Revolução Russa -- 100 anos
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17 de outubro de 2017
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11:54

A Kerenschina

Por
Sul 21
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Stalin, Lênin e Trotsy, em foto de 1917.

Fernando Horta

Entre a tentativa do golpe de Kornilov, em 26 de agosto (7 de setembro) e o Levante de Outubro, em 24-25 de outubro (6-7 novembro) o governo de Kerensky se desfazia diariamente. A situação deu origem ao nome “Kerenchina”, cujo sufixo em russo denota algo pejorativo. De fato, a violência ocorria por todos os pontos da Rússia, fosse no campo ou na cidade sem que o governo pudesse fazer algo para impedir.

Kerensky, que havia suportado o golpe de Kornilov, precisava se equilibrar sobre duas forças opostas, sem que nenhuma tivesse primazia sobre a outra: pensava em não punir a tentativa de golpe de Kornilov para não permitir aos bolcheviques um ganho relativo de poder, da mesma forma que tinha usado os bolcheviques (libertando seus líderes) contra o golpe de Kornilov. Esta tática, apesar de ser a única disponível ao líder do governo provisório, acabava por erodir, ainda mais, o apoio político interno ao governo.

As cisões, contudo, dentre as diversas linhas representativas dentro dos soviets pareciam tornar impossível uma união e uma ação militar imediata. Os mencheviques de Martov continuavam convencidos da necessidade de uma revolução burguesa capitalista que desenvolvesse as forças de produção (economia) na Rússia. Os Social Revolucionários viam com dúvidas a possibilidade de uma ação armada sair-se bem sucedida, ainda que o governo estivesse enfraquecido e o exército desmobilizado.

Apenas os bolcheviques – e dentro deles Lênin – apontavam para o caminho da insurreição armada imediata. Em 29 de setembro (12 de outubro) de 1917, Lênin publicava um libelo a ser distribuído aos trabalhadores com o título “A Crise está madura”, no qual pede ação imediata, sem esperar qualquer reunião ou deliberação do Congresso de Soviets:

(…) E é fora de dúvida que os bolcheviques, se se deixassem apanhar na armadilha das ilusões constitucionais, da ‘fé’ nos Congressos de Soviets e na convocação a Assembléia Constituinte, na armadilha da ‘espera do Congresso dos Sovites’ etc. – não há dúvida que esses bolcheviques seriam traidores desprezíveis da causa do proletariado. (…) A crise está madura – todo o futuro da Revolução Russa está em jogo (…).

Divisão de artilharia sob comando dos soviets em outubro de 1917

Sobre todos os hesitantes daquela época, Lênin exortava a ação. Duas figuras concordavam com Lênin: de um lado um lado um intelectual e orador brilhante que havia por diversas vezes se colocado de forma contrária a Lênin – Lev Bronstein (Trotsky) e, de outro lado, um georgiano chamado Iossif Djugashvili. Enquanto Trotsky tinha a verve e a retórica para discussões e mobilizações de massa, Djugashvili tinha sido a “mão oculta” dos bolcheviques, desde 1906, chefiando operações de “desapropriações” que permitiram que o partido tivesse dinheiro até para financiar os jornais. Djugashvili ainda tinha sido fiel a Lênin em todos os momentos, servindo como sua voz quando o líder bolchevique buscava asilo fora da Rússia. Djugashvili viria a ser chamado depois de Stalin.

O governo de Kerensky ainda era pressionado pelos aliados a não retirar a Rússia da guerra e não fazer qualquer paz em separado. O líder do governo provisório sabia que sua única chance era estabelecer paz coma Aústria e retirar daquele front as únicas companhias de soldados russos que ainda tinham alguma capacidade de batalha. Trazer estes grupamentos para a Rússia e combater os bolcheviques apoiado na dissidência menchevique e dos social revolucionários, contrários a Lênin e os bolcheviques.

Lênin alertava que o tempo poderia ser tudo o que Kerensky precisava para organizar uma forma de dissolver os soviets. Era preciso uma ação imediata, que tomasse o poder efetivo e o colocasse à disposição dos soviets. Ao mesmo tempo que exortava a tomada de poder, Lênin agia politicamente para que os bolcheviques se tornassem maioria dentro dos postos de comando dos soviets, revertendo uma tendência de maioria menchevique que vinha desde fevereiro. A posição vacilante ou mesmo abertamente contrária à ação armada jogava politicamente a favor da tese de Lênin.

Avanço sobre o Palácio de Inverno, em outubro de 1917.

O ponto de inflexão foi o surgimento de uma narrativa que afirmava que Kerensky pretendia transferir a capital para Moscou e deixar Petrogrado cair nas mãos de alemães. Assim, os bolcheviques se veriam às voltas com a defesa do território russo e não poderiam se preocupar com a tomada do governo. Ao mesmo tempo, Moscou havia se mostrado muito mais branda com os contra-revolucionários, desde os desfiles de Kornilov. Ainda que o território russo fosse invadido, Kerensky imaginava poder lançar os bolcheviques e os alemães em disputa, enquanto reorganizava uma “guerra patriótica”, cujo objetivo primeiro seria, por óbvio, a dissolução dos soviets.

Com Lênin, Trostky e Stalin trabalhando juntos pela insurreição armada, o resultado foi o levante de 24-25 de outubro. O interessante é que foram pouquíssimos momentos na história que estes três líderes concordaram em suas visões e trabalharam efetivamente juntos por um mesmo objetivo. A aliança aqui formada seria essencial para a luta durante a Guerra Civil Russa (1918-1924). Orientados por objetivos iguais, a estratégia de Lênin, a capacidade de mobilização pessoal de Trotsky e o pragmatismo desassombrado de Stalin não encontraram oposição.

Ficha de prisão de Iossif Djugashvili (Joseph Stalin) em 1911.

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