Opinião
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4 de junho de 2024
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13:16

O prefeito da “Vakinha” (por Jonas Reis)

Vereador Jonas Reis (PT) (CMPA/Divulgação)
Vereador Jonas Reis (PT) (CMPA/Divulgação)

Jonas Reis (*)

Após três anos de desleixo com o sistema de drenagem e, mais especificamente, com o sistema de proteção contra cheias, o que levou boa parte de Porto Alegre a ficar submersa durante o mês de maio, o governo Melo agora propõe uma “vakinha” para reconstruir a cidade. Estamos atônitos. A prefeitura pede em seu site institucional: “Ajude com o valor que puder!”. Mas, em nenhum momento, o governo Melo assume qualquer responsabilidade pela tragédia, atribuindo a todos os prefeitos que passaram pelo Paço Municipal, nos últimos 50 anos, a responsabilidade pelas falhas do sistema – devidamente constatadas em vários relatórios elaborados por servidores do DMAE ao longo dos últimos anos e, agora, no documento “Manifesto aos Portoalegrenses”, assinado por mais de 400 técnicos ligados ao tema, da prefeitura e fora dela. Esse documento, inclusive, aponta para uma série de providências técnicas que foram solenemente ignoradas pelo prefeito Melo quando o recebeu, dias atrás.

Diante do caos criado pela incúria de sua gestão, o prefeito pede ajuda às empresas privadas, esquecendo que um grande número de empresas foram fortemente impactadas pelo desleixo do governo municipal e agora estão tendo que arcar com prejuízos altíssimos; e algumas, inclusive, correndo o risco de não voltarem a abrir e ter que demitir seus empregados. Muitas já decidiram fechar as portas no 4° Distrito. O mesmo governo que gastou mais de R$100 milhões para comprar livros didáticos (muitos com erros grosseiros) que o MEC distribui gratuitamente, e chromebooks para escolas que sequer podiam carregar os equipamentos por deficiências da sua rede elétrica, agora pede doações de empresários para recuperar as escolas danificadas pela tragédia sócio-ambiental que se abateu sobre Porto Alegre.

Tudo dentro da lógica privatista de sua gestão. O site da plataforma Reconstruir Porto Alegre é exemplificativo dessa perspectiva privatista. No final da página, estão os Parceiros de Porto Alegre… apenas empresas privadas. O Governo Federal, que deslocou militares das três Armas para socorrer a população de Porto Alegre; que está disponibilizando o Auxílio Reconstrução no valor de R$5.100,00 (que nem toda a população atingida de Porto Alegre ainda não está recebendo devido à incompetência do governo Melo); que deslocou a Força Nacional do SuS, com hospital de campanha; que vai financiar a aquisição de novas moradias e destinar recursos do Minha Casa, Minha Vida; as empresas públicas de saneamento que ajudaram, e ainda ajudam o DMAE, como a Sabesp, que emprestou as bombas flutuantes (trazidas pelo Governo Federal) para escoar a água de zonas alagadas, não são parceiros. Esta atitude do governo Melo, de não reconhecer as ações de outras esferas de poder e de outros entes da federação, é uma jogada eleitoreira de péssimo gosto e uma ingratidão com quem está ajudando a população de Porto Alegre. Nem os voluntários são respeitados.

Na visão privatista do atual péssimo gestor, só existe o mercado dos parceiros privados de sempre, e foi esta lógica privatista que levou ao sucateamento do DMAE para justificar a sua privatização (aprofundando a política iniciada pelo seu antecessor prefeito Nelson Marchezan Jr.), o que comprometeu a manutenção do sistema de proteção contra as cheias, causando prejuízos bilionários à cidade e afetando a vida de centenas de milhares de pessoas.

A mesma lógica que levou o atual governo municipal a liberar a construção de um mega-empreendimento imobiliário de luxo na antiga Fazenda do Arado Velho, empreendimento que vai aterrar áreas de banhado que servem com absorvedoras da água do Guaíba em épocas de cheia e retentoras de água em períodos de seca. Esta mesma subordinação do interesse público à ganância capitalista levou a gestão municipal a liberar um número cada vez maior de projetos imobiliários de alto padrão na zona sul, contribuindo para a impermeabilização do território e dificultando a penetração da água da chuva no solo, o que aumenta a vazão das redes pluviais e dos arroios, provocando alagamentos.

Com relação à impermeabilização do solo, houve um episódio que não pode ser esquecido e que foi uma antevisão do que ocorreu em maio de 2024: em setembro de 2023, o Acampamento Farroupilha alagou, com a água invadindo os piquetes. Isso ocorreu depois que o Parque Harmonia foi concedido à iniciativa privada que, com autorização da prefeitura, desmatou e colocou asfalto dentro do Parque. Depois, durante o acampamento, além dos piquetes e de alguns espaços comerciais já tradicionais, estaria cheio de quiosques, tudo atendendo ao interesse comercial. O alagamento que ocorreu durante o Acampamento Farroupilha foi uma prévia do que ocorreu agora na cidade impermeabilizada e sem drenagem eficiente.

O governo Melo colocou Porto Alegre na contramão do resto do mundo: enquanto cidades chinesas, europeias e norte-americanas buscam se tornarem “cidades-esponjas” para absorver a água da chuva e dos corpos d’água, a capital dos gaúchos vai no sentido oposto. Afinal, quem são os “caranguejos” do retrocesso?

Também, não podemos esquecer que o que está ocorrendo é fruto do aquecimento global provocado pela utilização de combustíveis fósseis e pela destruição das florestas e pelo assoreamento dos rios, provocados pelo agronegócio na eterna busca do lucro fácil. Tudo isso agravado pelo negacionismo climático da extrema-direita, que contou com o apoio do prefeito Melo na última eleição presidencial e o apoia no governo municipal.

A superação dos gravíssimos danos sofridos por Porto Alegre não virá do mercado nem de “vakinhas” virtuais debochadas, mas de planejamento participativo e de investimento público. Neste aspecto, o presidente Lula já deixou claro o seu compromisso com a reconstrução do Rio Grande e, portanto, de Porto Alegre, com o controle social da reconstrução e da aplicação dos recursos que virão do Governo Federal. O dinheiro do povo brasileiro que será investido na capital deve beneficiar o povo da periferia e a classe média, não as consultorias estrangeiras, as incorporadoras e todos os oportunistas de ocasião que aparecem na hora da tragédia.

Não aceitaremos o enriquecimento de megaempresas estrangeiras com a tragédia do povo gaúcho.

(*) Vereador, Líder da Bancada do PT, professor e doutor em Educação

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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