Opinião
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4 de junho de 2024
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12:43

O Bioma Pampa mais desmatado e degradado! (por Althen Teixeira Filho)

Foto: Valerio Pillar
Foto: Valerio Pillar

Althen Teixeira Filho (*)

Nos últimos processos eleitorais vimos surgir figuras políticas de expressiva  precariedade cultural, de sociabilidade, de saberes, de civilidade, de instrução, de luminar intelectual, de empatia, de bom senso … 

Em tais grupos, também é comum os que imaginam que a humanidade possui a mesma  capacidade e elasticidade mental que lhes caracterizam e, ouvir ou ver suas manifestações, exige  muita paciência. 

A história mostra que alguns ideários e projetos políticos da chamada “direita”  (ultradireita) serpenteiam por atitudes, onde mentiras são estrategicamente “fantasiadas” até alcançar a fronteira de uma “presumível verdade”, ou verdades são “torturadas” até o limite de  uma “crível mentira”. O propósito claro e inequívoco é, na falta de argumentos sólidos e  verdadeiros, tentar influenciar o senso comum, sempre na busca do convencimento para suas inventivas, quando não burlescas teses. Essa “indução ao falso”, então surgida como técnica de  convencimento de massas na Alemanha na década de 1930, era denominada de “Lugenpresse”  (imprensa da mentira). Hoje é rotulada como “Fake News” (notícia falsa), mas com o mesmo conteúdo incivilizado de “uma mentira repetida mil vezes, torna-se uma verdade”.  

Esta forma de conduta, sempre mostrou um postulante que peregrina na rota do  fingimento, da falseta ou da má fé. O que ocorre é uma distorção de fatos para resguardar um  “status quo”, ou atingir outros interesses pessoais inconfessáveis. 

Surgindo, assim “do nada”, lê-se num cartaz que “Pampa + preservado: Desmatamento  do bioma registra queda de 50,4% em 2023” 

Como início de reflexão, pode-se perceber que essa “informação” assim colocada é, de  fato, “desinformação”: além de não informar nada, ainda consegue desinformar tudo! 

Embora a fonte seja o respeitável e confiável MapBiomas, para que fosse minimamente  aceitável tal forma de publicação, teriam que acompanhar dados sobre qual foi o índice total de  desmate em 2023, além de um gráfico do anuário. 

Ademais, e muito importante, qual é a comparação histórica? 

Se voltarmos às informações do Sistema MapBiomas, mas agora numa análise ampla e condizente com a realidade dos fatos, lê-se que, em 2020, enquanto no Brasil o desmatamento  cresceu 13,6%, no Bioma Pampa esse número alcançou, e sob o atual governo gaúcho, o valor  absurdo de 99% .  

Nesse mesmo ano e para todo o Brasil, e agora sob um governo ultradireitista de  Bolsonaro, o cálculo é que foram abatidas 24 árvores por segundo; que praticamente todos os  alertas de desmates emitidos em 2019 têm um ou mais indícios de ilegalidades; que 99,8% deles  foram feitos sem autorização e em áreas protegidas ou desrespeitando o Código Florestal. 

Essa atitude de destruição ambiental, de abate de árvores, do “negocial” posto acima  do “humano”, do “dia do fogo” do agronegócio, da mineração que escalpela o solo, do  desmantelamento do regramento legal redigido em defesa da natureza e das pessoas,  caracteriza exatamente a conduta dessa “direita” citada logo acima.  

Continuando no respeitadíssimo MapBiomas, outro assunto tratado, que é tão  importante para a região pampeana quanto o desmatamento, refere-se à qualidade do nosso  “pasto”, do nosso solo, das nossas gramíneas, do nosso chão. 

Segundo exposição do respeitadíssimo Prof. Dr. Carlos Nabinger, professor Titular  aposentado da UFRGS, e também presente em vídeo do MapBiomas;  

“… o solo pampeano é de altíssima qualidade, atapetado por mais de 3000 espécies de  plantas, sendo 450 delas gramíneas forrageiras de qualidades inigualáveis, e com  registro de 50 diferentes espécies num metro quadrado, fato que confere uma resiliência  inigualável aos nossos campos. Sob o ponto de vista ecológico nosso Bioma Pampa é  importante, por ser uma “construção” e “organização” que a própria natureza  desenvolveu, o que dá uma importância econômica distinta, por ser uma forma de  explorar um recurso natural e sem exauri-lo.  

São mais de 450 espécies de pássaros que se contabiliza aqui no Bioma Pampa, sendo  eles, por exemplo, controladores de insetos que podem ser problemas para algumas  culturas. 

Para nós, pampeanos, nosso pasto é tão importante quanto a Floresta Amazônica!” 

Outra referência de destaque no vídeo acima, é que “nos últimos 36 anos, o Pampa  perdeu 2,5 milhões de hectares de vegetação nativa. Em termos proporcionais, foi o bioma que  mais perdeu vegetação nativa entre 1985 e 2020”.  

Continua informando o documentário: “… para o ano de 2021 (note-se que também sob  o atual governo gaúcho), 46,7% da vegetação nativa foi suprimida, por conta de uso antrópico (ou seja, aqui indica ação humana através do agronegócio), e o restando 43,2% do bioma ainda está coberto por vegetação nativa. Essa “vegetação nativa” corresponde a florestas, campos,  banhados, afloramentos rochosos e restingas. Os restantes 10,1% é ocupado por água e areia,  como dunas”. 

Desta forma, a destruição constatada no qualificadíssimo solo pampeano (que alcança  46,7%), foi provocada em grande parte pelo plantio desvairado de soja transgênica (junto com potentes e mortais agrotóxicos), e alcançou uma área que já supera os próprios campos nativos  restantes (43,2%). Tudo isso também ocorreu sob a atual gestão do governo gaúcho, apoiadora e estimuladora inconteste de práticas ambientais destrutivas do agrotecnocolonialismo.  

No mesmo sentido, como imaginar “o Pampa + Preservado”, se o atual governo,  acumpliciado com o Legislativo, “esquartejou” o nosso código ambiental; queria minerar carvão  próximo ao centro de Porto Alegre; impôs aos gaúchos agrotóxicos proibidos nos países onde  são fabricados, tendo em vista a sua grande toxicidade; que, com tal atitude, e desconsiderando  opiniões de universidades e centros de pesquisa, agrediu a saúde da população e do meio  ambiente; flexibilizou a legislação ambiental (com o apoio da Fiergs e Farsul) para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Proteção Permanente (APP); retirou proteção  de dunas costeiras; retirou proteção de árvores como as figueiras e corticeiras, entre outros tantos! 

É isso que querem nominar e considerar “o Pampa + Preservado”??? 

Para suplantar imediatamente esse ciclo de destruição que visa o enriquecimento de  uns poucos, em detrimento do Pampa que pertence a todos, é fundamental encerrar  imediatamente o “ciclo da soja” no RS! Ressalto que essa não é uma opinião isolada, mas  abrange cada vez mais e mais adeptos em várias linhas de raciocínio. 

O atual tipo de produção agrária por parte do agronegócio é colonialista,  tremendamente agressiva e desumana. Lembro que os casos de trabalho semelhante à  escravidão, foram recentemente detectados no RS e pertenciam ao setor agronegocial!  

O surgimento “do nada” da distorcida propaganda (Lugenpresss, Fake New, notícias  falsas) sobre uma inventiva preservação do Pampa, certamente mostra relação, de um lado,  com a trágica catástrofe climática que nos alcançou. De outro lado, tenta amenizar o incalculável  fiasco político, de gestão ambiental, financeira e social das quais somos vítimas, por conta de  uma administração que vê na privatização e no abandono do coletivo sua forma de agir. E tal  vexame também inclui alguns municípios! 

Já está sobejamente confirmado, que o governo gaúcho foi advertido das catástrofes  ambientais que se aproximavam mas, como afirmou o próprio chefe do Executivo, a “agenda  fiscal” se sobrepunha à outras agendas.  

Aliás, ainda me pergunto de quem seria a responsabilidade de fazer a advertência à  população sobre a catástrofe climática? Quem deve, judicialmente, responder pela falha?  

Pais, filhos, avós, netos, amigos aconchegaram-se no leito para um necessário e  merecido descanso, confiantes que seriam de alguma forma protegidos, de uma situação como  a que nos encontramos. Entretanto, acordaram em pavor e tendo que correr para o teto de suas  casas, ruas escuras ou vias já alagadas, pois foram esquecidos e trocados por uma tal de “agenda  fiscal”!?  

Quem fica satisfeito com tal explicação tão fantasiosa? 

Recomenda-se à Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) que atente, de fato, para suas  responsabilidades. Poderia calcular o quanto de solo próprio para plantio foi lixiviado e o que  deve ser feito para recuperá-lo; ajudar no cálculo do montante da perda e como ajudar os  agricultores familiares; quais foram os impactos sobre a flora e fauna sul-riograndense  (destaque para as polinizadoras abelhas); acompanhar o cálculo de matéria orgânica e de  venenos químicos (agrotóxicos) que foram disseminadas pelo sul do RS; fazer um levantamento  detalhado e recomposição das árvores isoladas e bosques que foram abatidos com o apoio do  próprio governo; acompanhar detalhadamente o Rio Jacuí por conta da presença das palometas  ou piranhas vermelhas (Pygocentrus nattereri), as quais, por conta da elevação desse rio, podem  ter alcançado o Guaíba; entre outras tantas. 

Outra sugestão, é desenvolver ação conjunta efetiva com outras secretarias, no  recolhimento do lixo que aflui com as águas transbordantes. Ainda, planejar e atuar  efetivamente no recolhimento dessas poluentes “marmitas”, distribuídas para ajudar a aplacar  a fome de muitos.

Por fim, e para que tenhamos uma ideia do grau de destruição que essa política  colonialista agronegocial provoca, segundo informação da Embrapa, “para que tenhamos uma  ideia de como o processo de formação do solo é lento e paciente, saiba que são necessários cerca  de 400 anos para formar 1 cm (um centímetro) de solo. Em outras palavras, os desmatamentos estimulados pelo atual governo ao longo  de vários anos, facilitou e energizou o aumento de velocidade das águas transbordantes, fato  que agravou e exacerbou uma perda imensurável do qualificadíssimo solo gaúcho. 

Citar “o Pampa + protegido” é um exemplo claro, inequívoco e desavergonhado de uma  “mentira fantasiada”, enquanto a “verdade torturada” encontra-se na descomunal  insensibilidade de não ver, de negar, de desconsiderar os resultados de uma forma irresponsável de atuar que destrói o planeta, agride a natureza e que transforma a beleza de rios em fúrias de  morte e destruição! 

Como dito inicialmente, é preciso ter muita paciência, mas também indignação, quando  se ouve ou lê alguns tipos de propagandas, elaboradas sem o mínimo respeito para com a  população!

(*) Professor Titular / Instituto de Biologia / Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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