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4 de julho de 2011
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03:40

O Estado precisa levar a navegação a sério

Por
Sul 21
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Reportagem publicada na semana passada pelo Sul21 sobre a projetada e ainda não concretizada travessia hidroviária Porto Alegre-Guaíba mostra a enorme defasagem do transporte fluvial e lacustre no Rio Grande do Sul. No estado com o maior potencial de navegação interna depois do Amazonas, o rodoviarismo impera soberano há 60 anos.

Com centenas de quilômetros de caminhos líquidos, o Rio Grande privilegia o transporte por rodovias e bloqueia o trem como alternativa de transporte de massa, só restando o metrô entre Porto Alegre e o vale dos Sinos como exceção à regra. Nas águas, ressalvada a travessia Rio Grande-São José do Norte – que, aliás, está em crise –, não há um único serviço público digno desse nome.

E agora temos esse lamentável caso da linha de barcos entre Porto Alegre e Guaíba. A licitação feita no ano passado depõe contra os órgãos de planejamento metropolitano. A Metroplan promoveu sozinha uma licitação que deveria ser compartilhada, no mínimo, com a Superintendência de Portos e Hidrovias. Nove meses depois de uma escolha sem concorrentes, a empresa vencedora não iniciou a prestação de serviço.

O motivo pelo qual a linha não foi ativada é prosaico: por um descuido suspeito, não se preparou a infraestrutura necessária. Além de não haver sinalização, falta dragar cerca de 15% da rota de 14,5 quilômetros entre as duas cidades. Se tudo fosse feito rapidamente, o caminho poderia estar franqueado em quatro meses. Continuando tudo dentro do marasmo habitual nas águas da SPH, a população guaibense deve esperar sentada pelo serviço que tanto anseia.

Há uma parcela considerável dos 100 mil habitantes de Guaíba que depende do transporte público para trabalhar em Porto Alegre. Diariamente, sem contar os que usam carros particulares ou de empresas, pelo menos 16 mil pessoas viajam de ônibus (ida e volta) entre as duas cidades. Com duração mínima de 50 minutos, cada trajeto custa de R$ 4,40 a 6,50, o que garante à única prestadora do serviço um faturamento anual de pelo menos R$ 40 milhões. Sem concorrência.

Se for implementado algum dia, o transporte hidroviário (também isento de competição) pretende cobrar R$ 7 por viagem, que haverá de ser feita em 20 minutos, conforme promete a concessionária do serviço. A tarifa elevada sugere que a linha será usada por uma minoria, até mesmo porque os barcos, do tipo catamarã, com casco de fibra-de-vidro, não podem transportar mais do que 120 passageiros sentados.

A pergunta que se impõe é por que tanta pressa na concessão de um serviço que não configura uma verdadeira economia de custos para a população trabalhadora? Parece uma montagem para manter todo mundo na BR-290 sob custódia de uma única transportadora rodoviária. No entanto, o transporte hidroviário pode ser uma opção vantajosa para os usuários se, em vez de barcos para 120 pessoas, fossem colocadas em serviço barcas para 400/2000 pessoas, como acontece na baía da Guanabara, onde um pool de empresas transporta 100 mil pessoas por dia, cobrando R$ 2,80 por passagem.

Numa região rica em águas como a de Porto Alegre, a retomada da rota hidroviária Guaíba-Porto Alegre poderia ser o marco de uma nova era. No entanto, a forma como se concedeu essa travessia a uma empresa de origem rodoviária demonstra haver na administração pública um desprezo latente pela navegação como modal de transporte.


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