Opinião
|
5 de junho de 2024
|
08:51

A tragédia anunciada (por Gerson Almeida)

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Gerson Almeida (*)

O Dia Mundial do Meio Ambiente deste ano (2024) é o pior da história dos gaúchos. A ocorrência de um evento climático de grandes proporções, mostrou o imenso custo social e econômico acarretado pela decisão dos governantes de não levar em consideração uma grande quantidade de estudos e alertas sobre as consequências trágicas advindas das mudanças climáticas. São estudos que alertavam para a necessidade de medidas preventivas, especialmente em cidades banhadas por rios, lagos e demais cursos d’agua. No caso de Porto Alegre, os técnicos do Dmae apelavam ao governo de Sebastião Melo por urgentes medidas de manutenção no Sistema de Proteção contra as cheias. 

Esse evento climático seria grave por si só, mas isso não significa que ele deveria ser tão trágico como está sendo. É preciso saber distinguir aquilo que seria inevitável, daquilo que foi ampliado pela ação dos nossos governantes.

O governador, em seu segundo mandato, além de jamais ter tido preocupação com o tema da preservação ambiental, agiu com determinação pessoal na transformação do mais avançado Código Ambiental do país – fruto de anos de lutas e discussões nas quais o saudoso José Lutzenberger e a Agapan tiveram papel de destaque – em letra morta. Foram alterados todos os 480 itens que justificavam a existência de um Código Ambiental estadual.

O argumento do governador, em rede nacional, foi o de que “apenas” tirou aquilo que tornava nosso Código mais restritivo do que as regras nacionais. O que significa dizer que Eduardo Leite aproveitou a porteira aberta pelo governo Bolsonaro – que desmontou o Sistema Nacional de Meio Ambiente – e passou a boiada nas regras de proteção ambiental do estado. O ambientalista Francisco Milanez fez uma crítica certeira: “se a gente fosse fazer as leis estaduais iguais às federais, simplesmente fecha a Assembleia; porque não serve para mais nada” e denunciou a sanção do governador à construção de barragens, reservatórios de água dentro das áreas de proteção permanente. (Extraclasse). No rastro dessas mudanças, o governo liberou o autolicenciamento ambiental para 47 atividades econômicas, das quais 39 são de médio e alto impacto, mesmo que tramite no STF uma ação contrária. Feliz com mais essa “façanha” contra o meio ambiente, ele declarou: “a gente acredita que, o empreendedor preenchendo o questionário e os documentos estiverem de acordo com o solicitado, em 24h ele já possa instalar e empreender”.

Por sua vez, o prefeito Sebastião Melo parece estar possuído pela determinação de trocar áreas verdes permeáveis e a arborização da cidade, por concreto e containers. O que impermeabiliza ainda mais o solo e altera a característica urbanística dos parques, praças e Orla do Guaíba, tornando-as extensão da área comercial da cidade e passível de liberação de empreendimentos. É simbólico que no Parque Farroupilha, áreas comerciais tenham tomado o lugar de um tradicional orquidário e no Parque Harmonia tenham sido derrubadas mais de 400 árvores. Sendo que mais de 20% da área foi destinada para estacionamento e outras construções, assim como inúmeras vias foram asfaltadas nesse parque, que sempre funcionou como uma espécie de bacia de contenção das águas, mitigando alagamentos na região. 

O descaso é tal, que frequentadores do parque Farroupilha denunciaram que o esgoto da cozinha do “Refúgio do Lago” estava sendo descartado de forma irregular, o que obrigou o Dmae realizar uma limpeza para desobstruir a rede de esgoto e exigir a correção da situação. Sem falar nas armadilhas colocadas contra os gambás e a fauna que vivem no parque.

Esses exemplos são suficientes para demonstrar que Eduardo Leite e Sebastião Melo estão agindo de forma articulada para desmontar a legislação ambiental estadual e o sistema de gestão ambiental de Porto Alegre, ambos referência positiva da luta ambiental no país. Juntos, promovem um ataque sem precedentes aos espaços públicos e às empresas prestadoras de serviços essenciais em âmbito estadual (Corsan, CEEE) e municipal (Dmae, Dep, Carris), num determinado processo de desmantelamento dos órgãos de fiscalização e controle ambiental. 

Essa prática cotidiana de desmontagem da capacidade do Estado de prestar serviços públicos de qualidade e desconsiderar o resultado de anos de discussão, de lutas e do conhecimento produzido pela sociedade, está deixando a população mais desprotegida e insegura do que jamais estivemos. A única alternativa de um futuro melhor é ter a coragem de mudar esse rumo. 

(*) Sociólogo, mestre em sociologia e ex-secretário do Meio-Ambiente de Porto Alegre

***

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também