente, os líderes ditavam o ritmo, quando era para apressar e diminuir o passo. Pediam para todos caminharem próximos. Na passagem pelo ginásio da Brigada Militar, um trio encapuzado chegou a arremessar um pedaço de taquara e foi logo recriminado pelos líderes do bloco, ocorrendo um rápido bate-boca.
Ao final, depois de quase cinco quilômetros de caminhada e antes da dispersão, os líderes conclamaram os demais manifestantes para os próximos atos. “Valeu, galera”, agradeceu um deles, sob aplausos de todos. A próxima reunião do bloco ocorre às 18h30 da próxima quinta-feira (5) para definir as próximas ações.
Licitação do transporte sai em maio
Também na terça-feira (3), a prefeitura anunciou que o terceiro edital de licitação para o transporte público de Porto Alegre será lançado no dia 6 de maio. Nos dois processos licitatórios anteriores não houve empresa interessada e a EPTC foi obrigada a lançar novo edital. O diretor-presidente EPTC, Vanderlei Cappellari, afirmou na terça que essa é a “última tentativa”. Caso não tenha consórcios interessados em operar o transporte da Capital, a Carris deverá assumir o serviço.
“Essa iniciativa deveria ter sido tomada a primeira vez (do lançamento do edital), o que faltou foi coragem”, avaliou o delegado sindical da Carris, Luis Afonso Martins, enfatizando que chegou a sugerir a Cappellari a operacionalização do serviço só pela empresa pública. “A Carris já deveria ter assumido”, acrescentou ele. Questionado se o sucateamento da frota da empresa denunciada por ele próprio não inviabilizaria a Carris assumir o serviço, Martins afirmou que isso só ocorreu, justamente, para “favorecer a iniciativa privada”, referindo-se aos empresários do transporte da Capital.
Confira mais fotos do protesto: