Especial: Bolsonarismo derrete em São Paulo e esquerda caminha para o segundo turno

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Desafio da candidatura de Guilherme Boulos é ampliar sua capacidade de votos na periferia de São Paulo (Foto: Campanha Boulos/ Divulgação/Facebook)

Gabriel Valery – Especial para o Sul21

São Paulo – As eleições municipais se aproximam e a disputa na capital paulista segue aberta. Enquanto Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, reafirma sua força junto ao eleitorado, o segundo colocado nas pesquisas, Celso Russomano (Republicanos), derrete. A queda do candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro abre caminho para a possibilidade de a esquerda estar presente no segundo turno.

Guilherme Boulos (PSOL) figura com relevância nos levantamentos de todos os institutos de pesquisa. O líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) aparece, inclusive, em situação de empate técnico com Russomano. Boulos teve uma constante evolução no início da campanha, inversamente proporcional à queda de Russomano. Já na reta final, o candidato do PSOL mostrou ter consolidado seu eleitorado, ao mesmo tempo que vê o crescimento de Márcio França (PSB), que também segue em empate técnico no segundo lugar.

Em pesquisa Datafolha, divulgada na quinta-feira (5), Covas sustenta 28% do eleitorado, seguido por Russomano, com 16%, Boulos, com 14% e França com 13%. Com a margem de erro de 3,5 pontos percentuais, pode-se apontar situação de empate técnico entre os três candidatos. Esses números sofreram alterações radicais em menos de um mês.

Em pesquisa da mesma instituição divulgada no dia 8 de outubro, Russomano aparecia na primeira posição, com 27% das intenções de votos. Covas era o segundo colocado, com 21% e Boulos já carregava 12%. França tinha 8%. Russomano caiu 11%, enquanto Covas subiu 7%, Boulos 2% e França 5%. A tendência se repete nas pesquisas Ibope e XP/Ipespe.

Enquanto a disputa no topo ganha este desenho, Jilmar Tatto (PT) segue trajetória ascendente. O candidato petista figurava de forma tímida no início da campanha, com 1% das intenções de voto na pesquisa Datafolha. Um mês depois, com campanha nas ruas – especialmente nas periferias – e com o início da propaganda obrigatória em rádio e TV, Tatto já garante 6% das intenções de votos.

Aliado de Bolsonaro, Celso Russomano vem despencando nas últimas pesquisas (Agência Câmara)

A chance do Boulos

Enquanto Russomano, aliado de Bolsonaro, vê sua candidatura se ruir, a esquerda avança com discurso de oposição ao governo. Boulos também questiona Márcio França “em cima do muro”. O candidato do PSB chegou a flertar com o bolsonarismo no início da campanha, mas recuou ao passo em que ligações com o Planalto se mostraram ineficazes. “Ele precisa ter lado. Ele foi vice do Alckmin, apoio Doria em 2016 depois foi correr atrás do Bolsonaro. Não deu certo, começou a dizer que é progressista de novo”, disse o candidato de esquerda em sabatina da Folha de S.Paulo, realizada na quarta-feira (4).

Para entender melhor o desenho das campanhas e as chances reais de cada candidato de avançar para o segundo turno, a reportagem conversou com o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Ivan Fernandes. O especialista argumenta que “temos uma possibilidade razoavelmente boa do Boulos chegar no segundo turno. O Russomano está se esvaziando, seus votos estão sendo reduzidos. Mas o Boulos encontra desafios”.

Entre os desafios de Boulos, destaca-se a dificuldade da esquerda em retomar votos da periferia e das camadas mais pobres da população. Uma grande oposição às esquerdas encontra-se na ascensão da popularidade de igrejas neopentecostais – que carregam visões conservadoras nos costumes – entre essas parcelas do eleitorado. Fernandes explica: “Existe uma nova clivagem na esquerda mundial, que é a identitária. Ela pauta, sobretudo, a dimensão da identidade nos processos políticos. Essa dimensão é, em parte, rejeitada por camadas mais pobres que, nos últimos anos, começaram a dialogar mais com o neopentecostalismo”.

Essa dificuldade é revelada pelas pesquisas. De acordo com o Datafolha, Boulos possui o melhor desempenho entre todos os candidatos entre eleitores com renda familiar mensal de mais de 10 salários mínimos. Ele leva 28% dos votos dessa parcela na pesquisa estimulada, frente a 25% de Covas. Já entre os mais pobres, com renda de até dois salários mínimos, este número despenca para 9%, diante de 25% de Russomano. Covas lidera nas famílias de renda média, de dois a 10 salários mínimos.

Então, existe uma dificuldade da esquerda de retomar o que já chegou a ser conhecido como “cinturão vermelho” da capital. Regiões periféricas que votaram em massa em candidaturas petistas do passado, como Luiza Erundina (1988) e Marta Suplicy (2000). “O voto do Boulos é um voto essencialmente de classe média. Não é uma esquerda como da Marta Suplicy que conseguia chegar com força na periferia. O voto do Boulos está associado à maior renda e maior educação. É interessante pensar que é esquerda, mas existem esses pontos complexos”, analisa Fernandes.

Expostas as dificuldades, o candidato do PSOL vem com uma chapa “pura” do partido. A seu lado, como vice, a deputada federal pelo PSOL e ex-prefeita de São Paulo, pelo PT, Luiza Erundina (1989-1993). Os dois lideram uma campanha forte nas ruas e na internet. Além de eventos presenciais – que contam com Erundina protegida em uma espécie de “papamóvel” já que é grupo de risco para a covid-19 – Boulos é o candidato de São Paulo que possui maior engajamento nas redes sociais, de acordo com levantamento do Manchetômetro.

Fator França

O candidato do PSB segue em sua campanha com apelo ao “moderado”. Seu discurso de “nem esquerda nem direita” parece dar resultado em parcela do eleitorado. França foi governador de São Paulo entre abril de 2018 e janeiro de 2019. Eleito em 2014 vice de Geraldo Alckmin (PSDB), assumiu quando o tucano deixou seu cargo para disputar (e perder) a presidência. França é um político de longa carreira no estado; ele inicia sua trajetória nos anos 1980, em São Vicente, no litoral paulista.

Para Fernandes, os dois cenários mais prováveis para o segundo turno são de Covas contra Boulos ou Covas contra Russomano. Entretanto, a ascensão de França também é uma possibilidade. “Tem uma terceira alternativa que é o Márcio França alavancar e chegar em um segundo turno mais competitivo contra o Covas. Os dois tentando centralizar, despolarizar a política paulistana. Dois políticos que se colocam no centro do debate. Enquanto Boulos parece ter estagnado entre 15% e 16%, França cresce. Mas não sei se vai dar tempo para isso”, afirma.

Jilmar Tatto é prejudicado por uma campanha menos física, devido à pandemia, avalia cientista político. (Campanha Tatto/Divulgação/Facebook)

Sentidos do lulismo

O cientista político defende que os votos perdidos de Russomano podem ser direcionados com mais facilidade para França, Covas e mesmo Tatto do que para Boulos. “O voto do Russomano não necessariamente tende a ir para o Boulos. Tende ou para o Covas, ou para França ou para Tatto. O Boulos mobiliza uma parte importante de eleitores tradicionalmente vinculados ao petismo e ao lulismo, mas existe um teto.”

Fernandes argumenta que, mesmo o PT carregando uma candidatura própria com Tatto, Boulos possui um vínculo muito marcante com o lulismo e o petismo na capital. “Boulos e Manuela D’Ávila foram considerados pelo próprio Lula como sucessores de seu capital político em um ato que antecedeu sua prisão. Isso jogou os dois para uma posição importante na evolução, na modernização e na renovação das lideranças de esquerda”, afirma.

Já Tatto possui maior identidade com as periferias. O político, que foi secretário dos transportes durante as gestões de Marta Suplicy e Fernando Haddad (2012-2016), fez sua carreira política junto das periferias da zona Sul da capital. “Tatto é muito forte no partido, mas não tem o mesmo respaldo popular de Boulos, ou mesmo conhecimento de um público geral. Tatto é representante da periferia, mas foi prejudicado por uma campanha menos física, com menos contato com as pessoas devido à pandemia”, completa o cientista político.

Uma queda esperada

Um dos fenômenos que mais chama a atenção na corrida eleitoral em São Paulo é a queda de Russomano. Esta tendência não é inédita. O candidato ligado à Igreja Universal concorreu à prefeitura da capital em 2012 e 2016. Nas pesquisas que antecederam o primeiro turno, Russomano figurava como forte candidato e chegou a liderar as corridas. Entretanto, nas duas ocasiões, sequer chegou ao segundo turno. Em 2012, avançaram José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT); o petista foi vitorioso. Em 2016, João Doria (PSDB) foi eleito em primeiro turno.

Alguns fatores podem ser citados para o derretimento do candidato conservador. Entre elas está seu desempenho fraco nos debates. Apenas um encontro presencial entre os candidatos foi concretizado neste pleito, o debate da emissora Bandeirantes. Os outros veículos cancelaram seus eventos similares por conta da pandemia de covid-19. Nas palavras do marqueteiro de Russomano, Elsinho Mouco, o encontro realizado no início de outubro foi “um paredão de fuzilamento” contra o candidato então líder das pesquisas.

Russomano é alvo frequente de seus adversários, já que apresenta fragilidades. Voltou a circular com grande intensidade um vídeo de 2005 em que Russomano, durante programa de TV sobre direitos do consumidor, humilha uma caixa de supermercado, Cleide Cruz. Hoje, Cleide faz campanha contra o candidato, e chegou a receber a visita e a solidariedade de Boulos. “Não sou só consumidor, sou cidadão. Não sou só eleitor, sou humano, sou paulistano. Aqui não, Celso Russomano”, afirma a trabalhadora, em poema de oposição ao candidato.

Além deste fato relevante, Russomano também erra de forma frequente em declarações. O candidato segue a postura bolsonarista de rejeitar medidas de combate à covid-19. Questionado no dia 13 de outubro em coletiva de imprensa sobre isolamento social, Russomano disparou: “Moradores de rua podem ser mais resistentes à covid-19 porque não tomam banho todos os dias, etecetera e tal”. A fala caiu como bomba em sua candidatura e coincidiu com sua queda vertiginosa nas pesquisas.

A queda definitiva de Russomano veio com o apoio explícito de Jair Bolsonaro. No início da campanha, o candidato trabalhou para vincular seu nome ao do presidente. “Eu sou o único amigo de Bolsonaro”, disse diversas vezes no debate da Bandeirantes. Entretanto, assim como no Rio de Janeiro, com Marcelo Crivella (Republicanos), o apoio do presidente não teve resultado.

O candidato à prefeitura do PCdoB, Orlando Silva, resume a situação: “Com apenas um único e mísero debate, BolsoMano RussoNaro caiu nas pesquisas e viu sua rejeição aumentar (…) Basta se associar ao genocida de Brasília para o povo pular do barco”. Silva figura nas pesquisas com 1% das intenções de voto, mas segue combativo na campanha e relevante para o eleitorado de esquerda.

Fracasso do bolsonarismo

Para o cientista político, o vínculo de Russomano ao bolsonarismo foi uma estratégia equivocada de saída. “São Paulo está sendo marcado por uma adesão grande ao anti bolsonarismo. Já no período eleitoral de 2018, Fernando Haddad teve uma quantidade expressiva de votos na capital. Inclusive, Doria, que se associou no processo eleitoral ao Bolsonaro também perdeu em São Paulo na corrida para o governo”, lembra.

A rejeição ao presidente aumentou com seu desdém pela saúde dos brasileiros diante da pandemia de covid-19, que veio aliada de uma intensa crise econômica. “Agora, tivemos um período traumático com a covid-19. São Paulo é a cidade mais afetada do Brasil, as pessoas estão sentindo a pandemia na pele. Independente da classe social e do cotidiano.”

Então, a sentença é de que o negacionismo bolsonarista, abraçado também por Russomano, foi um fator que se soma ao seu desempenho fraco como político. “O apoio do Bolsonaro mais prejudica do que beneficia. Essa postura do presidente Bolsonaro de ignorar e negar os riscos da covid-19 foram tóxicas para sua popularidade em São Paulo. Então, a cidade se torna um centro de oposição ao governo federal, como já vimos em outros momentos.

Por fim, este fator também favorece ao favorito no pleito, Bruno Covas. “As forças estão ainda se reequilibrando. A figura que conseguiu se deslocar da questão nacional é o Covas que ganhou respeito, teve uma exposição em relação a seu estado de saúde. Isso geralmente tem impacto positivo na percepção do político. O desempenho dele diante da covid-19 foi considerado positivo e consistente”, conclui Fernandes.


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