Notícias em geral
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9 de março de 2012
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11:31

O tamanho de minha mãe

Por
Sul 21
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Tenho ido ver frequentemente minha mãe na clínica onde ela se encontra. Como seu cérebro está inteiramente tomado pelo Alzheimer, ela fala em raríssimas ocasiões e acabo indo lá apenas para olhar para ela e dizer algumas palavras que lhe sirvam de alguma forma. A psicóloga da clínica disse que vozes familiares podem servir de consolo ou de lastro aos portadores da doença. Então, próximo a seu ouvido, digo coisas. Pergunto se está tudo bem, falo no passado e dou notícias de nosso time. Depois, passo alguns minutos perguntando para as enfermeiras como foi sua noite e mais nada. Estar em sua presença é estar 100% ali, tal é sua situação. Não há vida interior que me leve para fora. Sou filho, sou mamífero. Ela alimenta-se através de uma sonda e recebe oxigênio, ou seja, sua vida é destituída de sinapses e prazeres, está viva por estar, é doloroso mesmo.

Ela pouco reage a minhas iniciativas, apenas solta uns gemidos. Durante os minutos que fico na clínica, acabo falando muito, mas o contraponto de meu tagarelar são os pensamentos sobre o que foi minha vida com minha mãe. Há muita coisa positiva, uma montanha delas, mas é óbvio que um admirador de Kafka e Bergman vê também o lado negativo. Minha mãe era o esteio de nossa pequena família. Enquanto meu pai dilapidava o que ganhava em seu trabalho como dentista no turfe, minha mãe cuidava de tudo. O que um destruía, era reconstruído do outro lado. Ela também era dentista e ambos deviam ganhar bastante bem. Também tinham outra característica: brigavam pouco. A mãe dizia com ar conformado que o pai era um bom homem com um defeito sério. Como todo mundo, pareciam insatisfeitos; como poucos, pareciam viver bem.

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