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11 de junho de 2015
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18:36

Maioridade penal: que exemplo seguir?

Por
Sul 21
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Maioridade penal: que exemplo seguir?
Maioridade penal: que exemplo seguir?

Luiza Bulhões Olmedo

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

A redução da maioridade penal, tema discutido há mais de duas décadas no Brasil, voltou a ser foco do legislativo este ano. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que propõe a redução de 18 para 16 anos, tramita atualmente na Câmara dos Deputados. A sessão da comissão especial que analisa a medida se reuniu nesta quarta-feira (10) para ouvir o relator, mas a votação foi adiada para a próxima quarta-feira (17) devido ao pedido coletivo de um exame mais detalhado do processo. Se aprovado, o relatório segue para o plenário da Câmara, e o presidente Eduardo Cunha já afirmou que pretende votar a proposta até o final do mês.

Devido à atual constituição da Câmara de Deputados, a PEC tem boas chances de ser aprovada. Segundo um levantamento realizado pelo portal de notícias G1, em janeiro, 34,6% dos deputados apoiam a mudança, 28,6% defendem a alteração em determinados casos, e 18,3% são contrários a ela – os outros 18,3% não responderam. Na população, o percentual de apoiadores à redução da maioridade penal é ainda maior, chega a 87%, segundo uma sondagem do Instituto Datafolha, de abril. A presidente Dilma Rousseff já declarou ser contra a medida, mas como se trata de uma emenda constitucional, não é passível de veto presidencial, de modo que passará a valer se for aprovada pela Câmara e pelo Senado.

A proposta também foi duramente criticada pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por associações jurídicas e por grupos de direitos humanos. Para eles, o argumento de que a redução da maioridade contribuiria para a redução da violência é uma falácia, uma vez que, de acordo com dados do Ministério da Justiça, os adolescentes entre 16 e 18 anos são responsáveis por menos de 1% dos crimes no país. Na verdade, segundo dados da ONU, esses jovens são mais vítimas do que criminosos, já que os homicídios são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes, enquanto que, para a população em geral, esse tipo de morte representa 4,8% do total.

“Estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no país. Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria”, afirmou em nota Gary Stahl, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em repúdio à PEC 171/93.

Comparações internacionais

Latuff e a Reducao da maioridade penalUm recurso muito utilizado nos debates a respeito da redução da maioridade penal tem sido a comparação internacional. Entretanto, informações falsas, ou no mínimo inexatas, têm sido propagadas pela mídia e pelas redes sociais, corroborando com a ideia de que o Brasil seria um dos únicos países do mundo a estabelecer 18 anos como idade mínima para que infratores respondam criminalmente por seus atos.

Essa informação é fruto de uma confusão entre dois conceitos: a Idade Mínima de Responsabilidade Penal, que no Brasil é de 12 anos, e a Idade de Maioridade Penal, que no Brasil é de 18 anos. Ou seja, 12 anos é a idade a partir da qual uma criança começa a responder pelas suas infrações, em um sistema especial para menores; e 18 anos é a idade em que o adolescente passa a responder por suas infrações na justiça comum, como um adulto.

É verdade que não há, até o momento, nenhum estudo amplo feito no Brasil que compare diferentes países em termos de legislação penal juvenil, mas alguns trabalhos apontam que a legislação brasileira atual está de acordo com o consenso internacional. Um estudo do Ministério Público do Estado do Paraná, de 2011, mostra que de 53 países* analisados, 42 deles  (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. E 25 dos 53 países (47%) adotam 13/14 anos como idade mínima de responsabilidade penal.

Portanto, a maioridade penal brasileira estaria de acordo com a tendência global. Argentina, Alemanha, Espanha, Holanda, Itália, Japão e México são alguns dos exemplos de países que trabalham maioridade penal como o Brasil.

Mesmo que nenhum acordo internacional defina a idade mínima de imputabilidade ou a maioridade penal, existem documentos da ONU sobre o direito da criança (Carta de Pequim, 1985, e a Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989), assinados pelo Brasil, que afirmam que criança é todo o ser humano menor de 18 anos. E crianças devem ter tratamento diferenciado frente à Justiça.

Nova York

Foto da campanha Raise the Age Home, NY | Foto: divulgação
Foto da campanha Raise the Age Home, NY | Foto: Divulgação

Os Estados Unidos não ratificaram essas convenções da ONU, e cada estado do país estabelece a maioridade penal de acordo com leis estaduais e precedentes judiciais. Há estados nos país em que crianças podem ser submetidas à Justiça comum a partir dos 6 anos de idade. Mas hoje se começa a perceber que essa legislação severa sobre os jovens, não trouxe bons resultados.

Estudos americanos recentes têm indicado que os estados que reduziram a maioridade penal não reduziram a violência, e inclusive a agravaram. O estado de Nova York é um desses, que reduziu a maioridade penal há anos, e atualmente está em campanha para sua elevação. Diferente da maioria dos estados, em que os casos de infração de menores de 18 anos são analisados individualmente (os jovens podem ou não responder como adultos), em Nova York, todos os maiores de 16 anos são automaticamente julgados como adultos.

O argumento da campanha de juízes e políticos nova-iorquinos pela elevação da maioridade de 16 para 18 anos (Raise the Age Home/Aumentar a Idade em Casa) é de que o encarceramento de adolescentes com adultos aumenta a violência. Nos EUA, jovens processados como adultos têm 26% mais chances de reincidência (voltar a cometer crimes) do que jovens processados em um sistema especial. Nesse sentido, as medidas mais efetivas (e também mais baratas) no combate à violência são as políticas públicas voltadas para a inclusão social, através dos serviços comunitários e suporte às famílias.

No Uruguai: No a la Baja!

Campanha No a la Baja, no Uruguai | Foto: divulgação
Campanha No a la Baja, no Uruguai | Foto: divulgação

 O Uruguai teve recentemente discussão similar à brasileira, pela redução da maioridade de 18 para 16 anos. Durante a campanha eleitoral do ano passado, a oposição do governo de esquerda convocou um referendo sobre uma reforma constitucional para que maiores de 16 anos fossem julgados como adultos. Assim como no Brasil, a grande maioria da população (75%) era favorável à medida. O aumento da violência, assim como o impacto da midiatização dos casos de assassinatos cometidos por menores, contribuiu para esse apoio.

Frente ao chamado do plebiscito, em 2011, organizou-se a Comissão Nacional “No a la Baja” (não à redução), formada por organizações sociais, sindicais, estudantis, de bairro e políticas. O grupo organizou argumentos de diversas áreas (jurídicos, neurocientíficos, sociológicos, etc.) contra a redução da maioridade penal, e passou a usar diversas estratégias de comunicação para atingir a população. Foram realizadas palestras, shows na rua, marchas e debates de vizinhança.

O objetivo era superar a sensação de medo nem sempre amparada na realidade. Mesmo que a delinquência existisse majoritariamente em Montevidéu, as cidades do interior eram as que mais apoiavam a mudança. Por isso, o No a la Baja realizou um grande giro pelo país para sensibilizar a população. O resultado, depois de um ano e meio de campanha foi a derrota da redução da maioridade penal no plebiscito de 2014, com 53% dos votos contra. Uma grande vitória para o grupo.

Olhar para os exemplos internacionais é um instrumento fundamental para os debates nacionais, mas é necessário que as análises sejam precisas e fundamentadas. Comparações malfeitas ou mal-intencionadas servem à desinformação. Os casos de Nova York e do Uruguai podem ser bons parâmetros para a discussão, que já tramita dentro do Congresso, mas que precisa ir além dele e chegar às ruas.

* Alemanha,  Argentina, Argélia, Áustria,  Bélgica,  Bolívia,   Bulgária,  Canadá,   Colômbia, Chile,  China,  Costa Rica, Croácia, Dinamarca, El Salvador, Escócia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Equador,  Finlândia, França,  Grécia,  Guatemala, Holanda, Honduras, Hungria, Inglaterra,  Países de Gales,  Irlanda, Itália, Japão, Lituânia, México, Nicarágua, Noruega, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, República Dominicana, República Checa, Romênia, Rússia,  Suécia, Suíça, Turquia, Uruguai, Venezuela.


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