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19 de maio de 2012
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07:23

Quem tem medo de feiras de arte contemporânea?

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Sul 21
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Alguns se encantam, outros criticam ferozmente, mas, coincidência ou não, em dois fins de semana seguidos, ocorrem, respectivamente, as feiras de arte de São Paulo e de Buenos Aires. Do dia 9 a 13 de maio, aconteceu no Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera, a oitava edição da SP Arte, e, nos dias 18 a 22 de maio ocorrerá, no Parque La Rural, a vigésima primeira edição da Arte BA.

Foto de Leonardo Finotti | Clique para ampliar

Nos últimos dez anos, a expansão e a consolidação de um mercado de arte internacional têm se manifestado na emergência de inúmeras feiras de arte moderna e contemporânea no mundo. A origem delas é bem anterior, mas a cada ano novas feiras são criadas; a de Basel inaugura sua quadragésima terceira edição em 14 de junho próximo, e a ArtRio, do Rio de Janeiro, inaugurou em 2011 sua primeira edição. A feira de Basel tem filial em Miami, enquanto a Pinta, está em Londres e Nova York, a ARCO, em Madri, ArtDubai, nos Emirados, e ArteLisboa, em Portugal. Assim, entre antigas e jovens, as feiras ocupam um importante espaço no mercado de arte mundial, e as galerias que delas participam ativamente chegam a desenvolver atividades em torno de sete feiras por ano.

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As galerias que almejam algum tipo de internacionalização encontram, nas aproximadamente 260 feiras atuantes ao redor do mundo, um espaço de difusão bastante estratégico. Ali, é possível atingir um público que, segundo estimativas, gira em torno de 20 mil ou mais pessoas, entre eles curadores, diretores de instituições, críticos, jornalistas e colecionadores privados, com vendas estimadas muito além de U$ 20 milhões. As feiras são locais de troca e diálogo, elas dão visibilidade aos artistas, possibilitam que se fechem exposições e diversos outros tipos de acordos comerciais.

Com um alto nível de concorrência entre elas, as feiras ampliam sua ação mais além da revenda de obras de arte, desenvolvendo eventos paralelos como fóruns de especialistas, que abordam temas como: colecionismo, mecenato, instituições, curadoria e mercado. Nelas são, também, apresentados livros e revistas da área, além de debates com artistas ou outras influentes personalidades do meio. As programações variam de importância de acordo ao perfil de cada uma. Assim, por exemplo, a ARCO e a ArtBA têm nos fóruns um de seus focos, enquanto outras nem os realizam. Algumas são bastante tradicionais nas obras e nos artistas apresentados, restringindo-se mais às pinturas, desenhos, gravuras e esculturas, enquanto outras se abrem para propostas mais experimentais, como performances, vídeos, instalações ou arte e tecnologia.

Esses espaços têm custos altos e o retorno nem sempre é o esperado, assim, muitas galerias mantêm-se à margem delas; aqui mesmo, no Rio Grande do Sul, somente a Bolsa de Arte está inserida neste circuito. Tendo iniciando sua participação nesse tipo de evento na primeira SP Arte, em 2005, a Bolsa tem participando em média de quatro feiras anuais: Miami, Dubai, São Paulo e Rio de Janeiro. Por já ter participado em Buenos Aires, Madri, Portugal, Londres e Nova York, Marga Pasquali observa três fatores na definição de suas escolhas: nível geral das galerias participantes, a qualidade da organização e o tipo de público que recebem. As vantagens dessas experiências têm sido o reconhecimento dos trabalhos apresentados, que chamam a atenção, reforçam convites e favorecem o recebimento de boas localizações, em pontos estratégicos.

Foto de Egon Kroef | Clique para ampliar
Foto de Egon Kroef | Clique para ampliar
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Segundo George Kornis, no mercado mundial de arte, pelo critério numérico das transações, existe um relativo equilíbrio entre os principais países europeus ( Reino Unido, França, Alemanha e Itália) e os Estados Unidos, entretanto, em valor de vendas os Estados Unidos se destacam, com quase 46% do total obtido. Os leilões são os marcos referenciais nos preços estabelecidos, e mesmo nas feiras os compradores se remetem constantemente aos valores neles alcançados para definir suas compras. Esse fator dificulta um pouco a venda de obras dos artistas brasileiros, pois, em sua maioria, eles estão ausentes dos leilões das grandes casas – Sottheby’s e Christie’s.

O mercado brasileiro está bastante longe dos padrões internacionais em volumes de vendas e de custos, e, além disso, no circuito globalizado é preciso trabalhar com artistas que tenham currículo internacional, com participação em importantes eventos de arte. Nesse sentido, as bienais de São Paulo, Mercosul e Curitiba concorrem positivamente para dar legitimidade aos produtores locais em seus processos de internacionalização. Porém, de certa forma, talvez ainda faça mais sentido, para a maioria das galerias, no Brasil, trabalhar com artistas brasileiros, focando mais no mercado interno e nas feiras locais. Um problema que talvez se evidencie com o tempo é um possível aumento da competição das galerias estrangeiras dentro do mercado brasileiro. Isso está sendo facilitado, inclusive, pela isenção de impostos obtida dos governos para as transações realizadas dentro das feiras, o que favorece bastante a entrada de galerias e artistas de outros países. Se a internacionalização pode ser vista como um campo de possibilidades por outro lado pode ser também ameaça forte de concorrência.

Balançando entre internacionalização e fortalecimento do mercado interno, foi criada a Associação Brasileira de Arte Contemporânea ABACT, que reúne 40 galerias, em todo o Brasil. A Associação tem desenvolvido diversas ações, em conjunto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos APEXBrasil, em um projeto, iniciado em 2007, de internacionalização da Arte Contemporânea brasileira. Dentro dele, galerias estão recebendo apoio para participação em feiras internacionais, e figuras- chave do circuito internacional estão sendo trazidas para conhecer melhor o meio artístico nacional, visitando bienais e feiras de arte contemporânea locais.

Se a frequência prioritária às feiras é de especialistas e interessados na compra e venda de obras de arte, um grande público de leigos, pessoas que buscam, ali, deleitar o olhar com uma gama diversificada de trabalhos, tem aumentando gradativamente a cada nova edição desses eventos. Elas já fazem parte dos programas sociais de fim de semana de muita gente, com isso abrindo, também, uma possível nova leva de consumidores. As feiras oportunizam uma visita mais divertida e repleta de diversidades do que seria a ida a cada galeria individualmente, em suas sedes. Funcionam um pouco como shopping center, onde é possível encontrar em um único espaço uma variedade de opções.

No geral, é possível observar que a tradição experimental da arte está sendo incorporada nas feiras, com algumas adaptações que envolvem a combinação de trabalhos mais ousados e menos mercadológicos, que funcionam como atrativos especiais, com o retorno ao objeto e a valorização da pintura e do desenho. Resistem a isso alguns setores artísticos, que crêem que elas podem se tornar um setor-chave na distribuição, o que acarretaria que a ousadia e a rebeldia percam espaço, e que as produções que fazem avançar a arte – mais problematizadoras do sistema e inovadoras – fiquem à margem. Estariam, assim, as feiras concorrendo para que se esvazie a arte de sua função crítica? Em função delas, algumas galerias estão forçando seus artistas a produzirem trabalhos mais adaptados a esse tipo de demanda, como dizem alguns de seus opositores? Por outro lado, muitos dos envolvidos na produção na distribuição e no consumo de arte não ganhariam maior visibilidade nacional e internacional através delas? Os mercados de arte locais poderiam encontrar nelas um fator de impulso para se ativarem e crescerem?

As perguntas estão no ar e as respostas não são tão simples, e, entre defensores e acusadores das feiras, esse fenômeno importante no campo da arte está em expansão, logo, é preciso olhar para ele com cuidado e atenção.


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