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9 de agosto de 2012
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17:30

PEC avança e diploma de Jornalismo pode voltar a ser obrigatório no país

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Sul 21
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Na época da decisão, sindicatos se mobilizaram em frente ao STF | foto: Renato Araújo

Samir Oliveira

A proposta de emenda à Constituição (PEC) que impõe a exigência de formação superior em Jornalismo para o exercício da profissão no Brasil está mais próxima de se tornar realidade. Nesta terça-feira (7), o Senado aprovou a medida por 60 votos favoráveis e 4 contrários. Agora a proposta tramita na Câmara dos Deputados e a expectativa de dirigentes sindicais é que ela possa ser posta em votação até o final do ano.

A PEC 33/09 foi uma reação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em junho de 2009 sepultou por oito votos contra um a exigência de formação específica em Jornalismo para o exercício da profissão. Até junho de 2011, foram concedidos 11.877 registros profissionais, dos quais 4.764 foram para não diplomados.

Apesar de faculdades de Jornalismo existirem no Brasil desde o final da década de 1940 – a primeira foi a Faculdade Cásper Líbero de Comunicação social, fundada em 1947, em São Paulo -, a obrigatoriedade do diploma só foi estabelecida em 1969, pelo decreto-lei 972. O texto foi assinado pela junta militar que comandava o país em plena ditadura e não passou por votação no Congresso Nacional, que estava fechado em função do AI-5.

Processo judicial começou em 2001 com apoio do sindicato patronal de São Paulo

Diário Popular, de Pelotas, publicou um manifesto contra decisão do STF | Foto: Reprodução

O assunto foi parar nos tribunais em 2001, quando o procurador da República André de Carvalho Ramos ingressou com uma ação civil pública na 16ª Vara Federal de São Paulo. Posteriormente, o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo se associou ao processo.

Na época, a juíza Carla Abrantkoski Rister concedeu tutela antecipada contra a obrigatoriedade do diploma e, em 2003, proferiu uma sentença com a mesma decisão ao analisar o mérito da questão.O caso foi revertido no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mediante recurso da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da União. A Corte entendeu que a obrigatoriedade do diploma para o exercício do Jornalismo não é inconstitucional e citou o trecho da Constituição que diz que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Depois disso, a Procuradoria-Geral da Republica entrou com uma medida cautelar no STF para impedir a anulação de registros profissionais sem formação superior em Jornalismo. A liminar foi concedida e, ao final, em junho de 2009, o Supremo julgou o mérito do processo.

Protestos de um lado, aplausos do outro

Foto: Carlos Humberto / SCO/ STF
Gilmar Mendes era presidente do Supremo em 2009 e irritou parte da categoria com seu voto | Foto: Carlos Humberto / SCO/ STF

A decisão do Supremo Tribunal Federal provocou reações em todas as esferas da categoria jornalística no país. O voto do ministro Gilmar Mendes, que à época era o presidente do STF, provocou a ira dos profissionais ao compará-los com chefes de cozinha.

“Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”, observou o ministro.

Dezenas de protestos pipocaram pelo país e a indignação era perceptível dentre os estudantes de Jornalismo. Em Porto Alegre, alunos da PUCRS chegaram a fechar a avenida Ipiranga numa manifestação poucos dias após a decisão do Supremo.

Por outro lado, o fim da obrigatoriedade do diploma foi saudado com bastante entusiasmo pela mídia tradicional e aplaudido pelos dirigentes dos jornais Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo. As entidades patronais, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) também desfiaram elogios à decisão do Supremo, ancoradas no apoio externado pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) – cujo mantra é “lei melhor é lei nenhuma”.

Um dos poucos jornais brasileiros a se posicionar abertamente contra a sentença do STF foi o Diário Popular, de Pelotas, que no dia 18 de junho concedeu exclusividade ao tema na capa, publicando um manifesto assinado por toda a redação.

Oposição interna reconhece mobilização da Fenaj, mas critica condução do debate

Bia Barbosa diz que Fenaj tratou diploma como se fosse "a salvação da lavoura" | Foto: Guilherme Corbo/Divulgação/FCL

A obrigatoriedade do diploma está longe de ser um consenso entre os jornalistas brasileiros e até hoje costuma provocar acirrados debates nas redações. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) sempre se manteve na defesa da formação superior e foi a principal articuladora da PEC que pode fazer ressurgir a exigência, mas enfrenta críticas da categoria pela forma como conduziu o debate.

A jornalista de São Paulo Bia Barbosa, integrante do movimento de oposição à atual diretoria da entidade, elogia a mobilização pelo retorno da obrigatoriedade do diploma, mas critica o status atribuído ao tema. “O equívoco da Fenaj foi tratar esse tema como se fosse a salvação da lavoura, como se fosse garantir o respeito à jornada de trabalho e ao piso da categoria. A precarização das condições de trabalho vai muito além do diploma”, opina.

Ela considera que a discussão não tocou em outros assuntos, como a qualidade dos cursos de Jornalismo. “Temos universidades que são verdadeiras fábricas de diploma e só querem alunos para jogá-los no mercado. A preocupação com a formação precisa vir em conjunto, não adianta apenas garantir o diploma”, entende.

Celso Schröder assegura que Fenaj tem ações em outros problemas da categoria | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Para o presidente da Fenaj, Celso Schröder, os demais problemas da profissão não deixaram de ser pautados por conta da discussão sobre a obrigatoriedade do diploma. “Quem diz isso não acompanha a luta dos jornalistas brasileiros. Temos ações em todos os lados e não é de agora”, assegura.

Ele cita a discussão sobre novas diretrizes curriculares junto ao Ministério da Educação e o projeto de lei que tenta estabelecer um piso único e nacional para a categoria. “Temos uma agenda complexa que não se restringe ao diploma”, explica.

Schröder diz que a volta da exigência de formação superior para o exercício da profissão garante a qualificação do jornalismo e restitui a dignidade da profissão. “É fundamental que se compreenda que jornalismo não é venda de publicidade ou de jornal. É fruto do trabalho dos jornalistas”, defende.

Queda do diploma aprofundou debate sobre qualidade da formação

Para Cynara Menezes, repórter da revista Carta Capital, o cidadão que tiver uma formação em alguma área específica do conhecimento pode exercer a profissão de jornalista e tem mais propriedade para escrever sobre determinados temas. “Acho que o diploma de ciência política, história, geografia ou letras talvez pudesse ser mais enriquecedor, porque as faculdades de Jornalismo em geral são bastante fracas”, aponta.

Vitor Necchi diz que discussão sobre qualidade do ensino se intensificou após decisão do STF | Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Ela lembra que quando entrou na universidade, em 1984, tinha aulas de Sociologia, Filosofia, e Economia. “De repente, mudaram todas essas cadeiras e passou a ter só disciplinas diretamente ligadas ao Jornalismo, como redação, metodologia, televisão e rádio”, conta.

O coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, Vitor Necchi, avalia que o fim da exigência do diploma intensificou o debate sobre a qualidade da formação dos jornalistas. “Do ponto de vista da universidade, todo esse cenário propiciou que se aprofundasse uma discussão sobre qualidade do ensino de Jornalismo. A decisão do STF em nenhum momento desprestigiou a importância de uma formação acadêmica”, considera.

Ele considera que o debate em torno da obrigatoriedade do diploma não enfraqueceu os cursos comprometidos com a boa formação de jornalistas. “A obrigatoriedade ou não de formação em nenhum momento deveria afetar o valor de um diploma.Talvez a decisão do Supremo tenha ameaçado ou desestabilizado instituições descomprometidas com um projeto de qualidade ou focadas essencialmente numa perspectiva mercantil do ensino”, compara.

“As coisas mais legais não estão sendo produzidas por jornalistas”, observa ex-editor da National Geographic

O freelancer Felipe Mlanez entende que a exigência de um diploma para o exercício do Jornalismo pode ceifar as práticas de comunicação alternativas que surgem no embalo da internet. “As coisas mais criativas não estão sendo produzidas por jornalistas, mas por outras pessoas que sentem a necessidade de informar. Tem índios criando blogs e programas de rádios comunitários, essa turma toda vai ter que deixar de trabalhar?”, questiona.

Milanez, que é formado em Direito e tem mestrado em Ciência Política, já foi editor da revista National Geographic no Brasil e hoje escreve para diversas publicações nacionais. Ele avalia que a profissão vive “uma crise de modelo e de negócio”. “Quem faz Jornalismo sai direto dos cursos para entrar numa grande redação. O que vão criar de diferente nesses ambientes?”, provoca.

Felipe Milanez | Foto: Arquivo Pessoal
Felipe Milanez teme que exigência do diploma gere cerco a projetos independentes na internet | Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Para Milanez, atualmente o jornalista é “investido de um poder político para exercer a profissão. “É uma política pública que admite quem pode e quem não pode ser jornalista. As pessoas com quem trabalho não se importam com o fato de eu não ser formado. Se importam com a qualidade do meu trabalho”, comenta.

O diretor de redação do site de notícias internacionais Opera Mundi e da revista Samuel, Haroldo Ceravolo, entende que a forma como ocorreu a decisão do STF foi muito ruim para categoria e “coloca em risco a cultura das redações”. Para ele, diante desse cenário, é melhor que a exigência do diploma volte a vigorar no país.

Mas Ceravolo acredita que outro debate deve ser pautado: o da regulamentação profissional. “O ideal seria dar um passo além da exigência do diploma. Uma regulamentação séria da profissão se refletiria na qualidade da produção, nos salários e na sindicalização da categoria”, opina.


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