50 anos do Golpe Civil-Militar
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31 de março de 2014
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10:54

Militares dão o golpe sem enfrentar qualquer resistência

Por
Sul 21
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Jango radicalizou o discurso quando falou aos militares no Automóvel Clube do Rio de Janeiro | Foto: www.pontodevista.jor.br
Jango radicalizou o discurso quando falou aos militares no Automóvel Clube do Rio de Janeiro | Foto: www.pontodevista.jor.br

Nubia Silveira

O Brasil vivia em março de 1964 o clima de grandes comícios, de discursos radicais e de manifestações pelas ruas, principalmente, de São Paulo e Rio de Janeiro contra o governo de João Goulart, o Jango. Os militares preparavam o golpe e os políticos se perguntavam quando ele seria desfechado. Depois do comício da Central do Brasil, no dia 13 de março, em que foram anunciadas as reformas de base, Jango pronunciou um discurso radical, no dia 30, para os sargentos da Polícia Militar, reunidos no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. Nos últimos momentos de seu governo, ele prometia reagir ao golpe e dizia contar com o apoio popular, mas nem civis nem militares legalistas estavam organizados para resistir.

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Professor de História e do Programa de Pós-Gradução (PPG) – História da Ufrgs, Enrique Serra Padrós lembra que naquele momento o presidente apostava na sindicalização dos militares de baixa patente. Marinheiros, cabos e sargentos questionavam não a disciplina ou a  hierarquia, mas a falta de diálogo dentro das Forças Armadas.  Nesse momento, um encontro de Jango com os sargentos é visto pelos chefes militares como uma quebra de hierarquia.

Marinheiros se reuniram no sindicato dos metalúrgicos para comemorar dois anos da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, considerada ilegal | Foto: Reprodução
Marinheiros se reuniram no sindicato dos metalúrgicos para comemorar dois anos da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, considerada ilegal | Foto: Reprodução

Cinco dias antes, em 25 de março, outro episódio colocou o comando da Marinha contra o presidente, por entender que ele havia interferido na hierarquia militar. O ministro da Marinha, Sílvio Mota, havia decidido pela prisão dos marinheiros que comemoravam no Sindicato dos Metalúrgicos o segundo ano de criação da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, considerada ilegal. De acordo com pesquisa do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, dois mil marinheiros se reuniram sob a liderança de José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo. Da comemoração participaram, também, representantes do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), o deputado federal Leonel Brizola e o marinheiro João Cândido, líder da Revolta dos Marinheiros, em 1910, a Revolta da Chibata.

Os fuzileiros navais enviados para realizar as prisões aderiram aos marinheiros, permanecendo no Sindicato dos Metalúrgicos. No dia seguinte, o ministro do Trabalho, Amauri Silva, conseguiu um acordo, pelo qual os marinheiros deixaram o sindicato. Na saída, foram presos. Horas depois, Goulart anistiou os revoltosos, tendo sido duramente criticado pelos oficiais.

Anistia aos marinheiros

No encontro com os sargentos, o presidente apontou, como culpada pela crise que o pais vivia, a “minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado  e teme enfrentar o luminoso que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância”. Jango confiava na suboficialidade e nas classes baixas. Esperava que elas reagissem a mais uma tentativa de golpe, como ocorrera em 1961, no episódio da Legalidade. Suas expectativas foram abortadas pelo conchavo entre militares e civis. O golpe, inicialmente, contou com o apoio da Igreja Católica, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Jango confiava na suboficialidade e nas classes baixas. Esperava que elas reagissem a mais uma tentativa de golpe, como ocorrera em 1961, no episódio da Legalidade | Foto: www.aleporto.com.br
Jango confiava na suboficialidade e nas classes baixas. Esperava que elas reagissem a mais uma tentativa de golpe, como ocorrera em 1961, no episódio da Legalidade | Foto: www.aleporto.com.br

O momento vivido pelos brasileiros, há 50 anos, era de instabilidade política, fomentada, em especial, pela embaixada dos Estados Unidos no Brasil e pelos empresários que patrocinavam os institutos Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). Eles criaram, por meio de publicações, programas de rádio e TV e filmes, a imagem de um presidente fraco sob o parlamentarismo, e de um presidente comunista sob o presidencialismo, depois do plebiscito de 6 de janeiro de 1963. Segundo o historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “nunca houve uma campanha de desestabilização tão forte quanto a que atingiu João Goulart”.

Carlos Fico, historiador: “nunca houve uma campanha de desestabilização tão forte quanto a que atingiu João Goulart” | Foto:  www.dhi.uem.br
Carlos Fico, historiador: “nunca houve uma campanha de desestabilização tão forte quanto a que atingiu João Goulart” | Foto: www.dhi.uem.br

O chefe do Estado Maior do Exército, general Humberto de Alencar Castelo Branco, que conspirava contra o presidente desde outubro de 1963 e viria a ser o primeiro presidente da ditadura, expediu no dia 20 de março um memorando aos seus subordinados em que denunciava que Goulart poderia fechar o Congresso e implantar um regime de esquerda radical. Oito dias depois, o ex-ministro da Guerra, Marechal Odílio Denis, um dos líderes golpistas, se encontrou com o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, no aeroporto de Juiz de Fora. Nesta reunião, decidiram desencadear as ações para depor o presidente.  Jango, com o discurso no Automóvel Clube, dera mais um motivo aos seus adversários. Foi a deixa para que detonassem o golpe.

No discurso aos sargentos, Jango criticou a atuação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática: “O IBAD, os interesses econômicos, os grandes grupos nacionais e internacionais não têm competência para julgar os atos do Presidente da República. Existem poderes constituídos como a Suprema Corte de Justiça do nosso país, como outros poderes constitucionais que podem aquilatar e julgar os atos do Presidente da República”.  Jango lembrou aos sargentos: “outra crítica que constantemente se levantava contra o Presidente da República, diariamente transcrita e bem paga na imprensa brasileira, era a de que o Presidente não revelava quais as reformas que desejava o povo brasileiro. Este argumento agora não prevalece mais, porque o Presidente da República acaba de enviar mensagem ao Congresso Nacional propondo claramente, com todas as letras, como o povo brasileiro deseja as reformas. Reformas que não podem mais ser adiadas, reformas que não podem mais ser transferidas, porque essas reformas constituem, acima de tudo, reivindicações legítimas e sentidas do povo brasileiro e são indispensáveis ao desenvolvimento do nosso país”.

Castelo Branco (D) expediu memorando acusando Jango de preparar um golpe | Foto: Reprodução
Castelo Branco (D) expediu memorando acusando Jango de preparar um golpe | Foto: Reprodução

Goulart, no entanto, não tinha maioria no Congresso para aprovar as reformas pretendidas. Optou por pressionar o Congresso Nacional com o apoio popular. Para isso, realizaria comícios por todo o Brasil. Só conseguiu fazer o da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que foi visto como provocação pelos militares, também porque próximo à Central ficava o Ministério da Guerra.

O comício e o discurso no Automóvel Clube acirraram as posições dos conservadores, opositores de Jango. Não lhes agradou, principalmente, a seguinte parte do discurso: “Com fé em Deus e confiança no povo, quero afirmar, claramente, nesta noite, na hora que, em nome da disciplina, se estão praticando as maiores indisciplinas, que não admitirei que a desordem seja promovida em nome da ordem; não admitirei que o conflito entre irmãos seja pregado e que, em nome de um antirreformismo impatriótico, se chegue a conclamar as forças da reação para se armarem contra o povo e contra os trabalhadores; não permitirei que a religião de meus pais, a minha religião e a dos meus filhos, seja usada como instrumento político de ocasião, por aqueles que ignoram o seu sentido verdadeiro e pisoteiam o segundo mandamento de Deus”.

Jango: “O meu mandato, conferido pelo povo e reafirmado pelo povo numa segunda vez, será exercido em toda sua plenitude, em nome do povo e na defesa dos interesses populares" l Foto: Google Images
Jango: “O meu mandato, conferido pelo povo e reafirmado pelo povo numa segunda vez, será exercido em toda sua plenitude, em nome do povo e na defesa dos interesses populares” l Foto: Google Images

“O meu mandato, conferido pelo povo e reafirmado pelo povo numa segunda vez, será exercido em toda sua plenitude, em nome do povo e na defesa dos interesses populares. Enganam-se redondamente aqueles que imaginam que as forças da reação serão capazes de destruir o mandato que é do povo brasileiro”.

No dia 31 de março, em editorial na primeira página, o Jornal do Brasil criticava o encontro do presidente com os sargentos.  O texto iniciava afirmando que “o presidente da República sente-se bem na ilegalidade. Está nela e ontem nos disse que vai continuar nela, em atitude de desafio à ordem constitucional, aos regulamentos militares e ao Código Penal Militar. Ele se considera acima da lei. Mas não está”. No final, o JB deixava clara a sua posição favorável ao golpe: “A disciplina facciosa não vingará no Brasil, que já protesta em Minas Gerais unido contra ela. Não vingará nem mesmo sob o manto protetor de um reformismo demagógico e insincero”.

Enrique Padrós: as mobilizações que deveriam ser vistas como sinais de democracia, eram interpretadas pelos conservadores como prova de que o governo preparava um golpe de esquerda | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Enrique Padrós: as mobilizações que deveriam ser vistas como sinais de democracia, eram interpretadas pelos conservadores como prova de que o governo preparava um golpe de esquerda | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O professor Padrós ressalta que, naquele momento, as mobilizações de rua, promovidas para pressionar o Congresso em favor das reformas propostas por Jango, que deveriam ser vistas como sinais de democracia, eram interpretadas pelos conservadores como prova de que o governo preparava um golpe de esquerda.  Os setores conservadores vão para as ruas, agravando a sensação de ingovernabilidade.

No mesmo dia 30, o do discurso para os sargentos, começou a movimentação nos quartéis, principalmente nos estados mais articulados: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, e o Departamento de Estado norte-americano avaliaram que esta era a melhor oportunidade para derrubar o presidente.  Jango foi deposto, sem qualquer reação popular, e no dia 2 de abril chegava exilado ao Uruguai, uma das datas para as quais era aguardado o golpe, segundo Padrós. A Confederação Geral do Trabalho (CGT), por exemplo, esperava a queda do presidente para os dias 2 ou 3 de abril.

General Mourão e suas tropas vão ao RJ para derrubar Jango

Em uma gravação sobre o golpe de 1964, divulgada na Internet, Fico afirma que, como os militares esperavam por uma forte resistência de Jango, Castelo Branco chegou a telefonar para o general Olímpio Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, a fim de dissuadi-lo de suas intenções. Mas, não conseguiu.  Mourão Filho antecipou o horário definido para golpe, saindo de Juiz de Fora, em Minas Gerais, em direção ao Rio de Janeiro, na madrugada do dia 31 de março, para depor Goulart, que se encontrava no Palácio Laranjeiras.  Ele comandava as tropas do 12º e 11º Regimentos. O golpe logo conseguiu a adesão do comandante do II Exército em São Paulo, general Amauri Kruel, que até ali se mostrava indeciso. Kruel enviou os seus tanques ao Rio de Janeiro. O Jornal do Brasil do dia 1º de abril anunciava em manchete: “S. Paulo adere a Minas e anuncia marcha ao Rio contra Goulart”. O texto informava que o governador Magalhães Pinto usara a Cadeia da Liberdade, formada por estações de rádio de Minas e São Paulo, para afirmar que o presidente da República “escolheu o caminho da subversão para realizar as suas reformas”. A notícia informava, também, que “o senador Auro de Moura Andrade respondeu negativamente ao convite do Sr. Magalhães Pinto para a instalação do Congresso em Belo Horizonte”.

A Última Hora, único dos grandes jornais favoráveis a Jango, na sua edição vespertina de 31 de março, editada no Rio de Janeiro, trazia manchete favorável ao presidente: “Jango: Não queremos o Congresso fechado”.  No dia seguinte, também a edição vespertina anunciava que o jornal havia sido impedido de circular em São Paulo, que a Central Geral dos Trabalhadores decretara greve geral no país,  trazia a afirmação de Jango de que o golpe estaria condenado e a manchete: “Tropas do Governo na divisa com Minas”, repassando aos seus leitores a ideia de que o presidente se manteria no poder, derrotando os golpistas. No dia 2 de abril o tom era outro: “Jango no Rio Grande e Mazzilli empossado”. Informava ainda que o jornal havia sido depredado e incendiado. Já o Jornal do Brasil, nesse dia, trazia a manchete: “Goulart resiste no Sul e o Congresso empossa Mazzilli”, deixando claro que o presidente ainda estava em solo brasileiro quando o Congresso declarou vaga a presidência.

Última Hora - 1º de abril de 1964O professor Padrós lembra que quem colocou as tropas na rua foi Mourão, mas ressalta que ele “não seria capaz de fazer isso sozinho”. Padrós acredita que o general tenha se antecipado a fim de ganhar alguma vantagem estratégica para Minas Gerais. Mas, isso não se sabe ao certo, pois os militares em seus relatos fazem questão de mostrar que a tropa estava unida.

Goulart soube da movimentação de Mourão pelo ministro da Justiça, Abelardo Jurema. Decidiu seguir para Brasília, onde esperava conseguir apoio, e nomear o general Ladário Pereira Teles, fiel ao governo, para o comando do III Exército, em substituição ao general Benjamin Galhardo. Em seu lugar, na 1ª Região Militar assumiu o general Almeida de Morais, que determinou, sem que se efetivasse, a prisão de Castelo Branco. As tropas do I Exército, enviadas para barrar os sublevados, aderiram ao movimento golpista.

Em Brasília, segundo o historiador Carlos Fico, o presidente foi informado pelo então deputado federal e ex-ministro da Fazenda San Tiago Dantas de que os Estados Unidos apoiavam os golpistas. Dantas soubera da Operação Brother Sam por Afonso Arinos de Mello Franco, um dos “ministros” nomeados pelo governador mineiro Magalhães Pinto. A missão de Arinos era obter o reconhecimento do golpe de estado no exterior. Jango percebeu que, em Brasília, não teria o apoio esperado. Seguiu para Porto Alegre, na noite do dia 31.

A caça aos legalistas começou em Minas Gerais na mesma data em que os quartéis entraram em prontidão. Eram realizadas prisões em todo o país. Para fugir delas, só se escondendo ou buscando uma embaixada para se exilar. Tânia Marins Roque, que militou no PCB, atuou no Plano Nacional de Alfabetização (PNA), do educador Paulo Freire e foi presa em 1969, lembra do dia do golpe no depoimento A luta continua, que consta do livro 68 a geração que queria mudar o mundo – relatos, editado pela Comissão Nacional da Anistia, do Ministério da Justiça.  Tânia conta que quando aconteceu o golpe estava em Nilópolis, trabalhando como supervisora do PNA. “Chegou a notícia de que os tanques já estavam na Avenida Brasil. Deveríamos recolher todo o material para que a repressão não tivesse o seu trabalho facilitado na identificação das pessoas que participavam daquele programa”, recorda. “O transporte já estava deficiente e tivemos de pegar o primeiro ônibus para abandonar aquele local. Não pudemos voltar para casa, pois começou uma verdadeira caça aos comunistas. Casas e locais de trabalho vigiados, invadidos e depredados, como nossa casa e o consultório dentário do meu pai”.

Tânia testemunha: “Houve tentativas de resistência, fomos para a rua tentar fazer alguma coisa, mas não havia organização alguma para resistir. Fomos vencidos. As prisões ficaram cheias e um clima de abatimento se instalou na esquerda. Era a ditadura”.

“Houve tentativas de resistência, fomos para a rua tentar fazer alguma coisa, mas não havia organização alguma para resistir. Fomos vencidos"
“Houve tentativas de resistência, fomos para a rua tentar fazer alguma coisa, mas não havia organização alguma para resistir. Fomos vencidos”

O golpe no Rio Grande do Sul

O governador Ildo Meneghetti, representante das forças conservadoras no estado gaúcho, já vinha conspirando abertamente contra Jango. Ele contava com o apoio da Brigada Militar que, em 1961, sob a liderança do ex-governador Leonel Brizola, resistira à tentativa de golpe. Mas já não podia contar com o III Exército.  Ladário Teles, que assumiu o comando na madrugada do dia 1º de abril, publicou uma ordem do dia, defendendo o mandato de Goulart, a legalidade constitucional, o regime democrático e as reformas de base. Meneghetti, então, transferiu o governo para Passo Fundo – instalou-se no 3º Batalhão de Caçadores da Brigada Militar, onde ficou até o dia 3 de abril -, requisitou emissoras de rádio e TV do estado e colocou de prontidão a Brigada Militar e a Polícia Civil. O apoio ao governador gaúcho veio de quatro cidades: Santa Maria, onde o general Poppe Figueiredo comandava a 3ª Divisão de Infantaria; Cruz Alta, para onde se dirigiu o general Adalberto Pereira dos Santos, que fora exonerado da 6ª Divisão de Infantaria, em Porto Alegre;  Bagé, sede da 3ª Divisão de Cavalaria, comandada pelo general Hugo Garrastazu, e Uruguaiana,  sede da 2ª Divisão de Cavalaria, sob o comando do general Joaquim Camarinha.

Meneghetti transferiu o governo para Passo Fundo | Foto: Museu de Porto Alegre
Meneghetti transferiu o governo para Passo Fundo | Foto: Museu de Porto Alegre

Na capital, o povo que se preparava para tomar a Praça da Matriz foi convidado pelo prefeito Sereno Chaise, do PTB, que prometia resistir, a se concentrar em frente à prefeitura. Sereno foi preso pelo Dops, na madrugada do dia 3 de abril.

Ladário Teles continuava tentando resistir. No dia 1º encontrou-se com o ex-governador Leonel Brizola, que propôs a reedição da Cadeia da Legalidade. Na madrugada do dia 1° para o dia 2 de abril, o presidente Jango chegou a Porto Alegre. Na residência do comandante do III Exército recebeu o apoio de militares legalistas e se encontrou com o cunhado e então deputado Leonel Brizola. O coronel do Exército Pedro Alvarez era um dos presentes ao encontro.

No seu livro Memórias de um militar nacionalista, o Capitão do Povo, Alvarez reafirma o que Ladário revelou ao historiador Hélio Silva. “Ele falou que estava em condições de reagir e o Jango simplesmente botou a mão na cabeça, disse que não queria derramamento de sangue e voltou para o quarto”, onde estava reunido com alguns assessores, entre eles o ministro chefe da Casa Militar, general Argemiro de Assis Brasil.

Brizola, que abraçara Jango em 1961, não aceitou a decisão do ex-presidente, em 1964 l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
Brizola, que abraçara Jango em 1961, não aceitou a decisão do ex-presidente, em 1964 l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Segundo relato de Alvarez, 20 minutos após o diálogo com o general Ladário, Jango voltou a sair do quarto, afirmando: “Eu agradeço muito a cooperação de vocês, mas quero evitar derramamento de sangue”. Ao ouvir isso, afirma Alvarez, Brizola, irritado, praguejou contra o cunhado: “Vai rengo ‘f.d.p.’, traidor. Tu nunca mais vai voltar para este país!”. Jango seguiu para São Borja e dali para o exílio, de onde só voltou morto, em 1976.

O professor Diorge Konrad, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), lembra que  houve um início de resistência não só em Porto Alegre, onde o povo se preparava para tomar a Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, como fizera em 1961, mas também em Santa Maria, onde os trabalhadores da Rede Ferroviária Federal  se mobilizaram até a ida de Jango para o exílio. Konrad acredita que o PTB e o PCB (apesar de ilegal, não se encontrava na clandestinidade) tinham condições de resistir, mas não estavam suficientemente organizados. O professor ressalta que não se pode culpar a vítima (Jango) pela estratégia errada.

“O povo estava apático”

Sereno Chaise, prefeito de Porto Alegre, em 1964, eleito pelo PTB, relembra como soube do golpe: “Ocorre que 31 de março é o dia do meu aniversário. E o pessoal tinha programado um churrasco no antigo Grêmio Náutico União. Estavam lá quase 500 pessoas, quando, por volta das 22h30, chegou a notícia do deslocamento das tropas do general Mourão Filho, o ‘vaca fardada’, como ele mesmo se autointitulou”.

Sereno não titubeou. Cancelou a festa e foi, com assessores e simpatizantes, para a prefeitura. “Por isso, às 23h  do dia 31, a prefeitura estava aberta e toda iluminada”. Pernoitaram por lá, se informando sobre o golpe que se preparava contra Jango. No dia 1º de abril, com o general Ladário Telles já no comando do III Exército, Sereno começou a fazer “uma ponte aérea” entre a prefeitura e o Quartel General. Numa das voltas para a prefeitura, ainda na escadaria do prédio, foi avisado de que o general Ladário pedia que retornasse imediatamente ao Exército. Havia um grave problema a ser solucionado, e o general necessitava da ajuda do prefeito.

O comandante do III Exército informou a Sereno que o Serviço Secreto do Exército detectara uma movimentação popular, saindo da frente da prefeitura em direção à Praça da Matriz para invadir o Palácio Piratini. “O general me disse – conta o ex-prefeito: ‘Se isso acontecer vou ter que defender o Palácio Piratini. Ir contra o povo que está a nosso favor. Isso será a pior coisa para nós”. E me perguntou: ‘o senhor pode resolver isso?’”. A resposta foi rápida: “Deixa comigo”.

Sereno voltou para a prefeitura e encontrou o povo já chegando à Praça da Matriz. Tratou de convencer as pessoas a retornar para a prefeitura. Acabou discutindo com o coronel reformado do Exército Peri Cunha, que comandava a massa. No final, a maioria seguiu Sereno.

Sereno Chaise: “O custo de vida aumentava dia a dia e o povo estava apático” | Foto: Assembleia Legislativa RS
Sereno Chaise: “O custo de vida aumentava dia a dia e o povo estava apático” | Foto: Assembleia Legislativa RS

“O Partido Comunista me atacou muito por isso”, afirma Sereno. “Diziam que a história teria sido outra se o povo tivesse tomado o Palácio”. Ele reforçou a certeza de ter agido corretamente ao ouvir Ney Messias que, na época, era subchefe da Casa Civil e estava no comando do Palácio, uma vez que o governador Ildo Meneghetti e sua equipe tinham se mudado para Passo Fundo. Messias disse que o Regime Bento Gonçalves, que protege o Palácio, recebera ordem para atirar, primeiro na rua, e se houvesse resistência, diretamente contra o povo.

Por que não houve resistência ao golpe? Sereno explica que os brasileiros estavam “um pouco esmorecidos”, por causa da inflação, que era de 70% ao mês. “O custo de vida aumentava dia a dia e o povo estava apático”. E o que houve com os militares que apoiavam Goulart? Primeiro, Sereno ressalta: “Jango tinha um coração maior do que o peito”. Depois, lembra que o general Humberto de Alencar Castelo Branco pregava o golpe, abertamente. Seria afastado do Estado Maior do Exército. Jango só não tomou essa decisão, a pedido do general Armando de Moraes Ancora, seu amigo.  Ancora, um legalista, que comandava o I Exército à época do golpe, solicitou ao presidente que não afastasse Castelo Branco porque ele estaria muito doente e morreria de desgosto. Jango atendeu ao pedido, e Castelo o substituiu na presidência, por meio do golpe militar.


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