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6 de janeiro de 2016
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10:48

Grupos de teatro se mobilizam para manter ocupação cênica no Hospital São Pedro

Por
Sul 21
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Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Artistas de teatro conquistaram o espaço no ano passado, em cerimônia no local | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Débora Fogliatto

Há quinze anos, os pavilhões 5 e 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP) são ocupados por grupos de teatro, formando o chamando condomínio cênico. A situação foi oficializada em março de 2014, quando os prédios foram cedidos pela Secretaria Estadual de Saúde à Secretaria Estadual de Cultura (Sedac). No final de dezembro de 2015, no entanto, os grupos receberam um ofício por parte da Sedac informando que o acordo de cedência do espaço foi rescindindo, ou seja, os pavilhões voltaram a pertencer à Saúde, e portanto, o prédio não poderá mais ser utilizado por eles.

Os pavilhões, assim como os outros quatro do Hospital, são tombados como patrimônio estadual e municipal, o que significa que há limitações no tipo de reformas que podem ocorrer. Abandonados há anos, os prédios estão degradados, mas estariam em estado muito pior se não fosse sua utilização cultural, conforme afirmam os artistas. “Os prédios não servem mais para Saúde. Quando chegamos lá, não tinha banheiro, por exemplo, mas começamos a refazer banheiro, caixa de luz, teve a Bienal lá, filmes que foram gravados lá. Nós limpamos os prédios, as calhas, mantemos eles”, explica Hamilton Leite, do grupo Oigalê.

Por serem tombados, os prédios só podem ser utilizados para saúde, educação ou cultura, e não para fins comerciais. Devido a questões de legislação, porém, os antigos pavilhões, construídos nos anos 1800, não servem mais como hospital ou instalações de saúde em geral. “Os prédios históricos não poderiam ter uma função hospitalar. E seria mais barato construir algo novo do que conseguir reformar”, defende Hamilton.

Dentre os cinco grupos que ocupam o local, dois nasceram lá dentro. É o caso do Neelic, fundado por Desirée Pessoa em 2003. Ela relata que, com a chegada dos artistas, os prédios abandonados foram ressignificados perante os pacientes, trabalhadores e sociedade. “As pessoas tinham medo daquele lugar, elas não acessavam. Então é a ideia de ressignificar é humanizar, ter um outro tipo de discurso para esse lugar, que não é do medo”, afirma. Os grupos trabalham também com a visão de que arte é saúde preventiva, que estão conectadas, conforme ela.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Grupos utilizam os pavilhões 5 e 6 do Hospital São Pedro | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Eles acreditam na descentralizam da cultura, com o fortalecimento de um foco cultural fora do eixo central em Porto Alegre. “88% dos aparelhos públicos de cultura estão no centro de Porto Alegre, ou seja, praticamente a cada dez, nove estão no centro. E tem a ideia de dar uma outra visão para esses prédios, que durante anos foram considerados manicômios”, completa Hamilton. A ideia é que não seja feito um “elefante branco” elitizado, mas sim um local de acesso para a população em geral, especialmente as diversas comunidades no entorno e a hospitalar.

Desirée relata que, no início de 2015, houve uma reunião dos grupos com os secretários de Saúde e Cultura, em que os artistas explicaram a importância do espaço. A discussão foi iniciada após um laudo da Secretaria de Obras que apontava as necessidades de reforma no local. “Explicamos para o secretário da Saúde que aquele laudo se refere a uma parte do espaço que a gente não ocupa, que temos um projeto de reforma, que não é do nosso interesse correr risco de vida e nem colocar a vida de ninguém em risco”, relatou Desirée. Ao final desse encontro, ambos os secretários teriam concordado em deixar os grupos no local, desde que não representassem despesas para suas pastas.

O plano dos artistas é exatamente que os pavilhões sejam cedidos para os próprios grupos, para que não seja preciso haver investimentos por parte do governo estadual, mas sim seja possível participar de editais e arrecadar fundos de forma independente. Eles já têm um projeto de readequação formulado pelo Escritório Modelo Albano Volkmer, vinculado à Faculdade de Arquitetura da UFRGS, que seria pago a partir dessas iniciativas, que prevê que haja espaço para mais três grupos no local. “Faltou a etapa seguinte, que seria a transferência dos pavilhões para os grupos. E daí os grupos, a partir de órgãos como o Ministério da Cultura, de editais, conseguiriam a verba para fazer a reforma por si”, aponta Desirée.

Os artistas também relatam se sentirem desprotegidos pela Sedac, que não os representou e defendeu em nenhum momento. “Dizer que toda e qualquer conversa que a gente vá ter deve ser com a Saúde e não com a Cultura é um retrocesso. Até porque os representantes da saúde mental que estão agora não concordam com o trabalho de cultura dentro do hospital”, afirma Hamilton. Mas há diversas experiências que comprovam a importância desta intersecção entre as duas áreas, segundo ele. No final de 2015, a Secretaria da Saúde também fechou a casa de teatro voltada para pacientes da saúde mental e desmantelou a Nau da Liberdade, grupo de teatro que era parceiro da ocupação cênica.

Grupo Oigalê ensaia no pátio do São Pedro | Foto: Oigalê/Divulgação
Grupo Oigalê ensaia no pátio do São Pedro | Foto: Oigalê/Divulgação

Para ele, trata-se de uma visão política da atual gestão. “Há uma ideia de que é preciso mostrar para a sociedade que são um bando de arruaceiros que ocuparam prédios. Enquanto na verdade esses grupos têm um histórico em Porto Alegre e no país, conquistando editais do FunProArte, ganhando prêmios, se apresentando nos principais festivais do Brasil, do exterior”, conta. Para Desirée, a expulsão dos grupos é o “esvaziamento pelo esvaziamento”.

A Secretaria de Saúde afirmou, por meio de nota, que há uma reunião agendada para esta quinta-feira (7) para tratar do assunto. “O local foi interditado após vistoria da Secretaria de Obras, apresentando riscos estruturais. Tombados pelo patrimônio histórico, o local necessita passar por obras de recuperação e restauração”, explicam. Já a Secretaria de Cultura preferiu não se manifestar, apontando que a devolução foi requisitada pela Saúde.

Os artistas, porém, contestam os motivos, questionando por que o laudo foi feito apenas nos pavilhões 5 e 6, considerando que todos são interligados na mesma estrutura. “Fizeram laudo dizendo que não poderíamos estar lá por falta de condições. Mas a direção do hospital ficava dentro do pavilhão 1 há poucos anos, tem um museu no 2, então como mantém coisas institucionais dentro dos pavilhões que são do mesmo bloco? A oficina de criatividade acontece no pavilhão 4, então como eles põem em risco os próprios pacientes?”, pergunta Desirée.

No dia 27 de dezembro, alguns dias após receberem o ofício informando sobre a devolução dos prédios, os artistas lançaram uma campanha de apoio à permanência no local pelas redes sociais, que já conta com mais de 6 mil adeptos pela hashtag #EuApoioAPermanênciaDoCondomínioCênicoHpsp. Dentre os apoiadores, estão tanto pessoas ligadas à Cultura — músicos, atores, fotógrafos, bailarinos, produtores — quanto a população em geral. Após a reunião de quinta-feira, os grupos irão decidir de que formas irão continuar com a mobilização.


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