Revolução Russa -- 100 anos
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7 de setembro de 2017
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12:00

XXIV — O golpe de Kornilov – Parte 2

Por
Sul 21
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Fernando Horta

No dia 26 de agosto (7 de setembro), Lavr Kornilov ordenava ao general Victor Krilov, comandando a chamada “Divisão Selvagem” (Дикая дивизия), que marchasse em direção a Petrogrado. Eram dois os seus objetivos: vencer militarmente a base militar do Krondstadt e acabar com ambos os soviets, do Krondstadt e de Petrogrado. A “Divisão Selvagem” era composta por oficiais czaristas, cossacos e militares contrarrevolucionários vindos de todas as partes do país, desde o Cáucaso até a Sibéria, com muitos muçulmanos. Kornilov exigia a rendição imediata dos soviets, a dissolução do governo provisório e a decretação de lei marcial em toda a Rússia, enquanto demandava de Kerensky que lhe entregasse o comando de todo o exército a fim de “conter os alemães” que, neste momento, tomavam Riga, na atual Letônia.

A Dvisão Selvagem de Kornilov, composta por muitos muçulmanos. Este fato foi um dos que permitiu que ela fosse rapidamente convencida a confraternizar com os trabalhadores em Petrogrado. Foto Ria Novosti
Novamente a “Divisão Selvagem” sob comando de Kornilov. Foto Ria Novosti

No dia 31 (12 de setembro), premidos pelo avanço do golpe de Kornilov, o soviet de Petrogrado votou, quase por unanimidade, pela aceitação da resolução bolchevique que criava – definitivamente – um governo socialista em Petrogrado e convocava a todos para a reação contra o “herói da burguesia” Kornilov. Imediatamente foi despachada uma ordem para a base do Krondstadt, pedindo uma guarnição com cinco mil homens armados e com provisões de combate para três dias. A base do Krondstadt que contava com uma diversidade política grande (incluindo aí defensores do não engajamento em nenhuma das facções), acaba – em função da ameaça militar – se unificando em torno dos bolcheviques. Esta nova postura foi chamada pelos historiadores de “O Krondstadt Vermelho” e foi decisiva para o desfecho da Revolução em Outubro.

Desde as Jornadas de Julho, os bolcheviques vinham ampliando seu apoio político. Mesmo a prisão de líderes como Trotsky e Kollontai e o exílio de Lênin não foram suficientes para arrefecer o processo de organização iniciado em julho. Não apenas os soviets, mas as organizações nas fábricas, os grupos femininos e de camponeses, foram incentivados a organizarem-se imediatamente. Apenas com a organização, dizia Lênin num artigo publicado no final de Setembro, podia-se fazer frente tanto ao governo provisório quanto ao golpe de Kornilov.

Desconfiado das intenções de Kornilov, Kerensky – segundo Marc Ferro – teria criado um estratagema de comunicação telegráfica para fazer o general confessar que tramava tomar o poder para si. O historiador Mark Steinberg afirma, de forma diferente, que Kerensky usou Kornilov para seus propósitos políticos. Especialmente depois da demonstração de força que o general dera na Convenção de Agosto, em que recebera todo o apoio dos contrarrevolucionários e do exército, em Moscou. O que ocorre de fato é que no mesmo momento que Kornilov exige a deposição dos soviets, do governo provisório e a decretação de lei marcial, Kerensky desautorizava Kornilov pedindo o povo nas ruas, denunciando o golpe e libertando bolcheviques presos. Da mesma forma, os bolcheviques demonstravam organização tanto para o combate físico (especialmente com o Krondstadt), como também Lênin acenava aos Social Revolucionários (SR’s) e aos Mencheviques uma forma de acordo. Os bolcheviques voltariam a apoiar incondicionalmente os soviets desde que os outros grupos políticos rompessem abertamente com a burguesia.

Em poucas horas, o golpe de Kornilov estava dizimado. Victor Krilov se suicidava no momento em que sua “Divisão Selvagem”, ao invés de lutar, confraternizava com os trabalhadores em Petrogrado (muito pela mediação de líderes muçulmanos nos dois lados) e entregava as armas, sob o atento olhar dos marinheiros do Krondstadt. Kornilov seria preso e acusado de alta-traição, mas poupada sua vida. O problema, dali em diante, voltaria a ser Kerensky.

Trabalhadores em Petrogrado esperando a chegada das tropas de Krilov e Kornilov. Foto Ria Novosti

A falha fragorosa do golpe dava a oportunidade de Kerensky centralizar poder através do tratamento duro para com os traidores. Kerensky, entretanto, pensava diferente. Notava que os bolcheviques aumentavam e muito o seu poder político. Ao contrário, sem Kornilov e os cossacos, ele, Kerensky, não tinha como rivalizar. Punir com rigor os golpistas seria diminuir uma eventual força a ser reunida contra os bolcheviques. A postura do líder do governo provisório foi tão acanhada que a população passou a acreditar que Kerensky era parte do golpe de Kornilov.

Tropas de Kornilov entregando armas aos soldados do Krondstat após o golpe fracassado. Foto Nicolai Kopilov

Na esteira do fracasso da contra-revolução, Trotsky era eleito presidente do soviet de Petrogrado e o Krondstadt passava totalmente a apoiar os bolcheviques. Enquanto Lênin, no final de setembro, escrevia “Todo poder aos Soviets”, sabedor de que os bolcheviques já possuíam força suficiente nestes conselhos. Ao mesmo tempo, Zinoviev e Kamenev rompiam com os bolcheviques dizendo que tanto uma ditadura de Kornilov quanto uma dos bolcheviques não eram aceitáveis. Lênin agia pela verve discursiva de Trotsky e através do pragmatismo político de Stalin. Todos trabalhando para fortalecer os bolcheviques e erodir o que restava do Governo Provisório. O golpe não apenas falhara, mas – afirmaria Kerensky em seus trabalhos publicados quando nos EUA – entregava para os bolcheviques um poder tamanho que rompia finalmente com o equilíbrio político interno russo e possibilitaria o Outubro.


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