Felipe Prestes
A Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) enviou na semana passada à Advocacia-Geral da União (AGU) duas propostas para saldar sua dívida tributária com a União, que chega a R$ 2 bilhões. Ambas as proposições envolvem a transferência da propriedade – no termo técnico, adjudicação – do Hospital Universitário da Ulbra, em Canoas, para a União. O restante da dívida seria renegociada ou parcelada em 23 anos, ou pelo Refis 4. “Estamos otimistas. São propostas factíveis. Queremos pagar tudo, não estamos nos omitindo”, afirma o reitor da universidade Marcos Ziemer.
Ziemer afirma que o hospital está avaliado pela Caixa Econômica Federal (CEF) em R$ 665 milhões. Bens e imóveis da Ulbra já leiloados ou transferidos para a União somam outros R$ 262 milhões. Caso a União aceite o hospital universitário, restaria um débito de pouco mais de R$ 1 bilhão. A proposta principal da universidade é a de negociar este valor restante em 23 anos. A segunda opção tem um complicador, pelo fato de que o prazo para inclusão no Refis 4 já expirou. Pelo programa de recuperação fiscal, a Ulbra pagaria R$ 565 milhões em 15 anos. “A outra saída seria judicial, não seria boa para ninguém”, diz o reitor.
Ziemer revela que há cerca de dois anos vem conversando frequentemente sobre o tema com o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams. Ele teria sinalizado que uma resposta pode ocorrer ainda no mês de setembro. A AGU repassou as propostas à Procuradoria da Fazenda Nacional da 4ª Região, que não quis se pronunciar sobre o assunto, ressaltando que “a proposta de negociação está em análise”.
Ministério considera encaminhada questão do hospital
No que depender do Ministério da Saúde, a transferência do Hospital Universitário para a União deve ocorrer. Nesta sexta-feira (2), a programação da presidenta Dilma Rousseff no Rio Grande do Sul inclui uma visita ao hospital, ao lado do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, onde será feito o anúncio de 110 novos leitos do SUS na unidade de saúde. Um release distribuído pelo ministério aponta que o hospital já está em “processo de transferência” para a União e que o governo federal deve cedê-lo à prefeitura de Canoas. Respondendo pelo ministério, o diretor do GHC, Carlos Nery Paes, reafirmou as intenções do ministério, ressaltando apenas que a questão judicial não está concluída.
Na prática, a gestão já está com a prefeitura desde novembro de 2010. O acordo prevê cinco anos de cessão do hospital à prefeitura pela Ulbra, que não deseja mais se aventurar por outras áreas que não a educação. O governo federal teve participação no acordo, prometendo ao município viabilizar ao máximo o atendimento do SUS na instituição. A prefeitura, por sua vez, firmou um convênio com o Grupo Mãe de Deus que está gerindo, de fato, o hospital.
Reestruturação
Depois de todo o turbilhão de endividamento, má gestão e suspeitas de corrupção, a universidade tem se recuperado. O Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro-RS) afirma que os salários estão sendo pagos em dia e as dívidas trabalhistas vêm sendo equacionadas. “Conseguimos equilibrar o fluxo operacional de caixa”, comemora o reitor Marcos Ziemer.
A reestruturação da universidade inclui a passagem da Ulbra de instituição filantrópica para uma sociedade anônima, mas com o controle sendo 100% da mantenedora da universidade, a Comunidade Evangélica Luterana São Paulo. Marcos Ziemer explica que esta mudança passará mais segurança aos credores – a entidade deve também R$ 800 milhões a instituições financeiras. “A S/A nascerá sem todo este passado e dará mais transparência, mais segurança, porque seguirá regras de mercado”, defende. Além disto, ressalta Ziemer, o governo federal ganhará muito mais em tributos.
Uma solução para os credores é converter a dívida da universidade em papéis, que podem se tornar atrativos na medida em que a instituição for se recuperando. Os bancos não têm muita alternativa, porque estão no fim da fila dos credores. Só podem receber depois de quitadas as dívidas com a União e as trabalhistas. Além disto, os bens da Ulbra já estão todos penhorados devido ao débito com o governo federal.
Outro problema que a reitoria tem conseguido resolver é reaver de volta parte de seu patrimônio que a antiga gestão tinha passado para o nome de empresas criadas por ela. Na semana passada, por exemplo, a Justiça passou a rádio Pop Rock para o nome da Celsp/Ulbra novamente.
Fundo de investimentos deixa sindicato em alerta
O reitor Marcos Ziemer garante que passar para sociedade anônima, seguindo regras de mercado, não mudará a proposta acadêmica da instituição, que é uma das maiores preocupações do Sinpro-RS. “Nossa preocupação é com a preservação dos contratos dos professores e funcionários e com a manutenção do projeto acadêmico”, afirma Marcos Fuhr, integrante da direção do sindicato.
A entidade de classe está em estado de alerta com as movimentações do fundo de investimentos CCN Invest. Gerido por grupos empresariais graúdos como Opportunity e Votorantim, e tendo como um dos seus economistas o ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, o fundo demonstrou interesse em injetar R$ 800 milhões em troca de obter o controle sobre a universidade.
O CCN já procurou a reitoria da Ulbra, o prefeito de Canoas, Jairo Jorge, e até o próprio sindicato. “Nossa recuperação é um atrativo para o mercado. Fomos procurados por este grupo e por outros, mas a nossa linha é outra, de manter o controle da Celsp sobre a instituição e resolver o problema com a União”, garante Ziemer.
“Defendemos solução entre a União e a Ulbra. A especulação financeira não tem foco na educação, tem foco no lucro rápido e fácil”, afirma Marcos Fuhr. No mês de julho, o Sinpro-RS e a Associação dos Docentes da Ulbra (Adulbra) emitiram um documento em que reivindicam “a preservação da Ulbra como instituição educacional, manifestam veemente contrariedade com a possibilidade de integração da especulação financeira na solução do problema da CELSP/Ulbra, bem como repudiam as iniciativas oficiais e de agentes públicos em apoio a esta possibilidade, reivindicam da União Federal a flexibilidade necessária para que a quitação das dívidas tributárias não inviabilize a função social da CELSP/Ulbra”.