‘As pessoas têm cada vez menos medo de governos autoritários’

Por
Luís Gomes
[email protected]
Rob Walker é professor na Universidade de Victoria e e na PUC-RIO | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes

“Bolsonaro é um recipiente bastante vazio no qual as pessoas podem projetar muitos sentimentos conflitantes”, é assim que o professor de relações internacionais Rob Walker define o candidato do PSL  à presidência da Republica. Para ele, Jair Bolsonaro está inserido em um contexto de crescimento mundial de regimes ou propostas de governo autoritários. “O próprio homem não me interessa muito, mas como expressão de forças muito mais profundas, acho que ele é aterrorizante”.

Rob Walker é professor de teoria política na Universidade de Victoria, localizada no estado canadense de British Columbia, desde 1980. Seus estudos são voltados a entender como os cidadãos e o Estado se organizam politicamente, bem como para a teoria política nas relações internacionais. É autor de quatro livros e uma série de publicações que discutem o papel dos estados nacionais, soberania, fronteiras, guerra e outros temas voltados para a teoria política e as relações internacionais. Atualmente, também dá aulas no Instituto de Relações Internacionais da PUC-RIO e têm acompanhado com atenção a eleição brasileira.

Neste semana, o Sul21 conversou por email com o professor sobre o crescimento de regimes autoritários ao redor do mundo, como ele está vendo o cenário eleitoral brasileiro e como este se insere no contexto global. “As pessoas têm cada vez menos medo de se mostrarem favoráveis a governos de homens fortes, de repudiar o estado de direito e recorrer ao uso da violência contra pessoas que são diferentes de alguma forma”, avalia.

A seguir, confira a íntegra da entrevista.

Sul21 – Estamos vendo o crescimento de regimes e governos autoritários no mundo?

Rob Walker: Bom, nós certamente estamos vendo um padrão em que vários tipos de governo autoritários estão se normalizando em muitos lugares. Isto é, não apenas tais regimes estão ficando mais numerosos, mas parecem estar se tornando crescentemente mais aceitáveis mesmo entre pessoas que se pudesse esperar que ficariam envergonhadas em admitir visões anti-democráticas e não liberais. As pessoas têm cada vez menos medo de se mostrarem favoráveis a governos de homens fortes, de repudiar o estado de direito e recorrer ao uso da violência contra pessoas que são diferentes de alguma forma. Eu não sei se temos um entendimento bem embasado de como esse padrão realmente é. Há grandes diferenças entre os vários casos que têm sido identificados em discussões recentes. Pessoalmente, fico bastante inquieto a respeito de generalizações arrebatadoras que se escuta, tanto em conversas populares quanto acadêmicas. Parte da dificuldade aqui é que nós tendemos a julgar tendências contemporâneas por comparações com visões super idealizadas de como as coisas seriam. As democracias, há tempos, têm tendências altamente elitistas. Os liberalismos sempre tiveram aspectos não liberais. Ainda assim, as tendências contemporâneas são ameaçadoras.

Sul21 – Como você caracterizaria um regime autoritário?

RW: Permitindo-se muitas variações, deve-se provavelmente enfatizar a concentração de poder nas mãos de uma pequena minoria, mesmo que legitimada em nome de uma maioria popular. A ameaça da força política vem a ter um grande papel na criação de uma ordem política e formas centralizadas de manipulação pela propaganda e dogma tornam cada vez mais difícil tomar decisões informadas. Além disso, contudo, o autoritarismo é uma categoria muito ampla. Todos nós conhecemos histórias de ditaduras militares, estados policiais, vários tipos de sociedades fascistas, e assim por diante. Algumas vezes é muito fácil sobrepor experiências históricas específicas a situações contemporâneas. Mas eu tendo a dizer que a sua pergunta é aberta para respostas fáceis. Eu entendo o porquê de as pessoas fazerem comparações entre a Europa de 1939 e a América Latina recentemente, mas eu diria que as situações contemporâneas não são meras repetições.

Sul21 – A que razões o senhor credita o crescimento ao autoritarismo?

RW: Muitas dinâmicas estão em jogo, não é pouco importante um tipo de reação contra presunções sobre a globalização, fracassos óbvios das promessas de desenvolvimento para gerar maiores liberdades, igualdade, segurança e bem-estar, mudanças dramáticas na escala de corrupção e assim por diante. Estou atento aos perigos da generalização excessiva, para não falar dos tipos de teorias da conspiração que funcionam com muita frequência como substitutos baratos para análises e diagnósticos. Ainda assim, eu diria que não devemos subestimar a mudança ampla das relações entre forças políticas e econômicas que são baseadas em reivindicações sobre uma cidadania comum de estados-nação, isto é, em suposições sobre a comunalidade subjacente de todos os membros de uma sociedade nacional, e relações baseadas em reivindicações sobre a prioridade daqueles que estão dispostos e aptos a participar dos mercados econômicos.

Os Estados em toda parte estão cada vez mais organizados em nome da participação em uma economia de mercado, seja doméstica ou internacional/global, em vez de uma economia nacional. Isto é o que parece permitir o vínculo familiar entre os obscenamente ricos e os populismos encenados em nome daqueles que estão perdendo as forças de mercado. O declínio de uma política de consenso nacional parece gerar a possibilidade de uma política de nostalgia prevista em nacionalismos do passado, enquanto as novas elites são bastante adeptas de promover os benefícios da racionalidade de mercado em nome de formas de governo mais eficientes e menos corruptas, que, na prática, trabalhem mais eficazmente para globalizar os mercados do que para os cidadãos nacionais.

As relações entre estados e mercados mudaram dramaticamente nas últimas quatro décadas. As mediações tradicionais fornecidas por políticas econômicas neo-keynesianas e instituições social-democratas, ou por estados razoavelmente centralizados engajados em formas nacionalistas de modernização, perderam muito de sua credibilidade. No processo, os princípios de igualdade perderam boa parte de sua força. Paradoxalmente, a retórica de um nacionalismo radical tornou-se pó de ouro político, enquanto as condições estruturais sob as quais estados nacionais relativamente autônomos podem prosperar estão visivelmente se dissipando. Não é que os estados estejam desaparecendo em algum tipo de governo global, mas as formas de Estado estão mudando de maneiras previstas por economistas orientados pelo mercado há muitas décadas e que certos tipos de políticos antidemocráticos e iliberais aprenderam a articular uma nova forma de senso comum. Liberais e aqueles à sua esquerda foram facilmente superados. A primeira regra da política é sempre lembrar que as coisas mudam. Novas formas de autoritarismo podem parecer um simples retorno a um passado perturbador, mas suspeito que seja mais bem entendido como uma resposta bastante previsível a uma reconfiguração fundamental da relação entre compromissos políticos e econômicos.

Rob Walker Foto: Divulgação

Sul21 – Em sua opinião, qual é o papel das mídias sociais em fortalecer os chamados candidatos outsiders, que vêm de fora do ambiente político dominante?

RW: A mídia social é um fator crucial para ampliar várias tendências estruturais e até gerar realidades políticas inteiramente novas. De certa forma, elas me lembram da situação europeia no início da era moderna, em que a imprensa permitiu a ampla reprodução de textos sagrados, levantando a possibilidade de cada leitor encontrar sua própria verdade, ou notícias falsas, dentro desses textos. Em ambos os contextos, vemos uma crise de autoridade. Em quem alguém deveria acreditar agora? Pode ser útil refletir sobre até que ponto a mudança histórica não depende de mudanças nas relações de poder, mas talvez mais ainda de mudanças nas formas de autoridade legítima. A mídia social está claramente desempenhando um papel muito importante nesse aspecto, e certamente não para melhor.

Sul21 – Você está seguindo as eleições brasileiras? Como você está vendo o candidato Jair Bolsonaro?

RW: Sim, estou acompanhando de perto e com crescente apreensão. Como muitas das outras figuras que passaram a personificar as mudanças para o autoritarismo, Bolsonaro é um recipiente bastante vazio no qual as pessoas podem projetar muitos sentimentos conflitantes. O próprio homem não me interessa muito, mas como expressão de forças muito mais profundas, acho que ele é aterrorizante. Obter alguma firmeza analítica sobre essas forças mais profundas, obviamente, não é uma tarefa fácil.

Sul21 – Aqui no Brasil, estamos falando de uma onda conservadora desde 2014. A ascensão do fundamentalismo cristão, candidatos pró-armas e discurso anti-aborto, que também estão conectados e apoiados pelas elites rurais. Como você vê isso em conexão com os movimentos globais?

RW: Bem, há claramente muitos tipos diferentes de movimentos sociais, e não estou convencido de que temos um mapeamento coerente de quem eles são e o que fazem. Mas se nos concentrarmos nos cristãos profundamente conservadores que agora ocupam um lugar tão proeminente na vida brasileira, devemos ao menos lembrar o papel das tentativas explícitas de várias facções americanas de mobilizar essas pessoas em uma campanha sistemática para marginalizar os efeitos das Teologias da Libertação. Mas, assim como nas mídias sociais, isso é invocar um fator significativo, mas apenas um entre muitos. Pode-se apontar a continuação das estruturas sociais desde a era pré-independência até o presente, ou as desigualdades dentro dos sistemas de representação, ou o papel do poder corporativo, ou o destino das alianças dos BRICs, e assim por diante. Bolsonaro pode ser muito perturbador, mas é um efeito de forças e processos que estão em jogo há muito tempo. Na vida política, muitas vezes é bastante racional ser irracional. Este parece ser especialmente o caso em muitas situações agora.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora