Revolução Russa -- 100 anos
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24 de outubro de 2017
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11:29

XXVIII – As almas, os tanques e a Revolução – Stalin, Parte 1

Por
Sul 21
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Stalin em 1902.

Fernando Horta

“Eu não sou um homem europeu, mas asiático. Um georgiano russificado.”

Assim se definia Iossif Vissarionovich Stalin, um georgiano nascido em 1878 (ou 1879, há aqui alguma dúvida) que viria a transformar a história do século XX, especialmente durante a segunda guerra (1939-1945). Não tinha a verve oratória de Trotsky ou o desprendimento intelectual de Lênin. Stalin se fez sentir dentro dos bolcheviques por outras características. Era um buscador de consensos, crítico pragmático e fiel a seus superiores hierárquicos. Muito menos dado às discussões teóricas do que outras conhecidas figuras do partido, Iossif tinha na coragem das ações práticas a sua principal característica.

Nascido na cidade de Gori, de família pobre e filho de um sapateiro, Soso Dzhugashvili (Soso era seu apelido de infância) cresceu e foi educado numa região de fronteira. Segundo historiadores, um local em que a diversidade étnica e cultural se fizeram presentes por anos de incursos, dominações e violências. O que fez do jovem Stalin um resistente com assombrosa capacidade de agir por debaixo dos olhos de autoridades policiais ou controles políticos.

Ainda que Stalin e seus biógrafos mais próximos exaltem a ideia de que ele teria se filiado ao marxismo com 15 anos de idade, as pesquisas atuais mostram o jovem Soso esteve ligado incialmente aos grupos “populistas” (Narodnichestvo). Esta proximidade formativa sempre fez com que a posição de Stalin frente aos camponeses fosse diferente da de Lenin ou Trotsky. Stalin, o bolchevique, defendia a necessidade de se tratar o campesinato como aliado revolucionário, que tinha um imenso papel a cumprir dentro do processo da revolução.

Por volta de 1900, as cidades perto de Gori (Tiblissi, Erevan e Baku) tiveram fortes sublevações proletárias e movimentos de contestação social. Não está clara a liderança do jovem Stalin nestes movimentos, sua participação, no entanto, é tida como certa. Junto com a literatura marxista, Soso apreciava os romances heroicos cuja figura do libertador, inundado de nobreza e coragem, lutava contra os injustos e desonestos. De alguma forma, este tipo de registro cultural manteve-se por toda a vida, dentro do papel que Stalin se delegava.

Stalin supostamente em 1918.

Dos seminários religiosos educacionais às leituras proibidas, o jovem Soso foi formando-se entre os anos de 1870 e 1900 um revolucionário. A figura do estudante rebelde georgiano Lado Ketskhoveli foi uma das maiores inspirações para Stalin. Entre os anos 1870 e 1890 a Rússia foi inundada com jovens revolucionários que sonhavam com o fim do czarismo, Stalin não foi exceção. Os registros escolares de Soso, entretanto, não mostram o nível de oposição às regras e aos professores que seria de se esperar de um revolucionário. Durante seus seis anos na escola, Stalin foi punido uma única vez por se atrasar a uma missa. Ou era genial em esconder suas atividades ou tinha bons amigos entre a diretoria do liceu.

Apenas em 1901 o nome “Dzhugashvili” aparece nos registros da polícia russa como “agitador”, com o indicativo de que Stalin “se portava de maneira muito cautelosa em seus atos”. “Ele não era talhado para a educação ou tinha o temperamento para ensinar os trabalhadores sobre ‘ciências, sociologia ou cultura’. Em outras palavras, ele deu seu primeiro passo [em direção ao partido] diferenciando-se como ‘um homem do povo (praktik)’ daqueles que eram os intelectuais (teoretiki)”, segundo Alfred Rieber.

Aos 22 anos, Stalin seria preso e exilado. Saindo pela primeira vez da região do Cáucaso. Parece paradoxal que o czarismo, ao prender e deportar revolucionários e agitadores por todo seu império, tenha proporcionado a estes indivíduos contatos e aprendizagens essenciais para que viessem a organizarem-se em um partido que busca a mudança do regime histórico. A Sibéria seria o ponto de encontro de todas as mentes que planejavam e agiam contra o regime.

Apesar da clara preponderância que os Mencheviques tinham sobre o movimento proletário da Geórgia, Stalin é eleito em 1905 como um dos líderes dos bolcheviques na região com a missão de representar o grupo na conferência de São Petersburgo, momento em que conheceria Lênin pessoalmente pela primeira vez.

Entre 1905 e 1910 inúmeras operações de “expropriação” são creditadas a Stalin e seu grupo. Nem todas podem ser comprovadas, mas o fato é que as ações de Stalin contribuíram para que os bolcheviques tivessem condições financeiras para editar jornais, fazer congressos e até manter exilados importantes líderes. Foi o trabalho dos “homens do povo” que permitiu que os “teóricos” tivessem condições de produzir. E Stalin nunca se esqueceu disto. No final dos anos 20, após vencer as disputas internas dentro do partido (depois da morte de Lênin), Stalin diria que “720 mil dos nossos compatriotas votaram em nossas ideias. Votaram nas ideias dos ‘revolucionários de segundo escalão’”, numa clara referência ao pedantismo com que reconhecia Trotsky.

Stalin dizia que “a formação das almas é tão importante quanto a dos tanques para o processo da revolução”. A frase mostra o nível de pragmatismo do líder bolchevique. Almas e tanques têm igual peso e precisam ser igualmente produzidas. Uma boa parte de sua literatura dirigia-se a como dar a conhecer o marxismo para os estratos mais pobres da população. Grupos dos quais o próprio Stalin emergira. E Soso afirmava que “os que querem conhecer Marx não podem começar pelos escritos de Lênin ou Stalin, mas por suas [dos que querem conhecer] próprias biografias”.

Uma das poucas fotos de Stalin e Trotsky juntos. No funeral do líder bolchevique Felix Dzershinsky. À frente, Makhail Kalinin.

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