Revolução Russa -- 100 anos
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8 de agosto de 2017
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14:17

XXI — O Braço da Contra-Revolução: Kornilov

Por
Sul 21
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Fernando Horta

Nascido na gelada e distante Sibéria, em 1870, o militar Lavr Kornilov tornou-se comandante do distrito militar de Petrogrado em março de 1917. Apenas quatro meses depois, em 18 (31) de julho mesmo não sendo um general mais graduado ou mais velho, chegou à condição de Comandante em Chefe dos exércitos russos, nomeado pelo primeiro ministro Alexander Kerenski. A contra-revolução tinha, enfim, o seu herói.

General Lavr Kornilov em 1917. Domínio Público.

A ascensão rápida ao comando do exército russo é motivo de discussão entre os historiadores. Se bem é verdade que Kornilov havia se destacado no desastre que foi a ofensiva de junho de 1917, abrindo caminho para permitir o recuo de exércitos inteiros que, de outra forma, seriam mortos pelas forças alemãs, sua origem humilde (como filho de um pequeno proprietário de terras) fazia muito sentido num governo que lutava por evitar ser visto como elitista ou contra-revolucionário.

Comandando o 8º exército russo, Kornilov fez de sua audácia e indisciplina (negando-se a abandonar o front) o caminho para se tornar uma peça-chave dentro da Revolução. Suas ideias sobre como reaver o comando, a ordem e a disciplina sobre os exércitos, foram, contudo, decisivas no convencimento de Kerenski. Desde o início de julho, quando ficou evidente que os bolcheviques tinham um certo controle sobre fortes contingentes armados (Krondstadt, entre outros), o Governo Provisório definira que era preciso lutar pelas mentes e consciências dos soldados.

Reunião do Comando Militar Russo em 1917 (ao centro o general comandante Alekseev. Chama a atenção a ausência de Kornilov. Ele não era um dos generais mais velhos ou dos mais graduados. Foto: Anton Denikin

Enquanto os bolcheviques seguiam firmes no discurso do pacifismo, defendendo a retirada imediata da Rússia da guerra, Kornilov construía um discurso mais próximo de um meio termo entre os nacionalistas e o governo provisório: era preciso parar de lutar, reagrupar, reorganizar o exército para – somente depois disto – retornar ao front. O apelo pela salvação das vidas dos soldados era um ponto forte a concorrer pelo apoio deles, a promessa de reorganização e retorno ao front era o ponto que fazia de Kornilov um efetivo general do Governo Provisório.

No meio destas duas posições (a retirada estratégica e o retorno ao front) estava, como objetivo silente, a diminuição do poder dos bolcheviques sobre o exército. A estratégia, usada desde o início do confronto (de mandar nas linhas de frente exatamente os mais revolucionários) não tinha dado resultado. De fato, os bolcheviques aumentaram a força dos seus discursos com as deserções no front, e conseguiram até que fosse proibida a pena capital aos soldados desertores.

A crise de julho propiciou para Kornilov um espaço de manobras a partir da caça aos líderes bolcheviques (Lênin exilado, Trostky e Kollontai, entre outros, presos). A percepção de Kornilov, entretanto, falhava ao pensar na revolução como uma “guerra interna”:

De acordo com os relatórios do front, muitos exércitos não conseguiram manter a ordem, perderam posições ou não puderam apoiar outros soldados. Cada ordem de combate passou a ser discutida em reuniões. Em todas as estradas existem multidões de soldados que desertaram de suas unidades, fazendo saques e violência de toda a sorte. Eu exijo que os chefes militares tomem medidas graves contra os traidores. Eu quero que fuzilem desertores e ladrões e exponham os corpos dos executados nas estradas, em locais de destaque, com inscrições apropriadas” Lavr Kornilov 8 (21)/07/2017

Kornilov chega a Moscou em setembro de 1917. Talvez no ápice de sua popularidade como líder da contra-revolução. Foto Anton Denikin

Kornilov acreditava que sem as lideranças, os bolcheviques poderiam ser dispersados e mortos, retomando o controle sobe o exército. O que o general parece não ter entendido é que os bolcheviques mais receberam o apoio dos soviets das guarnições militares do que criaram este apoio efetivamente. Os soldados se recusavam a colocar suas vidas em risco mantendo-se na guerra, e a tentativa do general de retomar o fuzilamento por traição ou deserção não era uma medida que lhe ajudasse a obter apoio.

Se os bolcheviques evitavam o uso da violência por medo de seu descontrole, o general acreditava que somente com mais violência seria reestabelecida a ordem. Ordem tão necessária para acabar com a revolução e vencer a guerra. Lavr Kornilov se tornou, de junho de 1917 até abril de 1918 (data da sua morte) a contra-revolução de uniforme. Tentou dar um golpe no início de setembro e, depois, organizou os “Russos Brancos”, que fariam oposição aos bolcheviques na guerra que se seguiu a Outubro de 1917.

Kornilov coordenou a conhecida “Marcha do Gelo” quando a oposição aos bolcheviques marchou de Moscou em direção ao Mar Negro, fugindo dos muito mais numerosos exércitos bolcheviques. O velho general faleceria, depois de mais de cinco meses de uma guerra de movimento cheia de escaramuças. Lênin, ao saber da morte de Kornilov, em 10 abril de 1918, afirmou: “Pode-se dizer, com certeza, que a guerra civil está terminada”. O esforço de Kornilov, tornado quase em lenda, fortaleceu a resistência aos exércitos vermelhos. A Guerra Civil duraria, a despeito da previsão de Lênin, até o final de 1922.


O caminho percorrido durante a “Marcha do Gelo”. De Rostov (próximo a Moscou) até quase o Mar Negro, milhares de “Russos Brancos” (opositores aos bolcheviques) marcharam por cinco meses buscando abrigo dos ataques vermelhos.

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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