Revolução Russa -- 100 anos
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30 de agosto de 2017
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17:00

XXIII — O golpe de Kornilov – Parte 1

Por
Sul 21
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Fernando Horta

Como um rio que quando se olha à distância parece seguir indisputável o seu curso, uma revolução também parece inexoravelmente desaguar em no seu fim conhecido. Somente quando a olhamos de perto, podemos ver os refluxos de água, as correntes desencontradas e tudo mais que faz da natureza humana difícil de ser apreendida por equações e previsões.


Kornilov chegando em Moscou, sob intensos aplausos em 26 agosto de 1917

Já em abril de 1917, o então Comandante-Chefe do Distrito Militar de Petrogrado, General-tenente Lavr Kornilov, fixava na parede e nos muros da cidade aviso mostrando sua inconformidade com a Revolução: “Nos dias de nossa grandiosa revolução, do depósito da artilharia de Petrogrado foram retirados 40 mil fuzis e 30 mil revólveres. Estas armas estão nas mãos da população civil de Petrogrado, mas se destinavam ao exército ativo, que se ressente de sua falta. Dirijo-me à população pedindo-lhe que as devolva.”. Kornilov, por várias vezes, havia se ressentido de não poder “dispersar as turbas” de manifestantes à tiros, eis que os soldados se recusavam a cumprir as ordens. A verdade é que o general havia várias vezes sido desmoralizado pelo soviet de Petrogrado, tendo tido diversas ordens desautorizadas.

23 de abril de 1917.

Por volta das 17 horas do dia 21 de abril de 1917, a Escola de Artilharia Mikhailovsk recebia ordem do Comandante Chefe do Distrito Militar de Petrogrado, general-tenente Kornilov, para enviar duas baterias para a praça do Palácio.

Na reunião de oficiais e soldados da escola ficou decidido que a ordem do general Kornilov não seria cumprida e que não seriam cedidos canhões para reprimir os manifestantes.

Formou-se uma comissão para esclarecer se o general Kornilov agia de acordo com o Soviete.

Elucidou-se que a ordem fora dada sem a autorização do comitê executivo do Comitê de Deputados Operários e Soldados.

O comitê comunicava que suas ordens só seriam dadas por escrito e com a assinatura de um de seus membros.

Duas horas depois, chega à escola nova ordem por escrito, anulando o pedido de canhões.

Às onze horas, a avenida Nevski voltava ao seu aspecto normal.”

Fonte: Pravda n. 39 6 de maio (23 de abril) de 1917

Em maio de 1917, Kornilov pressionava o então comandante do exército russo, general Aleksei Brusilov pela “imediata restauração dos Conselhos de Guerra e da pena de morte, no front e na retaguarda”, ao que Brusilov retorquia, dizendo que “o problema era saber quem iria executar as sentenças”. A troca de Brusilov por Kornilov no comando do exército, foi a substituição de um comandante que havia aceitado a nova realidade da Revolução por um que se negava terminantemente a aceitar. Embora não abertamente. Brusilov era, também, muito mais capaz na política do que Kornilov. Isto, afirmam alguns historiadores, serviria bem ao chefe do governo provisório, Alexander Kerensky.

Caricatura da época mostrando Kerensky como uma galinha que “chocava” os ovos do golpe de Kornilov | Imagem: Andrey Nenarokov

Entre 12 e 15 de agosto (25-28), realizou-se uma conferência de Governo em Moscou. Kerensky deveria ser a principal figura, mas ficou impressionado com as salvas e os vivas dados ao novo herói da burguesia contrarrevolucionária. Kornilov chegava nos braços da esperança das elites para terminar com a revolução. Elites que já não acreditavam mais em Kerensky. Os métodos de Kornilov não eram, de modo algum, preocupantes para os contrarrevolucionários, o importante era acabar com os soviets, destruir os bolcheviques e retomar a Rússia. A ideia era jogar Moscou contra Petrogrado, indiferente ao custo humano disto.

Numa grande mistura de conspiração com uma série de desentendimentos, o chamado “Kornilov Affair” foi o que de mais próximo a contrarrevolução teve à sua disposição. Com Lênin exilado na Finlândia, vários líderes bolcheviques presos e um general alçado à condição de “herói de guerra”, faltava apenas infundir medo nas classes médias e contar com a desorganização dos trabalhadores. A tomada, pelas forças alemãs, da cidade de Riga (atual Letônia) e as tentativas de emancipação dos Finlandeses faziam com que as classes médias pudessem sentir efetivamente o medo de a Rússia ser tomada na guerra.

Kornilov tinha uma resposta fácil: era preciso retomar a hierarquia e a disciplina no exército. Com isto, reorganizar as forças coercitivas da Rússia, interna e externamente. Para então acabar com os bolcheviques, com a revolução e proteger a Rússia das investidas alemãs. A verdade é que Kornilov contou com a ajuda de Kerensky ao colocar-lhe na condição de comandante do exército. Se Kerensky participou do planejamento do golpe frustrado (e retirou-se deste na última hora para não ser destituído) ou se somente muito tarde deu-se conta de que Kornilov tentava criar uma ditadura militar e derrogar todo o Governo Provisório, é uma questão a que os historiadores ainda não conseguiram um consenso.

O fato é que a Revolução sofria seu ataque mais incisivo. Os trabalhadores precisavam mostrar que a desorganização das “jornadas de julho” tinha sido superada e que era possível enfrentar um inimigo interno com apoio social e muito armamento.

Quadro da pintora Shestopalova sobre a mobilização de trabalhadores em Petrogrado contra o golpe de Kornilov, agosto de 1917 | Imagem: Ria Novosti

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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