Débora Fogliatto*
Já estão à venda desde a última quarta-feira (15) os ingressos para alguns dos espetáculos que compõem a 25ª edição do Porto Alegre em Cena. O festival acontece entre os dias 11 e 23 de setembro e traz aos palcos da capital gaúcha 49 espetáculos de dança, teatro e música. Tendo como eixo central “Brasil”, o Em Cena deste ano conta com obras com as temáticas de raça, classe, migrações e críticas sociais em geral.
O espetáculo de abertura do evento já demonstra o tom do festival: Pan Bras’Afree’Ke Vol.1, do grupo Höröyá (SP) tem como conceito o movimento Pan Africano, contando com músicos vindos do Mali, Guiné, Senegal e Burkina Fasso, além de brasileiros. Focado em músicas de matrizes negras, a banda tem como proposta misturar estilos que vão do afrobeat ao samba, passando pelo jazz e funk afro-americano. A apresentação única acontece no dia 11 de setembro no Theatro São Pedro, com ingressos entre R$ 10 e R$ 20.
O Em Cena acontece em onze espaços em diversos bairros da capital: Agulha, no São Geraldo, onde serão realizados os shows musicais; Casa de Cultura Mario Quintana, Theatro São Pedro e Teatro do SESC, no Centro Histórico; Centro Municipal de Cultura (onde ficam o Teatro Renascença e a Sala Erico Verissimo), no Menino Deus; Studio Stravaganza, no Santana; Galeria La Photo, na Cidade Baixa; Goethe Institut e Teatro CHC Santa Casa, no Independência; Instituto Ling, no Três Figueiras; e Teatro do SESI, no Sarandi.
Dentre os destaques internacionais deste ano do festival está o espetáculo alemão Home Visit: Brasil em Casa, do coletivo Rimini Protokoll, que literalmente tem como palco dez casas de moradores da cidade, inscritas e selecionadas previamente através do site do POA Em Cena. Para a peça realizada aqui, o grupo desenvolveu uma dramaturgia centrada em questões brasileiras, propondo reflexões acerca da identidade cultural, valores e fronteiras. Outro grupo europeu que marca presença no evento é a companhia francesa The Wild Donkeys, que apresenta o espetáculo A Bergman Affair, livremente inspirado no romance Private Conversations, de Ingmar Bergman, que aborda os corrosivos jogos amorosos adultos, num fluxo descontrolado de palavras e imagens que põem à prova a razão e fazem com que os sentidos sejam livremente aflorados.
Uma das principais peças brasileiras que compõem o festival é Grande Sertão: Veredas – Espetáculo-instalação de Bia Lessa (RJ), inspirado na obra homônima de João Guimarães Rosa. A montagem apresenta diversas inovações de linguagem, buscando representar o sertão não apenas como um território físico, mas como “um estado de espírito, um lugar que existe dentro de cada um”, conforme define a realizadora. O espetáculo conta com atores conhecidos como Caio Blat, Luisa Arraes e Luiza Lemmertz.
Pelo menos três montagens têm como cerne a questão racial no Brasil: PRETO (PR), que parte da fala pública de uma mulher negra, como uma espécie de conferência sobre questões que incluem racismo, realidade do negro no Brasil; A mulher arrastada, elaborada a partir do caso de Claudia Silva Ferreira, traz uma reflexão acerca das barbáries a que a população periférica do país é submetida diariamente, e questiona o papel da mídia e da sociedade; Qual a diferença entre o charme e o funk? é um espetáculo que provoca um resgate às identidades negras ao recontar de variadas formas suas experiências, através de cenas autônomas e sensoriais.
Ao mesmo tempo, o festival traz também espetáculos com outras temática sociais, como a relação entre classes. É o caso de Breguetu (PE), que propõe uma reflexão acerca das relações entre classes sociais, estilos de vida e sobre a estética da periferia; Nossos Mortos (CE), que traça um paralelo entre a Antígona – tragédia de Sófocles – e as inúmeras histórias reais dos massacres a movimentos populares, especialmente o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em Crato, no Ceará; e 40 mil kms (Chile), uma montagem instigante sobre a experiência migratória no Chile, sob diferentes olhares.
Ainda em tom de crítica social, A Tragédia e Comédia Latino-Americana (SP), aborda questões como educação, violência, consumo desenfreado, protestos, binarismo político e ideológico, não valorização da cultura e falta de consciência histórica. Já Espalhem minhas cinzas na EuroDisney convida os espectadores a um passeio futurista distópico e atemporal, apresentando ataques ao capitalismo e seus subprodutos, como alienação, consumismo, manipulação midiática e artificialidade; enquanto Dilúvio MA é uma perfomance em locais públicos, com entrada franca, em que os artistas buscam estabelecer uma relação de contrafluxo ao ritmo urbano, voltando o olhar para espaços da cidade carentes de cuidado e atenção, atuando sobre o vazio que distancia o indivíduo e o ambiente em que ele habita.
Além de Dilúvio MA, Pontilhados (PE) também tem entrada franca, com saída da Igreja das Dores, apresentando-se como uma “intervenção humana em um ambiente urbano”, a partir da ideia de explorar as cidades brasileiras onde localizam-se pontos turísticos, pessoas, monumentos e histórias. Outro espetáculo gratuito é Teatro dos Seres Imaginários, que consiste em uma manipulação de bonecos dentro de uma caixa de tecido suspensa, em que o espectador fica com o rosto praticamente colado à cena, acompanhando de perto a encenação.
A dança estará presente no Em Cena com quatro espetáculos: Caverna, da Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre, é uma metáfora da vida atual, em que o ser humano busca refúgios para escapar de tudo que o enfraquece e adoece física, emocional e socialmente; Zambo (PE) apresenta uma leitura coreográfica para as analogias do homem-caranguejo, com movimentos específicos, naturais e orgânicos, em comunhão com a história do Recife; Hiato, solo de dança contemporânea de Paula Finn, é centrado na figura de um corpo-tronco, cujo foco principal de movimento está nos braços e na coluna da performer, remetendo a raízes, folhas; e Vincent – Obra contemporânea em dança performativa tem como ponto de partida a obra do pintor holandês Van Gogh.
Atividades paralelas
Além dos espetáculos, o Em Cena traz também atividades formativas, com oficinas, workshops, residências artísticas e debates. Nesse âmbito, um dos workshops é de dança senegalesa, promovido pelo dançarino oriundo do país africano Ibrahim Sarr, do grupo Höröyá. Já a residência artística Night of the living dead redux será ministrada pela performer Morven Macbeth e o técnico Marco Turcich, integrantes do grupo britânico Imitating the dog. Algumas atividades de formação, porém, exigiam inscrição prévia.
Dentre os eventos do “Reflexões em Cena”, compostos por debates acerca de temas relacionados à cultura, a conexão com o continente africano volta a aparecer no Diálogo Imigrações I: a formação de uma nova nação (África), com a participação de integrantes do Grupo Höröyá, enquanto o Diálogo Imigrações II: a formação de uma nação (América Latina) será protagonizado pelos artistas chilenos da peça 40mil km. Ambos os eventos contarão também com convidados do CIBAI Migrações e da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Outra convidada internacional é a Croata Iva Horvat, da Art Republic, de Barcelona, que falará do assunto Internacionalização das Artes Cênicas.
Prêmio Braskem em Cena
Esta é a 13ª edição do Prêmio Braskem em Cena, que acontece de forma integrada ao festival, aclamando artistas locais, e se tornou um dos principais prêmios culturais de Porto Alegre. Os dez espetáculos escolhidos são apresentados durante o Em Cena e, dentre eles, são eleitos o melhor espetáculo (júri oficial), melhor diretor ou coreógrafo, melhor ator ou bailarino, melhor atriz ou bailarina, melhor espetáculo (júri popular) e uma peça destaque.
Os espetáculos escolhidos para o Prêmio Braskem deste ano são: A Mulher Arrastada, Chapeuzinho Vermelho, Dilúvio MA, Espalhem Minhas Cinzas na EuroDisney, Hiato, Imobilhados, Pequeno Trabalho para Velhos Palhaços, Qual a diferença entre o charme e o funk?, Teatro dos Seres Imaginários e Vincent – Obra Contemporânea em Dança Performativa.
*Com informações do POA Em Cena