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1 de junho de 2015
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17:41

Em debate: liberdade religiosa e direitos dos animais

Por
Sul 21
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Em debate: liberdade religiosa e direitos dos animais
Em debate: liberdade religiosa e direitos dos animais
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luiza Bulhões Olmedo

O debate sobre liberdade religiosa e direito dos animais tem dividido a opinião pública no Rio Grande do Sul. A discussão surgiu de um projeto de lei que proibia o sacrifício de animais por religiões de origem africana no Estado, e gerou protestos tanto contra como em apoio à mudança. O projeto foi rejeitado, mas o debate continua. No mundo inteiro é difícil encontrar consenso sobre a questão, que contrapõe tradições religiosas milenares e concepções modernas de proteção animal. Liberdade de culto pode incluir o sofrimento de animais?

A questão tem sido levantada em muitos países com diferentes tradições religiosas. Os rituais de abate, que definem padrões específicos para o consumo de animais, são comumente praticados no judaísmo e no islamismo até os dias de hoje; já os rituais de sacrifício, em que os animais são oferecidos a espíritos ou divindades por motivo de adoração (e não necessariamente de consumo), eram frequentes na maioria das religiões antigamente, mas hoje apenas algumas mantêm essa prática.

Para os judeus, o ritual de abate (kosher) praticado hoje em dia, que envolve a degola do animal ainda vivo, é o mesmo que se praticava nos rituais de sacrifício. Entretanto, desde a destruição do Templo Judeu em Jerusalém, em 70 A.C, a prática do sacrifício foi proibida. No islamismo, também são comuns os rituais de abate (halal) – igualmente pela degola -, mas alguns rituais de sacrifício ainda ocorrem, como durante o Eid al-Adha (the Festival of Sacrifice). Em apenas dois dias desse festival estima-se que mais de 100 milhões de animais são abatidos para o sacrifício islâmico, e a carne é dividida e repartida pelas comunidades.

A maioria dos países que possuem população judia e muçulmana significativa permite os rituais de abate religiosos. Entretanto, alguns países europeus, como a Áustria, a Suíça e a Dinamarca proíbem que os animais sejam degolados sem que sejam insensibilizados antes (o que vai contra os preceitos religiosos), por considerarem os métodos religiosos inumanos. Na Dinamarca, o abate pela degola foi banido em 2014, sob fortes contestações de intolerância religiosa; a constatação da lei dinamarquesa foi de que “o direito dos animais vem antes da religião”.

No budismo o sacrifício de animais é proibido, e no hinduísmo, de maneira geral, foi abandonado há muitos séculos, e o vegetarianismo foi adotado. Contudo, algumas correntes do hinduísmo mantém a prática do sacrifício. Em localidades da Índia e do Nepal ainda é recorrente o sacrifício de cabras, búfalos e pombas em nome de divindades. No Nepal, ocorre a cada cinco anos o maior festival de sacrifício animal do mundo, chamado Gadhimai, que dura 3 dias, quando centenas de milhares de animais são mortos em nome da deusa Hindu do poder. Por outro lado, em 2014, em um estado do norte da Índia, Himachal Pradesh, juízes decidiram banir a matança de animais por sacrifícios religiosos, alegando que “as práticas deveriam mudar na era moderna”.

Nas religiões africanas tradicionais, e também nas afro-americanas, o sacrifício de animais é uma prática regular. Acredita-se que o sangue dos animais contém força e vitalidade. Na maioria dos países onde essas religiões são praticadas, o sacrifício animal não é proibido. Nos Estados Unidos, o estado da Flórida passou em 1987 uma lei para banir o hábito. Entretanto, em 1993 a Suprema Corte americana impediu a proibição, já que feria a liberdade religiosa dos seguidores da Santeria, garantida pela primeira emenda da Constituição estadunidense. Esse é considerado um importante marco da liberdade religiosa no país.

O conflito entre direito dos animais e liberdade religiosa é complexo, e encontrou diferentes soluções no mundo inteiro. As regulamentações variam de acordo com a sociedade e seus costumes religiosos e tradições culturais. Em um debate em que o certo e o errado é tão nebuloso, o único parâmetro, até então, é que a lei acompanhe o que é socialmente aceito.


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