Opinião
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17 de junho de 2024
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15:52

Porto Alegre: da tragédia à farsa (por Adriano Skrebsky Reinheimer)

 | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
| Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Adriano Skrebsky Reinheimer (*)

As inundações de 1941 marcaram a história de Porto Alegre como um evento de proporções épicas. O Rio Guaíba, hoje Lago Guaíba, transbordou, inundando grande parte da cidade, causando mortes, deslocamentos em massa e danos materiais devastadores. Essa tragédia escancarou a vulnerabilidade da capital gaúcha frente à força da natureza, exigindo respostas imediatas e medidas preventivas para evitar a repetição de tal desastre. Em maio de 2024, Porto Alegre foi novamente assolada por inundações, o que fez vir à mente de muitos porto-alegrenses a frase presente na obra seminal “O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”, do filósofo alemão Karl Marx: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”.

Assim, mais de 80 anos depois, Porto Alegre se viu novamente submersa, mas agora a situação transcendeu a mera repetição de um evento natural, assumindo contornos de farsa. A extinção do Departamento Municipal de Esgotos Pluviais (DEP) em 2017, sob a gestão do então prefeito Nelson Marchezan Júnior, configura-se como o ato inaugural dessa farsa. O DEP, responsável pela gestão do sistema de drenagem urbana, foi desmantelado, desconsiderando sua importância crucial na prevenção de inundações. Desde sua extinção, farsas em série se desenrolaram, revelando o desleixo recorrente dos gestores.

Enquanto as cheias de 1941 se encaixaram no perfil de uma tragédia, a situação recente é uma farsa grotesca, expondo falhas estruturais e negligência crônica das autoridades, passando pela falta de investimentos em infraestrutura de drenagem, pela omissão em relação às áreas de risco e pela desconsideração de alertas meteorológicos. Fatores que, aliados com as condutas das autoridades responsáveis em jogos políticos e burocráticos, atreladas ao conservadorismo e ao negacionismo climático, muito contribuíram para o cenário caótico das inundações de 2024, que deixaram a população de Porto Alegre a pagar o preço. As inundações causam transtornos imensuráveis, afetam a vida de milhares de pessoas, com perdas materiais, deslocamentos forçados e impactos psicológicos que podem durar anos, quiçá uma vida toda. Logo, a situação vivenciada em Porto Alegre exige mais do que medidas paliativas e discursos vazios. É necessário um olhar crítico e incisivo sobre as falhas estruturais e o desmazelo que transformaram as contemporâneas inundações em uma farsa.

A tragédia de 1941 foi um alerta ignorado; a farsa de 2024 exige, e exigirá do próximo prefeito, uma resposta contundente e a implementação de medidas efetivas para evitar que a história se repita, não como farsa, mas como um capítulo de superação e aprendizado. Para tal, é imperativo identificar e responsabilizar os atores que contribuíram com as inundações de maio de 2024. Isso inclui autoridades públicas, empresas privadas e indivíduos que colaboraram para a degradação ambiental e a vulnerabilidade da cidade. A população tem o direito de acesso à informação aberta e transparente sobre as medidas tomadas pelos administradores para prevenir e mitigar os impactos das inundações. A omissão e a falta de comunicação só agravarão essa situação.

A busca por soluções estruturais e sustentáveis para o problema das inundações é urgente. Isso inclui investimentos em infraestrutura de drenagem, políticas públicas de proteção ambiental e a promoção da consciência ambiental entre a população. A sociedade civil tem um papel crucial na luta contra a negligência e na busca por soluções. Mobilizações sociais, cobranças públicas e a participação ativa na construção de políticas públicas são ferramentas essenciais para a mudança.

Por fim, a sociedade espera que as inundações de Porto Alegre em 2024 sirvam como um lembrete claro de que a tragédia de 1941 não foi um evento isolado, mas sim um alerta, infelizmente, ignorado pelos atuais tomadores de decisões. O momento, a hora, é de rompermos com a farsa da repetição e partirmos para a construção de um futuro mais seguro e resiliente para a capital gaúcha.

(*) Engenheiro Civil, Servidor público efetivo do DMAE/PMPA. Ex-Diretor de Obras e Projetos do DEP (2002/2004) e Ex-Presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba (2018/2020)

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