Geral
|
27 de fevereiro de 2011
|
11:50

Atropelamento coletivo, lei do mais forte e democracia

Por
Sul 21
[email protected]

O atropelamento coletivo de 15 ciclistas em Porto Alegre, ligados ao movimento Massa Crítica, é oportunidade para uma reflexão mais ampla sobre o trânsito e o comportamento das pessoas em sociedade.

A brutalidade do ato praticado pelo motorista que, após uma pequena colisão, perseguiu o grupo de ciclistas e dirigiu seu carro sobre eles, expõe, além do desequilíbrio individual do agressor, a incivilidade que rege não apenas o trânsito, mas as próprias relações sociais no Brasil.

É a lei do mais forte, a que ainda rege o trânsito e a própria sociedade brasileira. Nas sociedades democráticas, assim como no trânsito, as leis igualam a todos. Não há fortes ou fracos. Há iguais. Há regras que devem ser respeitadas por todos. Regras que regulam as ações, que limitam os fortes e protegem os fracos.

Esta é a idéia, por exemplo, que impõe a prioridade dos pedestres sobre os veículos. Por ser mais fraco, o pedestre pode atravessar na faixa e fazer com que os veículos parem, aguardando que ele chegue ao outro lado da via. Não é isto o que ocorre em Porto Alegre e na maioria das cidades brasileiras. Se não atravessar com cuidado, mesmo na faixa e sinalizando sua intenção de passagem, o pedestre será atropelado.

Ainda não interiorizamos a idéia de que os mais fracos têm que ser protegidos, pois esta é a única maneira de produzir igualdade de maneira pacífica e sem enfrentamentos. Sem ter assimiliado esta idéia, muitos não entendem, por exemplo, o sentido das políticas sociais que asseguram renda mínima às famílias com menores rendimentos ou que estabelecem cotas raciais e para alunos provenientes de escolas públicas nas universidades federais e estaduais.

Por constituirmos, ainda, uma sociedade violenta e incivilizada, o passeio ciclístico realizado todas as últimas sextas-feiras da cada mês pelos integrantes do Massa Crítica assume significado político. Ao pedalar em grupo pela cidade, realizam também um ato de contestação à prioridade concedida aos carros e aos meios de transporte motorizados e individualizados.

Exercitam o prazer da convivência semanal com amigos que partilham o gosto da prática do ciclismo e chamam a atenção para a existência de outras formas de locomoção que precisam ser protegidas. Nas cidades brasileiras, nas quais não existem vias de circulação reservadas às bicicletas (as ciclovias, que já proliferam em diversas cidades européias e asiáticas) , locomover-se de bicicleta é um ato de coragem e de ousadia.

Talvez por esta coragem e por esta ousadia tenha ocorrido o incidente do atropelamento coletivo. Como pode ousar, um grupo de ciclistas montados em frágeis veículos contestar a supremacia e a força de um automóvel? Melhor eliminá-los logo, enquanto ainda são poucos e fracos. Age por instinto a besta fera automotiva. É a lei do mais forte.

Claro que o Massa Crítica errou ao não requisitar a proteção da EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) ou mesmo da Brigada Militar para acompanhar seu passeio. Claro que a via pública não deve e não pode ser tomada pelos ciclistas, como ocorreu. Em uma sociedade democrática, até mesmo um ato de protesto deve se submeter às regras e leis vigentes. Esta é a forma de se promover a proteção e a segurança coletivas.

Nada justifica, entretanto, o procedimento violento do motorista e o atropelamento dos ciclistas. Se o ato foi voluntário, como parece ter sido, seu praticante deve ser punido exemplarmente. Os integrantes do Massa Crítica devem comunicar as autoridades, solicitar e obter proteção para nos próximos passeios e, se flagrados em atos de obstrução do trânsito, precisam ser multados, como quaisquer outros cidadãos. Este é o caminho para nos civilizarmos e nos democratizarmos coletivamente.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora