Da Redação
Depois de mais de oito anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (11) a votação que decidirá se mulheres poderão interromper a gestação de fetos anencéfalos. A Corte irá analisar ação, ajuizada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que defende a descriminalização do aborto nesses casos. A entidade defende que existe ofensa à dignidade humana da mãe uma vez que ela é obrigada a carregar no ventre um feto com poucas chances de sobreviver depois do parto.
Para o ministro Carlos Ayres Britto, o julgamento da ação será um “divisor de águas no plano da opinião pública”. “O país tinha um encontro marcado com esse tema. Ele é divisor de águas no plano da opinião pública, repercute muito no campo da religiosidade, da saúde pública. Um tema grandioso pelo seu impacto, pelo modo de conceber a própria vida”, disse Ayres Britto após encontro com os presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, Marco Maia. “Teremos, certamente, um julgamento rico de debates, reflexões e de intuições também, porque o sentimento também conta na hora de equacionar os fatos”, acrescentou.
Com a demora de mais de oito anos para a analisar a questão, mulheres que preferem interromper a gravidez ao saber do diagnóstico de anencefalia, atualmente, têm de recorrer à Justiça.
Especialistas alertam para riscos à saúde da gestante
Em uma gestação em que o feto é diagnosticado com anencefalia, um tipo de malformação rara do tubo neural, a morte do bebê é considerada certa e os riscos para a mulher aumentam à medida que a gravidez é levada adiante. Esses são os principais argumentos de obstetras e geneticistas que se manifestam favoráveis ao aborto de anencéfalos.
Para o médico e professor de ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, Thomaz Gollop, a interrupção da gestação de um feto com anencefalia não deveria ser considerada um aborto, já que não há perspectiva de sobrevida do bebê. O termo correto, segundo ele, é antecipação do parto. “Não estamos discutindo o aborto de um feto normal. No caso da anencefalia, a situação é mais dramática”, destacou.
A frequência de casos de anencéfalos no país, de acordo com o obstetra, é de um caso para cada 700 nascidos vivos. Isso significa que em torno de 400 bebês são diagnosticados com a doença todos os anos. O Brasil, atualmente, ocupa a quarta colocação no ranking global de casos. Gollop explicou que a deficiência de ácido fólico na dieta das gestantes é responsável por cerca de 50% das ocorrências e que fatores genéticos e ambientais também influenciam nos números.
O médico lembrou que, desde 1989, a maioria dos juizes brasileiros concede autorizações para que mulheres grávidas de anencéfalos possam interromper a gestação. O feto com a malformação é classificado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como um natimorto cerebral e, na definição de Gollop, é uma criança “completamente inviável”.
A secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Rute Andrade, lembrou que uma gestação de feto diagnosticado com anencefalia geralmente provoca complicações e consequentes riscos para a mulher. Isso porque o bebê com a malformação nem sempre é capaz de deglutir o líquido amniótico, gerando acúmulo da substância e aumentando os riscos de uma distensão do útero, além de hemorragias pós-parto.
Para ela, não é correto que essas mulheres fiquem à mercê da Justiça brasileira, uma vez que a medicina possibilita a chance de abreviar ou amenizar o sofrimento da gestante. “Por meio do encefalograma, o resultado é como o de morte cerebral. A anencefalia tem vários graus, mas o resultado é sempre a morte”, disse. “Obrigar a mulher a seguir adiante com a gestação de anencéfalo é uma condição bastante cruel”, destacou.
Especialistas defendem direito à vida de fetos com anencefalia
Fetos com anencefalia devem ser tratados por profissionais de saúde como pacientes de alta gravidade e a baixa expectativa de vida não deve limitar os direitos dessas crianças. Esses são alguns dos principais argumentos de obstetras e pediatras ouvidos pela Agência Brasil que se manifestam contrários ao aborto de anencéfalos. Para eles, o sofrimento dos pais não justifica a interrupção da gestação nesses casos.
De acordo com a coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal do Hospital São Francisco, Cinthia Macedo Specian, a anencefalia é uma das principais malformações neurais detectadas em fetos em todo o mundo. O problema acontece por volta do 14º dia de gestação, quando os ossos da calota craniana se formam. Quando isso não ocorre, a massa encefálica fica exposta ao líquido amniótico e se deteriora.
Para ela, o feto anencéfalo, ao contrário do que considera o Conselho Federal de Medicina (CFM), não deve ser considerado um natimorto cerebral. “Ele tem um comprometimento severo de um órgão muito importante, mas não posso classificá-lo como um indivíduo que está em morte encefálica. Estudos mostram que todos eles têm respiração espontânea, mais de 50% conseguem mamar, sugar e deglutir o leite. Pacientes com morte encefálica não deglutem nem a saliva e não têm movimento ocular”, explicou.
A médica destacou que, em casos de anencefalia, a comunicação com o cérebro, apesar de “rudimentar e insuficiente” para manter a vida por um longo período, existe. Com um tempo de vida impossível de ser medido, fetos com a malformação, segundo ela, podem ser comparados a crianças que já nascem com graves problemas de coração e demais órgãos. “É um ser ativo que tem necessidades específicas e independentes da mãe”, acrescentou.
Com informações da Agência Brasil