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Luís Eduardo Gomes
Quando entrou em vigor em 15 de julho de 2009, na então gestão de José Fogaça (MDB), o Plano Diretor Cicloviário Integrado de Porto Alegre (PDCI) previa que a Capital teria 395 km de ciclovias e ciclofaixas até 2022, para quando está prevista a conclusão da fase 3 de sua implementação. Antes, contudo, já deveriam estar concluídas as fases 1 e 2, que previam, respectivamente, 127,6 m até 2014 e 255,1 km até 2018. Isso significa que todas regiões da cidade já deveriam estar abastecidas por dezenas de quilômetros. Contudo, ao completar dez anos, o plano não passa de uma miragem, uma vez que a cidade tem apenas 48 km de faixas específicas para bicicletas. Além disso, sequer há expectativa de estar sendo seguido. Em 2019, até o momento, pouco mais de 1 km de novas ciclovias foi entregue.
Cicloativista e um um dos proprietários da loja de bicicletas Maiss, Pablo Weiss recorda que a entrada em vigor da lei foi algo “bastante comemorado” pelos coletivos e movimentos de ciclistas. “Pelo fato de que era uma lei bastante completa. Além de prever a ampliação das ciclovias, previa a origem do recurso”, diz.
Weiss acredita que o plano, se estivesse sendo seguido, traria grandes benefícios para a população, não só para ciclistas, mas também para pedestres e motoristas. “Quanto mais ciclovias, mais desafoga o trânsito, beneficiando inclusive quem não abre mão do seu veículo particular”, defende.
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O vereador Marcelo Sgarbossa (PT), que foi ciclista de competição e tem como uma de suas bandeiras políticas a promoção do uso de bicicletas na cidade, credita a demora para a ampliação da malha cicloviária à falta de vontade política. “Os gestores que se sucedem desde 2009 no Paço Municipal ainda não entendem a bicicleta como um meio de mobilidade urbana”, diz. Nesse cenário, segundo o vereador, a Prefeitura estaria fazendo as ciclovias em locais “onde menos se atrapalha o espaço do veículo automotor”.
Segundo ele, é essa lógica de “não atrapalhar os carros” que explica que, além de a execução do plano andar a “passos de tartaruga”, grande parte das ciclovias existentes em Porto Alegre estejam em calçadas, como na Restinga, nas margens de avenidas, como na Av. Ipiranga, ou ligando o “nada a lugar nenhum”, como no trecho da rua Dona Adda Mascarenhas de Moraes, na zona norte. “Em vez de ficarem interligadas, as ciclovias foram feitas em pedaços”, diz o vereador.
Para Weiss, o grande problema da malha cicloviária de Porto Alegre é que, num primeiro momento, as ciclovias foram construídas sem conexão entre si, o que desestimula o uso. “O planejamento foi muito precário, porque, na minha opinião, não se finalizou nenhuma rede até o presente momento. A cidade deveria ser totalmente abrangida nesses 10 anos, zona norte, zona leste e zona sul, não só a região central”, diz, acrescentando que uma malha maior traria maior visibilidade para o sistema e, consequentemente, maior preocupação com a manutenção das faixas exclusivas.
O empresário argumenta que a procura pelos serviços de aluguel de bicicleta, e também de patinetes, demonstram que há demanda por alternativas de mobilidade em Porto Alegre. “O número de viagens desses aplicativos é elevado. Então, existe a demanda, o que não existe é a vontade política, do que nós nem deveríamos depender, porque existe a lei, mas ela não é aplicada”, diz.
De acordo com a Prefeitura, a prioridade de execução das ciclovias é um trecho de 1,7 km que ainda resta para concluir a via da Av. Ipiranga. O próximo objetivo é “consolidar e realizar a manutenção da chamada Rede 1” — que engloba os bairros Centro, Cidade Baixa, Bom Fim e Meninos Deus — e concluir a ligação de trechos existentes, como na Av. Nilo Peçanha. A reportagem tentou entrar em contato com uma representação da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para entender se há algum planejamento para a aceleração da ampliação da malha, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
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Sem o dinheiro das multas
A principal fonte de receita pensada pelo PDCI era a reversão de 20% das multas de trânsito para o investimento em construção de ciclovias e campanhas de educação do trânsito. O vereador Sgarbossa diz que a informação que recebeu na Câmara é de que a Prefeitura arrecada cerca de R$ 30 milhões por ano em multas, o que, se fosse seguida a destinação de 20% para o Fundo Cicloviário, representaria R$ 6 milhões anuais. Como a Prefeitura nunca cumpriu essa determinação, o Ministério Público ajuizou uma ação cobrando o poder público na Justiça. Como resposta à condenação, a gestão de José Fortunati (à época no PDT) apresentou um projeto de lei revogando a reserva de verbas para as ciclovias, aprovado em 2014.
Com a nova lei, foi criado o Fundo Cicloviário e o município passou a precisar investir um valor “equivalente a 20% do arrecadado com multas” em ciclovias e campanhas educativas, sendo que as verbas poderiam vir de quaisquer fontes. Já o dinheiro das multas foi todo revertido para o Tesouro municipal.
A legislação de 2014 também determinou que um conselho gestor formado por seis pessoas da sociedade civil e seis técnicos indicados pela Prefeitura deveria ser o responsável por definir a utilização de recursos do Fundo Cicloviário. Contudo, o órgão ficou anos sem sequer se reunir. Tássia Furtado, integrante da associação Mobicidade e do conselho gestor do Fundo Cicloviário, conta que, em 2019, a gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) nomeou um novo presidente para o órgão e ele voltou a funcionar, tendo se reunido duas vezes até o momento, mas sem grandes definições.
Para Tássia, uma vez que os recursos das multas vão parar no caixa comum da Prefeitura, fica praticamente impossível disputar com outras áreas, uma vez que a gestão pode dizer que está priorizando investimentos em saúde e educação e que as ciclovias não são prioritárias na comparação com outras áreas. Segundo ela, se há recursos disponíveis atualmente para a construção de ciclovias na cidade, essa informação não está sendo compartilhada com os membros do conselho e com as entidades interessadas. “Até onde a gente sabe, não tem dinheiro no fundo”, diz. “Desde a criação, nenhum real foi aportado ao fundo”, corrobora Weiss.
Tássia acredita que a falta de participação no conselho acaba gerando dois problemas. O primeiro é que relega ao mercado imobiliário a responsabilidade pela decisão onde as ciclovias serão feitas. E o segundo é que faz com que as faixas não sejam pensadas a partir de um ponto de vista que coloque a segurança dos usuários como prioridade. “Não adianta simplesmente pintar uma via e não ter segurança”, diz.
Desde os últimos anos da gestão Fortunati e durante todo o governo do prefeito Marchezan, os recursos destinados à construção de ciclovias vêm, principalmente, de contrapartidas de grandes empreendimentos, exceção feita à Orla do Guaíba e outros projetos financiados com recursos externos. Pela legislação, a cada 100 vagas de estacionamento criadas, o empreendedor deveria construir 200 m de ciclovia. “Ficamos refém das contrapartidas dos grandes empreendimentos com estacionamento. Então, criamos uma lógica perversa. Para ter dinheiro para ciclovias, temos que ter espaço para os carros estacionarem. É um sistema que incentiva o uso do carro como condição para ter dinheiro para as ciclovias”, diz Sgarbossa.
O vereador lamenta que, atualmente, sequer há uma previsão de ampliação da malha cicloviária da cidade. “O Marchezan sequer se compromete com a pauta. Não diz quanto quer fazer. O Fortunati, não sei se isso foi o bom ruim, pelo menos chegou a dizer que queria chegar a 50 km. Não chegou ao fim de sua gestão em dezembro de 2016, mas colocava um compromisso”, diz.