Revolução Russa -- 100 anos
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12 de junho de 2017
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11:38

XVII – Alexander Kerensky, e a manutenção fria do poder

Por
Sul 21
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Fernando Horta

Todas as tentativas de criar anarquia e desordem, não importando de onde vêm, serão coibidas sem piedade em nome do sangue destas vítimas inocentes”. Foi assim que Alexander Kerensky discursou em um funeral de Cossacos (polícia russa anterior à Revolução Soviética) que foram mortos durante a chamada “Crise de Junho”. A ofensiva Kerensky-Brusilov em junho-julho de 1917 havia reativado a pena de morte para soldados que se negassem a avançar no front e aumentado o alistamento forçado, levando a novos protestos, especialmente em Petrogrado. O advogado Kerensky queria parecer um “líder político forte, capaz de acabar com a anarquia”, segundo o historiador Mark Steinberg. O uma-vez-socialista Kerensky transladava o centro do Governo Provisório para o Palácio de Inverno (o principal local de poder símbolo do czarismo) num gesto bastante revelador.

Kerensky ao centro, em agosto de 1917 em visita à família real dos Romanov. Foto Andrey Nenarokov

Advogado, proprietário de terras e de origem nobre, Alexander Kerensky nasceu em 1881 em Simbirsk, parte mais europeia da Rússia. Kerensky foi, sem dúvida, o grande antagonista prático a Lênin, durante todo o processo da revolução. Se o líder bolchevique tem sua postura política claramente delimitada, o mesmo não ocorre com Kerensky. Segundo o historiador Marc Ferro, Kerensky era um “trabalhista que contava com a simpatia do povo e era contrário ao que chamava de ‘militantes’”. Esta postura, entendida como moderada, permitiu a Kerensky obter apoio em diversos grupos políticos entre fevereiro e outubro de 1917. Tendo, em 1904, participado dos grupos Social-Revolucionários (SR’s), contava com apoio destes, sobretudo os mais de centro. Quando do movimento de Fevereiro, rapidamente tomou (com apoio dos Mencheviques) o controle dos soviets, se colocando como interlocutor entre as antigas formas de poder e a nova revolução.

Ainda durante o governo do príncipe Lvov (governo provisório), Kerensky era visto como “socialista” e foi colocado no cargo de Ministro da Justiça. A tentativa de fazer parecer que existia um “governo de coalizão” era constantemente denunciada por Lênin e pelos bolcheviques. Com o acirramento das disputas, em abril, Kerensky se aproxima cada vez mais dos grupos contra-revolucionários. O ministro chega a afirmar que “não tenho mais a antiga certeza de que não estamos diante de escravos rebeldes, mas de cidadãos conscientes” no sentido de deslegitimar abertamente as manifestações e os revolucionários.

Kerensky e o general Brusilov exortando tropas para ofensiva de junho-julho de 1917 | Foto: Zvetsia Pravda

Após as crises de abril, o discurso de Kerensky em favor da “ordem” lhe rendeu o cargo de Ministro da Guerra e da Marinha, na reconfiguração de poder ocorrida em maio. É de Kerensky o plano de fazer a “Grande Calúnia”, quando, em acordo com o Kaiser (líder da Alemanha), o governo provisório imprimiu diversos jornais e panfletos acusando Lênin de ser um espião alemão usado para destruir a Rússia. Alguns historiadores afirmam que Kerensky, até maio, não tinha uma postura anti-bolchevista. Se isto é verdade, a partir do final de maio e junho a perseguição empreendida a Lênin (que se exila na Finlândia) fica evidente.

É de Kerensky a ideia da fracassada ação militar sob o comando de Brusilov, em junho-julho de 1917. Quanto mais Kerensky cometia erros estratégicos que custavam milhares de vidas russas, mais ele diversificava seu discurso, intercambiando as palavras “liberdade” e “revolução”, demonstrando que buscava apoio em quaisquer grupos para manter-se no poder. Em junho, por exemplo, Kerensky pedia que os soldados tivessem “consciência revolucionária” e que se preciso fosse “morressem com honra diante do mundo em nome da liberdade e da revolução”. Seus pedidos eram complementados com a ameaça velada da lei marcial por ele instituída:

Avante, pela liberdade, pela terra. Lembrai-vos: aquele que olhar para trás, parar ou recuar, perderá tudo” (conforme discurso de 07 de junho 1917)

Charge de jornais russos em setembro de 1917 mostrando Kerensky “chocando” o golpe do general Kornilov, representado ao centro. | Imagem Andrey Nenarokov

A verdade é que a sanha por se manter no poder gestou o fracassado golpe do general Kornilov (setembro de 1917). E ainda que os historiadores divirjam se o golpe foi de Kornilov apenas ou uma concertação entre Kerensky e Kornilov, a figura de Kerensky transita entre uma posição de proximidade das esquerdas, a partir de fevereiro, para ser abertamente contrarrevolucionário, a partir de junho. Da mesma forma, seus apoios políticos, que eram originalmente entre os SR’s e os Mencheviques (com sustentação nos soviets), terminam por lhe permitir a fuga da Rússia, em 26 de outubro, em um carro da embaixada norte-americana, conforme conta o historiador Nenarokov:

Às 3h10m da manhã de 26 de outubro o palácio foi ocupado e presos os membros do Govêrno Provisório. O Ministro-Presidente, A. F. Kerenski, ainda na manhã de 25 de outubro, fugiu da cidade, sob o pretexto de mobilizar tropas contra os bolcheviques. Partiu num carro, sob a bandeira norte-americana, pois apenas isto poderia transmitir-lhe uma sensação de segurança.”

Após sua deposição pela Revolução de Outubro, Kerensky viveu até 1940 na Inglaterra, onde se tornou autor de diversos livros críticos a Outubro de 1917. Em seguida, foi para os EUA, onde viveu até 1970, trabalhando em colaboração com a Universidade de Stanford, contando a Revolução pelo lado de quem foi vencido.

Alexander Kerensky nos EUA na década de 60 | Foto: Domínio Público

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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