Opinião
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28 de junho de 2024
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17:01

Está aberto o portal (por Domingos Alexandre)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Domingos Alexandre (*)

O observador distraído pode não ver – ou não querer ver – a conexão entre os fatos, por mais distantes que ocorram no tempo e no espaço. Eventos interligados, nem que seja apenas com base na evidência de que o todo é o somatório das partes.

O economista e pesquisador francês Thomas Piketty é o autor do livro “O Capital no século XXI”, best-seller com milhões de exemplares vendidos no mundo todo e outro igualmente monumental, também muito elogiado pela crítica, com o título de “Capital e Ideologia”. Estas duas obras se mostraram tão densas e úteis que inspiraram outro livro com o título de “Depois de Piketty – A agenda para a Economia e a Desigualdade”, composto de vinte e dois artigos de renomados economistas, sociólogos, historiadores e geógrafos, sendo que o último, escrito pelo próprio Piketty, com o sugestivo título “Rumo a uma reconciliação entre economia e ciências sociais”. Mas aqui a intenção é fazer um breve comentário sobre o capítulo 12: As geografias de O Capital no século XXI: desigualdade, economia política e espaço, onde o autor, geógrafo Gareth A. Jones, afirma de maneira peremptória que os estados nacionais têm cada dia menos meios de rastrear e tributar o grande capital. Não têm meios e, pelo menos até o presente momento, nem vontade política de submeter as grandes fortunas à Legislação Tributária. As grandes fortunas estão cada vez mais intangíveis e globalmente conectadas conforme diz a nota de rodapé número 60 da página 381 do Depois de Piketty: “O acesso e a operação ideal dentro desse espaço parecem mais restritos do que o discurso de mercado aberto do início do século XXI implicaria. Um agora famoso estudo do Swiss Federal Institute of Technology, que analisou as relações entre 37 milhões de empresas e investidores em todo o mundo, descobriu uma “superentidade” de apenas 147 empresas altamente conectadas em rede que controlavam 40% da riqueza total”.

As obras referidas informam e revelam à exaustão que as offshore, as zonas econômicas especiais e os paraísos fiscais explicam em grande parte o fato inegável de que as fortunas dos 1% mais ricos crescem num ritmo mais acelerado do que os 9% seguintes da pirâmide social. Evidente que a classe empresarial brasileira mais opulenta se situa entre os trinta ou quarenta por cento dos mais abastados, mas estão se distanciando do 1% de bilionários que detêm metade da riqueza mundial. Aí é de se perguntar: nossos empresários e nossas classes médias vão continuar iludidas com a possibilidade mais que remota de um dia frequentarem o ambiente da plutocracia planetária ou vão optar por um País desenvolvido? Historicamente os fatos mostram que, a cada vez mais adelgaçada parte de cima da pirâmide, sempre sonhou em frequentar os salões que frequentam o 1% mais rico.

Tudo está entrelaçado: as revelações do WikiLeaks, o sionismo causador do genocídio dos Palestinos, a eleição do Milei na Argentina, a guerra da Ucrânia, o poder nefasto da indústria armamentista, a expansão do crime organizado, a degradação ambiental, o desemprego e a fome no mundo, a injustificável subserviência da PF deportando Muslim Abuumar, etc. Todas estas chagas têm íntima relação com a concentração da riqueza no Brasil e no mundo e não é de hoje.

No Brasil, se recuarmos no tempo vamos constatar equívocos e acertos das classes dirigentes em muitas situações que fazem parte da nossa História. A Constituição Cidadã de 1988, a campanha das Diretas Já dos anos oitenta, a figura dos Senadores Biônicos da ditadura, a criação do FGTS (hoje um tanto quanto desvirtuado), o golpe de 1964, o discurso da Central do Brasil proferido pelo João Goulart, o suicídio do Getúlio Vargas em 1954, o Estado Novo de 1937, a Revolução Constitucionalista de 1932, todos esses fatos históricos aleatoriamente relacionados apenas para afirmar que todos tiveram em comum a luta pelo poder e como causa primeira a obtenção de vantagens econômicas.

Aqui no Rio Grande do Sul, na primeira década do século XX, foi intensa a disputa pela sucessão do Júlio de Castilho na Presidência da Província. Nomes com a estatura política de Pinheiro Machado e de João Neves da Fontoura eram cotados como possíveis sucessores, mas foi Borges de Medeiros o escolhido, pelo fato de ter sido indicado pelo Júlio de Castilhos.

O Ramiro Barcelos, outro grande vulto da política gaúcha, descontente com a escolha, escreveu um Poemeto Campestre de mil e tantos versos, com o pseudônimo de Amaro Juvenal e com o título de Antônio Chimango, satirizando a “eleição” de Borges de Medeiros. Dizem que a primeira edição do poema teria ocorrido em 1910. A estrofe 180 diz o seguinte:

E tudo ficou por isso!
Até parece mentira
Que semelhante mambira
Assim passasse o buçal
E atasse tanto bagual
C’um cabrestinho d’imbira.

O Ramiro Barcelos chama Borges de “manbira” que passou o buçal (venceu) em tanto bagual (Pinheiro Machado, João Neves da Fontoura) e adjetiva a amizade que Júlio de Castilho tinha por Borges de cabrestinho de imbira. Observem que em 1910, segundo consta, o Antônio Chimango já denunciava a eterna luta pelo poder, cujo meta primeira é a obtenção de vantagem econômica.

Todas estas reminiscências são para destacar o fato que, em um século, pessoas nasceram e morreram e talvez até tenham lutado para que a situação social no Brasil fosse melhor… A realidade mudou, mas não para melhor.

Mas estamos recebendo uma nova oportunidade e nossas “elites” podem, desta vez, assumirem um comportamento altruísta. Observem as atitudes do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e regozijem-se com essa nova “janela de oportunidades”, alegrem-se com a possibilidade de transporem esse “portal” que é a entrada para um mundo mais humano, mais justo, mais equânime e feliz. Aos incrédulos seja dada a oportunidade de assistirem à entrevista que nosso Presidente concedeu no dia 26 de junho último. Nela ele expressa toda sua convicção em tempos de glória e nos faz acreditar que uma frase atribuída ao grande Darcy Ribeiro pode se tornar realidade: “Nós vamos, um dia, amadurecer como povo e realizar nossa potencialidade. E vamos então varrer a canalhada”.

(*) Historiador

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