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4 de novembro de 2011
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20:21

Crise do capitalismo financeiro, xenofobia e “colonização às avessas”

Por
Sul 21
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O avanço da crise econômica ameaça fazer desmoronar o Euro como moeda única e, consequentemente, enfraquecer a União Européia, que pretendeu se tornar, durante o período de hegemonia neoliberal e de desregramento dos mercados financeiros, a segunda potência econômica mundial, logo abaixo dos EUA.

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As resistências à adoção das medidas de “saneamento econômico” impostas pela comunidade econômica internacional, tendo a Alemanha e a França como baluartes europeus e negociadores junto ao Instituto Internacional de Finanças (IIF), irrompem em diferentes localidades e direções: na Espanha e em Portugal, inicialmente, na Grécia e na Itália, agora, quando direita, centro e esquerda começam a unir vozes e posições contra um novo e imaginário inimigo externo.

Os países ditos emergentes, que conseguiram se livrar das políticas ultraliberais mais cedo do que os demais e adotar medidas de incentivo à produção e valorização dos seus mercados internos, despontam agora como novas “potências” econômicas e, consequentemente, como ameaças potenciais aos sonhos hegemônicos europeus/norteamericanos.

A China, com seus mais de 1,37 bilhões de habitantes (ou seja, quase 1/5 da população mundial), seu PIB de 6,05 trilhões de dólares, suas taxas de crescimento na casa dos 10% ao ano e sua ascensão à posição de segunda potência econômica mundial, ultrapassando a UE e desbancando o Japão, começa a ser vista com o inimigo da vez.

Depois dos imigrantes “turcos” (qualquer muçulmano ou habitante do norte da África é considerado “turco” na Europa) e africanos (todos os africanos subsaarianos, exceto os brancos sulafricanos, são “africanos” na Europa) surgem agora os chineses. Não os “chinos”, imigrantes humilhados do século XIX e início do XX, nem os chineses explorados em seu próprio país durante o período colonial europeu, mas a China como Nação.

Como potência emergente, a China compra hoje as dívidas públicas dos países em dificuldades, como fez recentemente com a Espanha e Portugal e tenta fazer agora com a Grécia e a Itália.

As reações são intensas e variadas. Na França, o presidente do partido centrista MoDem, Francois Bayrou, declarou que “A ajuda da China significa uma perda de independência para a Europa. Sermos obrigados a proclamar ao mundo que vamos recorrer à China para nos reequilibramos significa que teremos menos armas para negociar assuntos cruciais com este país”. Na Itália, o atual ministro das finanças do governo direitista de Berlusconi foi ainda mais longe. Há já três anos, alertou, em um livro de sua autoria, sobre os riscos de “uma colonização invertida da Europa”.

Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes dos estudantes franceses no legendário Maio de 1968 e hoje no Partido Verde, ampliou o espectro da reação e conseguiu sintetizar a amplitude da “ameaça” quando afirmou: “Decidimos nos entregar de pés e mãos amarradas aos emergentes. Os europeus não podem discutir uma proteção contra os efeitos sociais e ambientais da globalização e pedir, ao mesmo tempo, a quem você vai negociar isso, para pagar a conta da sua crise financeira”.

Ainda que a frase de Cohn-Bendit destaque a preocupação com os “efeitos sociais e ambientais da globalização”, fica claro seu receio de os europeus virem a se “entregar de pés e mãos amarradas aos emergentes” e não apenas à China! É preciso que ninguém se esqueça, em primeiro lugar, que os “efeitos sociais e ambientais da globalização”, com a exportação da poluição e dos trabalhos em condições precárias, atingiram inicialmente os países periféricos do sistema capitalista mundial e só agora chegam, sob outras características, aos países centrais.

Em segundo lugar, causa estranheza o fato de que Cohn-Bendit possa crer que os europeus tenham o direito de tentar impor aos países emergentes fórmulas para atenuar os “efeitos sociais e ambientais da globalização”. Conforme se pode concluir de sua declaração, é somente por este motivo que os europeus não devem pedir que os emergentes paguem a conta da crise.

Na reunião do G20, que se encerra nesta sexta-feira (4) em Cannes, na França, Dilma Rousseff vem declarando que o Brasil está disposto a colaborar com o FMI para ajudar a superar a crise econômica européia. Citando a “Inclusão de 40 milhões de pessoas na classe média” no Brasil durante o período da crise mundial, Dilma sugeriu que os países desenvolvidos tomem as políticas sociais brasileiras como referência para suas ações e adotem a proposta da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de um piso único de renda como medida de proteção social mundial. Proposta, aliás, que já fora lançada pelo ex-presidente Lula, em encontros anteriores.

Por enquanto, o temor aos emergentes se concentra sobre a China. A se manter o curso da história presente, não demorará muito para que ele atinja também o Brasil. As crises econômicas mundiais têm sido, ao longo dos séculos, os estopins das mais profundas transformações ocorridas na ordem global. Os europeus, que já exerceram seu domínio sobre o mundo e que hoje atravessam a mais séria crise desde 1929, sabem o que temer.


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