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13 de maio de 2010
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12:48

Cotas pautam o debate sobre racismo no Brasil

Por
Sul 21
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Rachel Duarte

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Na década de 70, um tema mobilizou os Estados Unidos, a partir de debates na Suprema Corte sobre políticas públicas contra a discriminação racial. Agora o mesmo tema envolve o Brasil, com foco na política de reserva de vagas nas universidades públicas, baseada em critérios raciais.

Duas ações contra a política de cotas serão julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fato que resultou em uma audiência pública com movimentos sociais, universidades e sociedade civil, em março deste ano. O Supremo ainda não definiu a data para julgar as duas ações. Em uma delas o DEM questiona os critérios raciais utilizados desde 2004 pela Universidade de Brasília (UnB) para admissão de estudantes pelo sistema de cotas. A outra foi apresentada por um estudante que se sentiu prejudicado pelo mesmo sistema adotado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

A Lei de Cotas tramita no Congresso Nacional há quase 10 anos. Agora o tema atravessa um momento de discussão na área jurídica. A professora Jânia Maria Lopes Saldanha, responsável pela Comissão de Implementação e Acompanhamento da Política Afirmativa da Universidade Federal de Santa Maria (Ufsm), acompanhou a audiência e afirma que a ação provocada pelo STF foi um real exercício de democracia. “Esta possibilidade de discussão com 38 representantes da sociedade civil organizada é um momento inédito no Brasil. Mas precisamos ver o quanto isso vai ou não refletir no conteúdo dos votos sobre o uso de políticas afirmativas nas universidades”, disse.

Segundo a professora Jânia, que há quatro anos participou da implantação da reserva de vagas na Ufsm, a universidade foi pioneira nesta ação afirmativa. Hoje, a instituição reserva mais de 50% das vagas para afro descendentes, indígenas, pessoas portadoras de deficiência e alunos de escolas públicas. “Nós tivemos um crescimento gradual de cotistas nos últimos vestibulares. Estimamos ter cerca de 700 alunos estudando pela garantia desta política”, explica Jânia. Ela defende o uso deste sistema, já que é uma forma de permitir a inclusão social, fazer com que a sociedade absorva as classes excluídas e trabalhe o preconceito. “Sabemos que a exclusão social é uma questão histórica e cultural, principalmente de pessoas negras. Temos que encarar esta realidade com ações afirmativas”, disse.

Além da Universidade de Santa Maria, a Federal do Rio Grande do Sul também aplica a reserva de vagas por condição racial. Porém inclui os alunos oriundos de escolas públicas na mesma cota. No total são 5.252 alunos estudando por meio do sistema de cotas no Estado, a maioria na Capital. Este tipo de seleção está facilitando a formação de Carlos Nunes, aluno de Educação Física da Ufrgs. Ao se inscrever para o vestibular, Carlos ficou sabendo das cotas e hoje está no 3º semestre do curso. Ele acredita que seria mais difícil se qualificar na área em que atua, não fosse o sistema de cotas. “Eu já sou professor de tênis e motivado pela prática, busquei aperfeiçoamento. Mas em razão das dificuldades financeiras, precisei buscar uma universidade pública”, disse. Ele projeta uma ampliação das oportunidades profissionais com a formação acadêmica. “Sei que a maioria negra precisa trabalhar e acaba se tornando difícil conciliar a grade de horários. Porém, se não fossem as cotas, seria ainda maior a desistência pelo ensino”, falou.

A realidade da Ufrgs é de mais de 4 mil alunos cotistas, mas há quem lute contra esta reserva de vagas. O Movimento Contra as Cotas na Ufrgs é liderado pelo estudante Anderson Gonçalves, que organizou manifestações dentro da universidade quando foi montado um telão no campus para transmitir a audiência pública. “As cotas acabam com a igualdade de possibilidades no vestibular. Queremos que o Ministério Público fique do nosso lado, do lado da sociedade e acabe com este sistema, que não colabora em nada com o que se propõe e só atrapalha o restante dos alunos”, argumentou à imprensa na época.

José Carlos Hennemann, Reitor da Universidade na época, apoiou a decisão. foto Eduardo Seidl/29.06.07

Segundo dados do Ministério da Educação, em 2007, 5,6% dos jovens brancos frequentavam o ensino superior e apenas 2,8% dos jovens negros com 16 anos ou mais estavam nesta condição. O ministro da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial, Edson Santos, salientou em sua fala durante a audiência pública que a discussão ocorrida no âmbito jurídico é de extrema relevância, uma vez que 50,6% da população brasileira é de pessoas declaradas negras. “O país está recuperando, ainda em tempo, um debate que se deu com a campanha da abolição da escravatura, no final do século 19. Para termos uma idéia, a taxa de analfabetismo entre negros com 15 anos ou mais é duas vezes mais elevada do que a dos jovens brancos. Isto já seria o suficiente para o Estado decidir pela política de cotas no ensino público”, afirmou.


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