Opinião
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15 de junho de 2024
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07:37

José Mujica, Outros Mundos Possíveis: Meio Ambiente e Política em tempos de Mudanças Climáticas (por Atahualpa Blanchet)

Mujica participou do lançamento do livro em Montevidéu (MPP/Divulgação)
Mujica participou do lançamento do livro em Montevidéu (MPP/Divulgação)

Atahualpa Blanchet (*)

Nesta última semana, foi lançado em Montevidéu, Uruguai, o livro “José Mujica, Outros Mundos Possíveis”. Em um auditório lotado e com Pepe Mujica mostrando muita vitalidade e bom humor, os pesquisadores uruguaios Pablo Álvarez, Nastasia Barceló, Diego Hernández e Camilo López Burian apresentaram a obra resultante de horas de conversas com o ex presidente uruguaio escrita com a colaboração do analista político Álvaro Padrón.

O historiador Gerardo Caetano conduziu os trabalhos da noite destacando que o principal objetivo dos autores foi apresentar uma faceta menos conhecida e menos explorada da vida e das ideias de José Mujica. O livro, publicado pela Editorial Planeta, oferece uma perspectiva profunda e reflexiva sobre a vida de Mujica, que completou 89 anos em maio passado.

A veia não explorada

Na sua fala introdutória, Caetano despertou a curiosidade dos futuros leitores, revelando breves pinceladas da narrativa rica e detalhada sobre a vida e as ideias do ex-presidente contidas nas quase 400 páginas da obra.

“Esse trabalho meticuloso visa oferecer ao leitor uma visão abrangente de Mujica, não apenas como político, mas também como um pensador cujas ideias ressoam em diversas áreas, especialmente na preservação do meio ambiente e na política de mudanças climáticas”, ressaltou o historiador uruguaio.

Preservação do Meio Ambiente

Divulgação

Uma das facetas mais marcantes de Pepe Mujica é seu compromisso com a preservação do meio ambiente. O líder sempre enfatizou a importância de viver em harmonia com a natureza e a necessidade de repensar o consumo excessivo e o modelo de desenvolvimento econômico que ignora os limites ecológicos do planeta. Seu discurso na Rio+20, em 2012, tornou-se emblemático, sendo transformado em um manual escolar no Japão, elaborado por um monge budista para ensinar crianças sobre questões ambientais.

No discurso, Mujica destacou:

“Nós não viemos ao planeta para nos desenvolvermos apenas em termos econômicos. Viemos ao planeta para sermos felizes. Porque a vida é curta e se vai, e nenhum bem vale como a vida, e isso é elementar.”

Pepe argumentou que a humanidade precisa aprender a viver com menos e encontrar um equilíbrio sustentável, valorizando mais a felicidade e menos o consumismo desenfreado. Ele criticou duramente o modelo econômico global, que perpetua a desigualdade e a destruição ambiental.

Política e Mudanças Climáticas

Mujica vê a política como uma ferramenta para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Em várias ocasiões, ele destacou que os governantes têm a responsabilidade de liderar pelo exemplo e adotar políticas que promovam a sustentabilidade.

Após uma primeira rodada de perguntas, Gerardo Caetano lembrou de uma das biografias dedicadas “al Pepe”, traduzida para o turco, em que o título do livro ficou “O Presidente sem Palácio”.

Na época, a obra foi utilizada como um manifesto contra a opulência dos atuais mandatários do país, destacando o seu estilo de vida embasado na sobriedade, em contraposição ao conceito de austeridade, muitas vezes utilizado como um eufemismo a serviço da hipocrisia de certos governantes.

Mujica acredita que a política deve ser um meio para promover a justiça social e ambiental, garantindo que os recursos naturais sejam usados de maneira responsável e equitativa.

Durante o lançamento do livro, Mujica expressou gratidão à equipe de pesquisadores e humildade diante do trabalho realizado. Ele se descreveu como um homem comum, jogando um jogo que a vida lhe impôs. Em sua fala, ele refletiu sobre a sabedoria da natureza e a importância de adaptar as nossas vidas às suas lições de simplicidade e resiliência.

No discurso da Rio+20, Mujica enfatizou:

“É possível uma vida de simplicidade, uma vida mais sóbria e menos materialista, e por isso uma vida mais humana e profunda. O desenvolvimento não pode ser contra a felicidade. Tem que ser a favor da felicidade humana, do amor à terra e ao planeta.”

Crítica ao Nacionalismo e à Falta de Empatia

Mujica também é conhecido por suas críticas contundentes ao nacionalismo exacerbado e à falta de empatia entre os seres humanos e com a natureza. Ele acredita que o nacionalismo pode ser um obstáculo para a cooperação internacional necessária para enfrentar problemas ambientais e sociais. Em seu discurso, Mujica frequentemente aborda a necessidade de um sentido mais profundo de comunidade, onde as fronteiras nacionais não impeçam a solidariedade e a ação conjunta.

“A crise climática não tem fronteiras. Se não aprendermos a trabalhar juntos como uma única humanidade, seremos todos perdedores.”

Para Mujica, a empatia é uma qualidade essencial que deve ser cultivada, não apenas entre os indivíduos, mas também em relação ao meio ambiente. Ele argumenta que a humanidade precisa reconectar-se com a natureza e reconhecer sua dependência dela para garantir um futuro possível.

Desafios Geopolíticos

Os desafios geopolíticos atuais complicam ainda mais a luta contra as mudanças climáticas. As disputas por recursos naturais, interesses econômicos divergentes e políticas internas frequentemente entram em conflito com os esforços globais para combater a crise ambiental. Mujica enfatiza que é necessário transcender os interesses nacionais estreitos e adotar uma perspectiva mais cooperativa.

“Os grandes problemas do nosso tempo, como as mudanças climáticas, exigem uma abordagem global. Os países precisam colocar os interesses coletivos acima dos interesses individuais.”

O livro José Mujica, Outros Mundos Possíveis oferece uma janela para as profundezas do pensamento do líder uruguaio. Suas ideias sobre meio ambiente e política são particularmente relevantes em um momento em que o mundo enfrenta a necessidade urgente de mudanças políticas centradas na sintonia do ser humano com a natureza da qual faz parte.

A obra não apenas celebra a vida de Mujica, mas também inspira novas gerações a seguir seus passos na luta por um mundo mais justo e sustentável.

Ao final do lançamento, Pepe Mujica tratou de dar um recado aos jovens destacando que “o que a natureza faz, faz bem. Nos deu duas orelhas e uma boca, nos deu olhos para frente. Teria sido útil ter um olho para cuidar das costas, mas aposto na esperança, no amanhã. Aprendamos com a natureza, obrigado e lhes dou um abraço.”

(*) Atahualpa Blanchet é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e do Grupo Transformação Digital e Sociedade da PUC/SP.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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