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30 de julho de 2011
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10:41

A Serbian Film: censura consagra filme sem importância

Por
Sul 21
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O filme não foi visto por quem o apreendeu | Foto: Divulgação

Milton Ribeiro

Há cinco dias, após uma ação movida pelo DEM, a Justiça apreendeu as cópias de A Serbian Film – Terror Sem Limites, de Srdjan Spasojevic, colocando em pauta a liberdade e a capacidade de escolha de cada indivíduo. A apreensão é ainda mais desconcertante se pensarmos que esta foi feita sem que nenhum dos responsáveis houvesse visto o filme, sob o argumento de que estariam protegendo a família e as crianças.

A lei prevê que a classificação indicativa dos filmes é determinada pelo Ministério da Justiça, sendo que os pais ou responsáveis poderão autorizar o acesso de suas crianças e adolescentes a filmes de classificação indicativa superior a faixa etária destes com uma exceção: os filmes não recomendados para menores de 18 anos não poderão ser assistidos por menores de idade.

Deste modo, todos os filmes devem receber classificação indicativa etária. Nenhum pode circular sem ela. Então, o fato de o Ministério da Justiça ter retirado A Serbian Film – Terror Sem Limites da relação de filmes que receberiam classificação indicativa equivale a uma proibição ou censura total. A obra de Srdan Spasojevic apenas foi vista no Brasil em festivais em razão dos filmes  apresentados nestes eventos receberem uma liberação provisória.

“A atitude do Ministério é um precedente que deve ser combatido”, diz a crítica e professora de cinema Ivonete Pinto. “A sociedade é quem deve regular se o filme deve ser visto, discutido, considerado ou não”.

A alegação é a de que o filme foi suspenso por ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, em seu artigo 240, proibe “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”.

Ivonete revela que há um making off no DVD de A Serbian Film no qual as técnicas utilizadas no filme são descritas: “Não houve a presença de crianças nas filmagens, o filme explica. Não há sexo de verdade com crianças, logo, não há crime”.

Marcelo Miranda, do jornal O Tempo, de Contagem (MG), argumenta: “Não vejo onde esse artigo se encaixa no assunto em questão, já que o filme não é (ou não deverá ser) recomendado a menores de 18 anos, deixando a criança e o adolescente preservados”.

Raffaele Petrini, da Petrini Filmes, distribuidora do filme no Brasil, diz que a avaliação do filme está suspensa provisoriamente em razão de uma ação promovida pelo Ministério Público de Belo Horizonte. “Está muito claro que é uma obra de ficção, não houve violência envolvendo crianças ou adultos, nem a presença de crianças durante as cenas de nudez. Nas cenas com crianças foram utilizados minirrobôs que mal aparecem. A única parte do corpo de uma criança que aparece é a de um braço, que seria de um menino de 5 anos. Quem ver o filme, concluirá que ele não faz a apologia da pedofilia, muito pelo contrário”.

Milos, um quase aposentado ator pornô é agente de quase todas as cenas | Foto: Divulgação

Os organizadores do Rio Fan 2011 – Festival do Cinema Fantástico do Rio de Janeiro – emitiram um Comunicado Oficial em que defendem o filme: “As matérias veiculadas pela imprensa brasileira dão a entender que o filme apresenta cenas de pedofilia e necrofilia explícitas – o que não é verdade. Todas as cenas em questão são obviamente sugeridas e orquestradas por uma montagem que as integra numa narrativa dramática e séria cujo intuito é claramente denunciar a crise moral que se abateu sobre o país após a sangrenta guerra vivida na década de 1990, momento em que vidas humanas eram descartadas sem o menor pudor. Não há, sob qualquer ótica possível, apologia à violência sexual contra mulheres ou menores de idade no filme. São atos absolutamente grotescos e tratados como tal por uma obra que se insere numa tradição de filmes “extremos” – um subgênero do cinema de horror que lida com questões repulsivas de forma radical, com o intuito de buscar o choque e a reflexão nos espectadores”.

O ponto de maior interesse na questão é o possível retorno da censura ao país. Se esta pode ser caracterizada como a interferência de autoridades no direito dos cidadãos de escolherem o que querem ler, ouvir e ver, houve censura. Há no país mecanismos de proteção às crianças e já tivemos obras de arte extremamente violentas do ponto de vista explícito ou emocional que não tiveram tal reação, como, por exemplo, Anticristo, de Lars von Trier, onde apenas não há criança envolvida em atos sexuais.

A Serbian Film não mereceria respeito “como cinema”

A polêmica em torno da proibição acabou atraindo a atenção para um filme relativamente sem importância. A maior parte da crítica estrangeira simplesmente ridicularizou A Serbian Film. “Péssimas atuações num filme de pesadelo, um mero terror pornô que aspira a ser uma sátira à obscuridade da Sérvia moderna”, diz Peter Bradshaw, do Guardian. “É apenas um catalisador de controvérsia”.

Josh Bell, do Film Critics, mantém a modarcidade, mas é mais explícito: “Alardeado como um dos filmes mais doentes, depravados e perturbadores de todos os tempos, A Serbian Film é lançado em quase todos os países com algum nível de censura. Onde chega, vem com alguns minutos a menos. É a receita para um status cult instantâneo. (…) Spasojevic é bem sucedido em envolver o público com sua história. Mas ele apenas abusa deste privilégio, em vez de fazer alguma coisa útil com ele”.

Curiosamente, o respeitado Philip French, do The Observer, não escreve mais do que três parágrafos, finalizando: “Se a intenção era a de recriar o Pasolini de Salò, Spasojevic erra o alvo proposto por vários quilômetros. A British Board of Film Classification tem demonstrou sensatez dando-lhe um certificado de indicação étaria para adultos”.

Na verdade, os copiosos elogios que o filme recebe vêm somente do circuito dos apreciadores do cinema de terror ou de fantasia. A história do filme –  com spoilers, ou seja, estraga o final – está contada abaixo. Você veria este filme?

Segundo os críticos o filme é apenas ruim | Foto: Divulgação

A história

A Serbian Film conta a história de Milos, um ator pornô em fim de carreira que concorda em participar de um “filme de arte” para garantir a estabilidade financeira da sua família. O diretor do filme se interessa-se por Milos para aproveitar sua notável capacidade de manter uma ereção prolongadíssima mesmo sem estímulos físicos ou visuais.

No início das filmagens, Milos é levado a um orfanato e recebe um fone de ouvido, através do qual ouvirá instruções. Em seguida, uma equipe de filmagem o segue para registrar suas reações diante de várias situações que envolvem sexo. Numa das cenas, o ator pratica intercurso com uma mulher que sofreu abusos, enquanto uma menina vestida de Alice assiste a tudo. Em outra cena, protagonizada por um homem desconhecido, uma mulher dá à luz. Logo após, o recém-nascido é estuprado.

Então Milos se enfurece e decide abandonar o projeto. É sedado e acorda três dias depois, coberto de sangue e sem se lembrar do que aconteceu. Volta ao set de filmagem e descobre gravações que demonstram um fato estarrecedor: nos dias anteriores, foi drogado a fim de se manter num estado de permanente agressividade e excitação sexual, estuprando uma mulher algemada a uma cama, cortando seu pescoço e violando o cadáver. Outra cena mostrava sua amiga Lejla sendo violentada por um homem que introduz o pênis em sua boca até ela morrer asfixiada. Assistindo mais gravações, Milos vê a cena em que estupra sua mulher e seu próprio filho (cena do braço).

Nesta cena, a mulher de Milos recobra a consciência e consegue, com a ajuda do marido, enfrentar a equipe de gravação do filme. Os dois matam o diretor e seus guarda-costas.

Depois de se lembrar de tudo, Milos resolve cometer suicídio. Sua mulher concorda e propõe a morte de toda a família. Ele mata a si mesmo, à mulher e ao filho com um revólver.


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