Opinião
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22 de junho de 2024
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09:37

Desrotulando o direito penal: acesso desigual à justiça (por João Beccon de Almeida Neto)

Foto: Arquivo EBC
Foto: Arquivo EBC

João Beccon de Almeida Neto (*)

Essa semana, dia 20/06, foi deflagrada operação pela Polícia Federal com o objetivo de investigar venda de decisões judiciais por desembargador do TJSP. Se confirmadas as acusações, o magistrado cometeu crime de corrupção. O processo deve ocorrer em razão de foro especial no STJ. Administrativamente, segundo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, é o Órgão Especial do Tribunal de Justiça que deliberará em voto secreto se o mesmo cometeu falta grave ou não e qual a sua penalidade se for o caso. Em geral, a maior penalidade a um magistrado é sua aposentadoria compulsória. Acredito que muitos ao lerem isso, vão afirmar o quanto isso parece injusto ou desproporcional a outras situações parecidas envolvendo servidores públicos. 

Temos no Congresso em tramitação as propostas de emenda constitucional (PEC) e de projeto de lei complementar (PLC) para retirar a aposentadoria compulsória como penalidade para os casos de faltas graves. Mas o que chama também a atenção para caso é a reação do Desembargador Presidente do TJSP que demonstrou desagravo ao se sentir surpreendido pela operação da Polícia Federal no Gabinete do desembargador, que também foi afastado de suas funções, ambos os fatos autorizados por decisão pelo STJ, uma vez que não fora comunicado previamente da investigação. Ocorre que não há previsão legal para tal comunicado. Me pergunto o quanto convivemos com privilégios em reflexos ao alto grau de desigualdade de condições e acesso à justiça em nossa sociedade. 

É muito representativo que nossa população privada de liberdade em estabelecimentos prisionais majoritariamente é marcada por pessoas não brancas e com baixa escolaridade e renda. A seletividade penal aqui, ainda reproduz uma violência institucionalizada reproduzida por preconceitos históricos. O direito e a lei podem ser utilizados como reprodução de discursos em que direitos (privilégios) podem ser perpetuados. A evolução legal envolvendo a politica criminal no combate ao tráfico de drogas pode nos mostrar uma preocupação com o aumento de penas do delito de tráfico, assim como na criação de outros delitos como de financiador e informante; além claro da própria diferenciação de pena na década de 1970 ao usuário e que nos anos dois mil tal conduta foi considerada despenalizada e contextualizada na primeira parte do dispositivo legal que passa a reconhecer o uso abusivo de drogas como uma questão política de saúde. Não à toa ainda na década de 1970 Bezerra da Silva canta: “Vou apertar, mas não vou acender agora, se segura malandro, para fazer a cabeça tem hora (…) é que o 281 foi afastado, o 16 e o 14 no lugar ficou (…)” O texto remete ao art. 281 do Código Penal que criminalizava o traficante e usuário indistintamente e que em 1976 passaram a serem condutas com penas diversas em seus arts. 14 e 16. 

 Mas apesar de toda essa evolução legal, chamo a atenção para os dados publicados pelo Fórum de Segurança Pública em que nos crimes de tráfico de drogas nossas ações de repressão em sua grande maioria decorrem de prisões em flagrantes, ou seja, sem uma investigação prévia; o que resulta na reclusão de pequenos traficantes, não chegando a identidade do financiador que normalmente não está de possa de drogas. Esse não deixa de ser um cenário em que mais uma vez vamos reproduzir acessos desiguais à justiça pois passamos a mensagem de que prendemos mais e, portanto, reprimimos mais, mas o quanto isso reverbera em justiça e diminuição de desigualdade social.

Neste sentido, não adianta somente a mudança na lei com os seus pacotes de aumento de penas e procedimentos mais céleres, precisamos de defender políticas públicas com foco na diminuição das desigualdades sociais e com foco em políticas de acesso a ensino de qualidade, pois assim possibilitamos mais oportunidades e acesso mais igualitário à justiça.  

(*) Advogado criminalista, Professor na Unipampa – @joao_beccon

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