Débora Fogliatto
Trabalhadores da saúde de todo o Rio Grande do Sul paralisaram atendimentos e realizaram atos nesta quarta-feira (06), no que chamaram “Dia D”, para protestar contra cortes de recurso por parte do governo estadual. Foram suspensos 9 mil atendimentos, com 90% da categoria mobilizada em cerca de 200 municípios. No hospital Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, em uma reunião aberta que lotou o anfiteatro Hugo Gerdau da instituição, foram anunciadas reduções de 118 leitos e 4.312 internações, o que resulta em 437 mil atendimentos a menos no ano.
A redução é um redimensionamento assistencial, proposto pela Santa Casa à Secretaria Municipal de Saúde, que é a administradora da entidade, nesta terça-feira (5). De acordo com a direção do hospital, dos R$ 500 mil que o governo estadual anunciou que cortaria da verba para a saúde, R$ 300 mil dizem respeito a hospitais filantrópicos e Santas Casas.
Também compondo os protestos do dia, no Hospital Vila Nova, a paralisação afetou 35 cirurgias, que foram adiadas. Funcionários da Santa Casa ainda chamavam a população para o protesto que será realizado na quarta-feira da próxima semana (13), em frente ao Palácio Piratini, a partir das 11h.
Mas as dificuldades financeiras não param por aí: o repasse da União para estas instituições era de 75% em 1980, enquanto atualmente é de 46,70%. “Se percebe uma omissão da União com o Sistema Único de Saúde, transferindo responsabilidades para estados e municípios”, constatou o Diretor-Geral da Santa Casa Julio Dornelles de Matos.
O estado conta com 245 hospitais filantrópicos e Santa Casas, em 220 municípios, sendo os responsáveis por 75% das internações do Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014.
De acordo com os dados apresentados no ato, a cada R$ 100 utilizados por instituição, os hospitais recebem R$ 63,08 do poder público. Apenas em 2013, foram 540 mil internações no estado, o que gerou um déficit de R$ 404 milhões. “Esse déficit vem de longa data, de forma crescente, e chegou a R$ 1 bilhão e 200 milhões. Se não fosse pelos repasses dos municípios, não teríamos como sobreviver”, constatou o diretor. Mesmo com o redimensionamento, o hospital continuará com um prejuízo de R$ 70 milhões no ano.
Em 2012, os investimentos começaram a aumentar, mas não de forma suficiente para acabar com o déficit. Foram R$ 168 milhões em 2013, R$ 250 milhões em 2014 e, em 2015, estavam previstos no orçamento estadual R$ 300 milhões, que não serão repassados. “Nós fazemos muito mais do que a nossa obrigação. Aqui na Santa Casa, 53% dos pacientes são do interior. Temos uma trajetória de prejuízos e, por isso, atendemos também convênios e particulares, para nos manter”, relatou Dornelles, acrescentando que o hospital recebe ajuda também da Universidade Federal de Ciências da Saúde, da Assembleia Legislativa e busca editais públicos.
O procurador da Justiça Antonio Carlos de Avelar Bastos, da Procuradoria das Fundações do Ministério Público do Rio Grande do Sul, destacou que a “saúde é um direito de todos” e as Santas Casas “não deveriam passar por esse tipo de constrangimento”. Ele demonstrou “total solidariedade” à entidade. “Não nos resta outra opção além de estar em favor dessa campanha, pois precisamos do funcionamento dessa instituição”, apontou.
Em entrevista coletiva, o Provedor Alfredo Guilherme Englert destacou que a entidade “não é contra ninguém, contra nenhum partido, mas a favor dos pacientes”. Para ele, “o limite já foi superado” e a Santa Casa não pode continuar tendo prejuízos.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) se manifestou através de nota, em que informa estar “aberta de forma permanente ao diálogo” com as Santas Casas e hospitais e pondera que o planejamento proposto pelo governo tem como objetivo “adequar os repasses às entidades ao orçamento da pasta – evitando, assim, o desajuste que gerou o atraso nos repasses em 2014”. O comunicado ressalta que os valores previstos a partir de dezembro de 2014 estão em dia e já foram pagos R$ 352,5 milhões do Tesouro do Estado. A SES ainda garante, na nota, que os 12% da receita líquida para a saúde estão garantidos.
Na entrevista coletiva, Dornelles disse que o Estado está pagando em dia depois de já ter realizado cortes. “O Estado tem dito que está pagando em dia, mas isso é uma inverdade, seria muito mais justo que tivesse dizendo a verdade. O Estado cortou os recursos e depois que cortou, o que sobrou está pagando em dia. Eles não querem anunciar e estão jogando isso para que os hospitais façam”, criticou.
Confira a íntegra da nota:
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) informa que está aberta de forma permanente ao diálogo com a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do RS. O planejamento proposto pelo Estado objetiva adequar os repasses às entidades ao orçamento da pasta – evitando, assim, o desajuste que gerou o atraso nos repasses em 2014.
A SES ressalta que estão rigorosamente em dia os valores previstos a partir de dezembro de 2014. Assim, já foram pagos neste ano aos hospitais gaúchos R$ 352,5 milhões do Tesouro do Estado.
Em relação aos recursos pendentes anteriores a esse período, que deixaram de ser pagos pela última gestão por um comprometimento acima da capacidade orçamentária, a quitação dos mesmos será feita de acordo com o fluxo de caixa do Tesouro estadual. Estão em aberto repasses de R$ 151 milhões.
A Secretaria Estadual da Saúde salienta que – mesmo com os cortes no custeio e investimentos de todos os órgãos estaduais frente às limitações financeiras do Estado – está assegurada para 2015 a destinação dos 12% da receita líquida para a área da saúde.