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13 de setembro de 2017
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01:00

Não seremos a província do atraso (por Samir Oliveira)

Por
Sul 21
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Não seremos a província do atraso (por Samir Oliveira)
Não seremos a província do atraso (por Samir Oliveira)
Foto: Maia Rubim/Sul21

O que a interdição de uma exposição após críticas distorcidas e ideologicamente dirigidas na internet revela sobre nosso estado? A exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira foi encerrada pelo Santander Cultural por conta de ação orientada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) nas redes sociais.

A exposição colhe referências de diversidade e representações da comunidade LGBT na arte brasileira. O exército de ignorantes motivados do MBL espalhou a mentira de que se trata de apologia à pedofilia e à zoofilia. Associar homossexuais à bestialidade e pedofilia é uma antiga tática de difamação promovida por grupos de ódio.

Em entrevista à Rádio Guaíba, o próprio promotor da Infância e Juventude de Porto Alegre, Júlio Almeida, disse que não há nenhuma referência à pedofilia na exposição Queermuseu. “Pedofilia, por definição legal, é a utilização de criança e adolescente em cena de sexo explícito, reprodução de sexo explícito ou simulação de sexo explícito, ou ainda a exposição de genitália de criança e adolescente. Isso não existe na exposição. Pedofilia não acontece”, afirmou, após visitar o local.

Durante 26 dias a sociedade gaúcha não viu nenhum problema deste tipo com a exposição Queermuseu. Um dos quadros alvo de repúdio é o “Cena de interior II”. Trata-se de um trabalho de Adriana Varejão que denuncia a violência e as atrocidades do período colonial brasileiro. A obra faz parte do conjunto “História às margens” e já esteve exposta durante meses no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2012 – sem gerar absolutamente nenhum alarde. Adriana Varejão é uma artista mundialmente reconhecida. Em 2011, uma de suas telas, “Parede com incisões à Fontana”, foi arrematada por R$ 3 milhões num leilão em Londres.

Mas bastou chegar no Rio Grande do Sul e cair nas mãos dos brutamontes do MBL para que seu trabalho passasse a ser divulgado como “apologia à zoofilia”. Bastou a ação midiática orquestrada do MBL para que seus seguidores saíssem do breu intelectual em que se escondem, erguendo tochas e foices exigindo o linchamento de artistas.

Uma prática semelhante à adotada por regimes nazistas e fascistas. Em 2015, uma exposição na Bélgica exibiu ao público obras que o nazismo baniu da Alemanha por considerar “arte degenerada”. Nomes como Picasso e Marc Chagall estavam na lista.

A cena de membros do MBL intimidando frequentadores da exposição remete a imagens da época da ditadura, quando o Comando de Caça aos Comunistas atacou a peça Roda Viva. Os entusiastas da interdição artística em nome da “moral cristã” causam inveja a Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, e ao CCC.

Aliás, a própria ideia de que uma expressão artística com a qual não se concorde deva ser banida agrada muito aos criminosos do autoproclamado Estado Islâmico, que destroem obras históricas em nome de uma cruzada moral.

O que fará em seguida o MBL?Irá propor a interdição do Museu do Prado, em Madri, por exibir O Jardim das Delícias, de H. Bosch? Boicotará todas as representações do mito grego de Leda o Cisne, reproduzidas porpintores como Leonardo Da Vinci e Paolo Veronese – que mostram o acasalamento da rainha de Esparta com Zeus, sob a forma de um animal?

O MBL encarna o espírito atrasado dos liberais na economia e medievais nos costumes. Não nos submeteremos aos censores da província do atraso. O movimento LGBT e a classe artística estão mobilizados na defesa da liberdade e da cultura. Viva o Queermuseu!

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Samir Oliveira é jornalista e militante do Juntos LGBT.

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