![Além do transporte públicos, estudantes foram às ruas contra a Copa e fizeram manifestações por políticas de assistência estudantil |Foto: Vinícius Roratto/Sul21.](https://www.sul21.com.br/jornal/wp-content/uploads/2014/02/20140220por-vinicius-roratto-6642.jpg)
Caio Venâncio
Após um 2013 de grandes manifestações, com milhões de jovens protestando pelas ruas do país, 2014 foi um ano diferente para o movimento estudantil. Os atos continuaram ocorrendo, mas, no geral, perderam seu caráter de massas e voltaram a ter como foco pautas específicas, o oposto do que se viu em junho de 2013, por exemplo. Entidades como Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs), Centros e Diretórios Acadêmicos (CAs e DAs, respectivamente) das principais universidades de Porto Alegre concentraram seus esforços nas lutas por democracia e por transporte, alimentação e moradia, também conhecidos como assistência estudantil.
Em 2013, o Bloco de Lutas pelo Transporte Público adquiriu relevância na discussão de um transporte público gratuito e de qualidade em Porto Alegre promovendo grandes manifestações. A bem da verdade, os protestos do Bloco deram início ao que depois se alastraria pelo país, já com uma conotação diferente, e resultaria nas memoráveis Jornadas de Junho. De concreto, na Capital, ficou a revogação do aumento da passagem.
Neste ano, porém, a conjuntura era outra. Apesar do desejo de repetir o que havia sido feito nos 12 meses anteriores, o ânimo daqueles que foram às ruas parecia não ser o mesmo. O valor da passagem foi reajustado, passando para os atuais R$2,95. Com isso, o Bloco de Lutas, formado por diversos coletivos políticos, a maioria integrados majoritariamente por jovens, retomou a mobilização. Atos ocorreram desde o final do mês de janeiro. Diferente de 2013, agora o transporte público não era o único foco do Bloco. A pauta havia sido expandida, abrindo espaço também para o movimento contra a Copa, questionando as remoções ocorridas em Porto Alegre e nas outras cidades-sede do evento, além do “Estado de Exceção” imposto pela FIFA.
Ainda no final do mês de janeiro, a histórica greve dos rodoviários, que paralisou os ônibus da cidade por 15 dias, deu novo combustível às manifestações do Bloco. No dia 1° de fevereiro, o protesto chamado pelo Bloco em apoio à greve dos motoristas e cobradores da cidade reuniu mais de mil pessoas. Naquela mesma tarde, em assembleia no Ginásio Tesourinha, a categoria decidiu que a paralisação continuaria. Além disso, pelo menos quatro militantes foram detidos na ocasião e soltos ainda naquela noite. Ainda a alguns meses da realização da Copa do Mundo, havia quem acreditasse que os protestos que pediam o fim do evento esportivo fossem obter sucesso. O rodoviário, delegado sindical da Carris e membro do comando de greve, Luís Afonso Martins, por exemplo, afirmava que “a unidade entre o Bloco de Luta e os rodoviários está apenas começando, vamos parar Porto Alegre e não vai ter Copa”. Mal sabia ele que seria traído pelos acontecimentos dentro de pouco tempo.
![No começo de fevereiro, o Bloco de Lutas foi às ruas apoiar a greve dos rodoviários na Capital | Foto: Ramiro Furquim/Sul21](https://www.sul21.com.br/jornal/wp-content/uploads/2014/02/20140201por-ramiro-furquim-_oaf0549.jpg)
Uma semana depois, no dia 7 de fevereiro, uma nova manifestação ocorreu. Ali, líderes do Bloco adiantavam que a estratégia seria a de convocar atos semanais. Alguns lamentavam que a radicalidade dos manifestantes não era a mesma de 2013, porém mesmo assim apostavam na tática do ano anterior de convocar manifestações com muita frequência.
Cumprindo com o prometido, no dia 21 de fevereiro, já após o término da greve dos rodoviários, o Bloco foi às ruas novamente. No entanto, agora o número de pessoas na marcha – cerca de 250 pessoas, conforme matéria do Sul 21 – era consideravelmente menor do que em oportunidades anteriores. A aparência era de que quanto mais foco se dava ao movimento contra a Copa menos gente se sentia disposta a ir aos protestos. Percebendo que no país do futebol seria difícil fazer com que uma bandeira tão radical contra o torneio que reuniria 32 seleções ganhasse popularidade, aos poucos, entre boa parte daqueles que se mantinham na luta, o grito se tornou “Da Copa abrimos mão; mais saúde e mais educação”. Entretanto, com o encolhimento dos atos, o comando deles passou cada vez mais a setores de vanguarda, que pareciam não saber equilibrar a radicalidade com a capacidade de diálogo. Prova disso foi a polêmica envolvendo uma pichação em frente à sede do Partido dos Trabalhadores. O Bloco, do qual o PT fora expulso no ano anterior, ia trilhando o caminho para o ostracismo.
![Durante o mês de fevereiro, O bloco de Lutas fez várias manifestações|Foto: Vinícius Roratto/Sul 21](https://www.sul21.com.br/jornal/wp-content/uploads/2014/02/20140220por-vinicius-roratto-6905.jpg)
No dia 10 de março, a Prefeitura promoveu uma audiência pública para discutir o transporte no ginásio Tesourinha. Mais de 600 pessoas compareceram. Contudo, a aguardada discussão não ocorreu. O Bloco havia deliberado internamente que não iria reconhecer aquela audiência, pois ela era “dos empresários”, e tentaria evitar que ela ocorresse. Dito e feito, no dia, militantes iniciaram um tumulto e, com a reação da Guarda Municipal, o conflito teve início, com direito à utilização de pistolas Teaser, que dão choques. Diante disso, a Prefeitura argumentou que tentou realizar uma audiência, porém isto não havia sido possível e nenhum novo encontro seria chamado. A partir daí, o Bloco não conseguiu mais reunir grupos numericamente expressivos em suas manifestações, que acabaram se tornando assembleias populares, panfletagens, coletas de assinaturas e acampamentos em frente à Prefeitura.
Em abril, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), ocorreu a eleição para o Diretório Central dos Estudantes (DCE), com cinco chapas na disputa. A chapa “Nossa Voz, Uma Só Nota”, de situação, foi a vencedora, impedindo o retorno do grupo conservador ao comando da entidade. No restante do ano, a gestão do DCE da maior universidade privada da região sul do Brasil foi marcada pela promoção de debates políticos sobre temas como, por exemplo, o Plebiscito Popular pela Reforma Política, festas, luta por um Restaurante Universitário (RU) barato e de qualidade, além do enfrentamento ao aumento das mensalidades.
Ainda na PUCRS, em novembro, uma eleição ocorreu para tentar renovar o Centro Acadêmico Maurício Cardoso (CAMC), que representa os estudantes de Direito, e é controlado há pelo menos uma década por um grupo conservador que não convoca sequer eleições. Obviamente, a eleição não foi reconhecida pela atual gestão do CAMC, que questionou-a na Justiça. Com isso, o futuro do centro acadêmico tramita nos tribunais, já que existem processos referentes a outros pleitos que transcorrem na Justiça.
![Em maio, estudantes ocuparam a direção da faculdade Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Foto: Ramiro Furquim/Sul21](https://www.sul21.com.br/jornal/wp-content/uploads/2014/05/20140506por-ramiro-furquim-_oaf3217.jpg)
Maio foi um mês agitado no movimento estudantil. No dia 5, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estudantes ocuparam o prédio da direção da faculdade, também conhecido como Castelinho, exigindo a anulação de um concurso para docência em que houve desfavorecimento explícito a um dos candidatos . Com dificuldade de diálogo com a direção do curso e uma intensa discussão judicial envolvendo a reintegração de posse do Castelinho, o movimento durou 31 dias e saiu vitorioso, conquistando a anulação do concurso e avanços materiais para o CAAR.
Ainda em maio, mais precisamente no dia 14, também na UFRGS, estudantes de diferentes cursos ocuparam a Reitoria da universidade. Poucos dias antes, na faculdade de Educação Física, a Brigada Militar adentrou no campus e agiu com violência, o que foi o fator desencadeante do movimento, que trazia também bandeiras como o aprimoramento e expansão da Casa do Estudante, RU, assistência estudantil, segurança, infraestrutura, entre outras. Além das questões estritamente estudantis, como a luta pelo fim da Resolução 19, que dispõe sobre o desempenho acadêmico necessário para que o aluno se mantenha na universidade, o movimento também trouxe à tona pautas como o fim das terceirizações na UFRGS e o pedido de revogação do contrato de cooperação com a empresa Elbit Systems, desenvolvedora de tecnologia bélica para o Estado de Israel.
Assim como na ocupação do Castelinho, o movimento que tomou a Reitoria da UFRGS também se envolveu com discussões judiciais . Ao fim de dez dias, os estudantes desocuparam o local , saindo com importantes conquistas que beneficiam mais de dois mil acadêmicos: concessão de um valor de R$ 200,00 mensais para os moradores das casas de estudantes que estejam inseridos no programa de auxílios da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), referente aos custos com refeições nos finais de semanas e nos feriados, quando o Restaurante Universitário (RU) fica fechado; a gratuidade do RU para os alunos que são bolsistas junto à PRAE; e o compromisso de que o movimento que ocupa a Reitoria não sofrerá nenhum tipo de retaliação pela universidade.
![O saguão da Reitoria da UFRGS também foi ocupado por estudantes, durante o mês de maio |Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21](https://www.sul21.com.br/jornal/wp-content/uploads/2014/05/20140521por-bernardo-jardim-ribeiro-_dsc0839.jpg)
Ainda em maio, a cerca de um mês da realização da Copa do Mundo, os protestos contrários ao evento da FIFA se multiplicaram, tendo nas suas fileiras um grande número de jovens e estudantes. Na noite de 8 de maio, o Bloco de Lutas realizou uma manifestação contra o evento esportivo que reuniu cerca de 200 pessoas. Além da Copa, o ato era dirigido contra o grupo RBS, cujo jornal Zero Hora completara 50 anos no dia 4 de maio. No dia 15 de maio, uma manifestação nacional contra o evento da FIFA também foi realizada em Porto Alegre, mas não foi capaz de mobilizar um número de pessoas que lembrasse as multidões de 2013. Na época, as atenções da maioria da população pareciam estar mais voltadas para a busca da seleção brasileira pelo hexa, que mais uma vez foi adiado, do que no legado negativo da Copa.
Em junho, já durante a Copa do Mundo, protestos ocorreram, mas foram extremamente diminutos, talvez em razão do cerco policial, talvez porque, com os jogos sendo transmitidos em TV aberta, o foco do povo já era aquilo que se passava dentro das quatro linhas. No fim das contas, ao contrário do que pode ter parecido em algum momento, a Copa ocorreu, sim, e conquistou a simpatia até mesmo daqueles que antes protestavam contra ela.
![Em junho, durante a realização da Copa do Mundo, ocorreram manifestações na Capital|Foto: Ramiro Furquim/Sul21](https://www.sul21.com.br/jornal/wp-content/uploads/2014/06/201406150015-protesto-contra-copa-porto-alegre-ramiro-furquim-_oaf8145.jpg)
Depois de passada a Copa em Porto Alegre, em julho, a luta dos estudantes de diferentes universidades por assistência estudantil teve sequência. No dia 9, foi a vez dos alunos da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) protestarem pela construção de um espaço de convivência, casa do estudante e criação de um restaurante popular, que atendesse a comunidade acadêmica e os moradores do entorno do campus, na Agronomia, na Zona Leste de Porto Alegre.
Em setembro, a compra da Faculdade Porto-Alegrense (FAPA) pela UniRitter, que já é controlada há alguns anos pelo grupo internacional de educação Laureate International Universities, motivou protestos dos alunos da instituição em vias de extinção, que temiam o encerramento de alguns cursos de graduação e a precarização da universidade, que passa a ser gerida por um grupo transnacional que é tido por ativistas do movimento estudantil como referência em mercantilização do ensino. Os antigos professores da Fapa, com seu futuro imerso em incertezas, também se mobilizaram junto a seu sindicato, o Sinpro, reivindicando sua integração ao quadro de funcionários da UniRitter.
O ano do movimento estudantil se encerrou com a disputa do maior DCE do Estado, o da UFRGS, que contou com cinco chapas na luta pelos votos daquela que seria a eleição com maior participação estudantil. Após um ano de uma gestão que se reivindicava apartidária e sofreu diversas críticas em função de sua linha política, definida como “conservadora e direitosa” pelos críticos, a esquerda retomou o controle da entidade. Com 2.643 votos, a Chapa 3 – “Podemos”, que conta com militantes do PSOL, PSTU, além de estudantes sem vínculo partidário, saiu vitoriosa, prometendo um 2015 de muita mobilização por assistência estudantil, transporte público de qualidade e luta contra todas as formas de opressão. Enfim, um pouco mais daquilo que foi visto em 2014, porque motivo pra protestar parece não estar faltando.