Opinião
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13 de junho de 2024
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08:48

Um conto de um Estado e de sua Capital (por Henrique Morrone)

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Henrique Morrone (*)

Trata-se de um Estado da federação inserido em um contexto neoliberal, onde a elite local empresarial e política emprega o cálculo político-econômico cotidianamente. Com isso, há uma tendência ao curto prazismo e à ausência de planejamento de médio/longo prazo. O que vigora incessantemente é o Estado Mínimo, a busca pelo equilíbrio fiscal. 

Dada a assimetria de poder, o equilíbrio fiscal é alcançado usualmente com redução de gastos em educação e saúde, comprometendo as possibilidades de crescimento de longo prazo. Nesse cenário, os investimentos públicos também são frequentemente sacrificados. Tampouco há um esforço em gastos em infraestrutura a fim de melhorar a oferta dos serviços públicos à população, especialmente de mobilidade urbana. 

A riqueza privada e a desigualdade, esta última inerente em economias em desenvolvimento com tradição escravista, estão associadas à degradação das vias públicas, das escolas, das redes elétricas, do saneamento básico e da manutenção de parques. O fenômeno da Gentrificação é algo corriqueiro na capital, sendo o cenário marcado por grandes empreendimentos da construção civil. 

Os investimentos em infraestrutura para manutenção do Estado e da cidade são sacrificados em nome do equilíbrio fiscal. A capacidade do mercado em resolver problemas econômicos é a crença amplamente difundida. A privatização das empresas é a forma para resolver as “ineficiências” do setor público.

Em especial, a privatização das atividades de energia elétrica e saneamento/abastecimento são os principais alvos dos economistas de mercado. No afã da busca pelos lucros, os quadros mais experientes de funcionários são demitidos e a folha de pagamentos é reduzida substancialmente. Como resultado, a falta de luz e as dificuldades de abastecimento tornam-se recorrentes. 

Contudo, passa desapercebido pela elite local (conservadora e de direita) que serviços públicos e gastos em infraestrutura fazem parte da reprodução social de uma economia. Estes são centrais para a capacidade de planejamento do governo local. À medida que estes gastos se reduzem, a maior parte da população fica desatendida. O fenômeno do colapso do transporte público e a emergência da “uberização” são emblemáticos na capital de nosso Estado hipotético. 

Ademais, o Estado perde resiliência a choques “externos” como, por exemplo, excesso de chuvas seguidas de enchentes. O neoliberalismo e a busca por um Estado mínimo às custas do sucateamento de serviços públicos engendram à desorganização e à incapacidade de dar uma resposta adequada a eventos climáticos extremos. Estes provocarão a iminente perda de fertilidade do solo devido à perda de nutrientes provocada pelas enchentes. Com as catástrofes, a “elite” política é a primeira a vestir o colete da defesa civil, mas velhos hábitos são difíceis de abandonar. A fé no poder do mercado e na busca pelo equilíbrio fiscal são inabaláveis. 

Espera-se que as lideranças do Estado e da capital entendam que tanto as atividades privadas quanto sua riqueza devem ser seguidas pelo provimento de serviços e investimentos públicos adequados. A falha nesse entendimento provocará o colapso do Estado e de sua capital. 

Uma mudança de rota torna-se necessária a fim de evitar um colapso. Atentar para a complementaridade entre investimento público e privado é central e pensar o longo prazo é importante para escapar das armadilhas de curto prazo e dos velhos dogmas. 

(*) Professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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