Opinião
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5 de junho de 2024
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19:25

Nem sempre é preciso mentir para ser desonesto (por Andrei Teixeira)

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Andrei Teixeira (*)

É triste constatar o resultado do histórico menosprezo da esquerda pela Semiótica, enquanto a extrema direita se apropriou do tema e o transformou em arma retórica prioritária. A esquerda não sabe se defender desta arma e o Estado não sabe frear e punir quem abusa dela, pois ambos se comunicam e legislam considerando que o público é – ao menos em sua maioria – individualmente capaz, cognitivamente maduro, intelectualmente honesto e socialmente responsável.

Dois veículos, diferença de 24 minutos, abordagem oposta sobre uma mesma notícia. Para um o processo está emperrado. Para o outro está sendo agilizado. Quem é o editor que faz esse juízo? Com que interesse? Com que garantia de isenção política, eleitoral, econômica ou ideológica? Por que não apresenta opinião contraditória sobre a questão já que opta por adicionar alguma opinião à matéria?

Mesmo que quem leia, com atenção, qualquer das duas matérias, consiga compreender que são as questões de segurança e alfandegárias sobre trânsito de mercadorias com o exterior – comuns a todos os países – que impossibilitam o envio imediato e descontrolado das doações do exterior, concordando ou não com a opinião do editor, isso já não faz diferença. A missão da mídia explicitamente mais alinhada com a extrema direita foi cumprida com eficiência mais uma vez, afinal ela não faz manchetes para quem lê a matéria, mas para a maioria que lê (e compartilha) somente manchetes.

Deste modo, isoladamente, a manchete funciona como uma peça completa de propaganda, do objetivo à conclusão, quando usa termos e sentenças dúbias, vagas ou até genéricas, para geralmente confirmar ou ao menos não desmentir as fake news sobre o tema abordado, que já pululam nos grupos de WhatsApp e Telegram e perfis de TikTok e “Xuíter”.

É um processo industrial, coletivo, simultâneo e bem engendrado com muito método e estudo. Não são só fake news, são também omissões, ilações, opiniões que fazem passar por notícia, tudo feito sob medida para um público viciado no viés de confirmação, com educação e senso críticos precários, deturpados por anos de bombardeio nas redes sociais. Sites, portais, perfis de redes sociais, grupos de mensagens instantâneas, cultos religiosos, factoides, pronunciamentos e dog whistle (apito de cachorro) que figuras célebres conseguem introduzir na mídia tradicional compõem um ecossistema de desinformação e radicalismo de direita que retroalimenta uma realidade paralela, uma bolha que cresce engolindo parcela cada vez maior do mundo real.

É preciso estudá-lo para compreender seu funcionamento e reagir com alguma eficiência. Muito tempo já foi perdido e o prejuízo com o despreparo da esquerda é evidente. O estrago com o condicionamento, em parte irreversível, de grande parte do público está consolidado. Será necessária priorização e muita dedicação a essa questão de como se defender deste ataque e se comunicar com eficiência com seu público para que o campo progressista consiga sair da poeira.

(*) Diretor de Comunicação do SindBancários e bancário do Banco do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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