Opinião
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21 de maio de 2024
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08:50

Territórios escolares: acolhimento e pertencimento (por Liliane Giordani, Rúbia Vogt e César Rolim)

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal

Liliane Giordani, Rúbia Vogt e César Rolim (*)

Com a grave crise socioambiental pela qual estamos passando, uma grande parte do território gaúcho está submetido a um processo, nunca antes vivido por nós: estima-se que quase 80 mil pessoas estão abrigadas; dentre elas, muitas são crianças e adolescentes em idade escolar, ou jovens e adultos em formação escolar. Segundo o Governo do Estado, são cerca de 378 mil estudantes afetados pelas enchentes, e mais de mil escolas danificadas parcial ou totalmente pelas chuvas. Há, ainda, escolas transformadas nesse momento em abrigos, a exemplo das 86 da rede de educação básica estadual. Além de residências, postos de saúde, hospitais, templos, centros de convivência, praças, museus, teatros e cinemas também foram afetados. Esses espaços têm significativo papel na garantia das bases de uma experiência de cidadania. A perda da infraestrutura e, com ela do sentido do território, fragiliza a população e traz graves abalos não só materiais, mas também sociais e emocionais.

A escola, para além de sua estrutura física, é um corpo poroso, isto é, que absorve as demandas da sociedade que a ela chegam. É na intensidade dessas reivindicações e necessidades que a escola se constitui em um local de encontro compartilhado e de trocas de experiências e saberes, espaço esse no qual as e os estudantes são protagonistas de suas jornadas. Nesse hiato de tempo, da vida desterritorializada que muitos de nossos estudantes estão vivendo, precisamos estar atentas(os) às novas exigências da retomada das atividades letivas, dos currículos, à preocupação com os os conteúdos a serem “cumpridos”, questões essas que estão sendo geradas pela tensão da volta à pretensa ou suposta normalidade. 

A escola é uma parte essencial do dia a dia para milhares de famílias. Em especial, as escolas públicas (tanto da rede estadual do RS quanto das redes municipais – e também federal) localizadas em comunidades em que a precariedade material é uma característica, promovem inclusive a segurança alimentar de muitas pessoas. Sim, as refeições nas escolas são fundamentais para a maioria das(os) estudantes. Assim, o retorno à escola significa voltar a acessar direitos. Por isso, é importante ter em mente que nenhum estudante deverá ser prejudicado, quando do seu retorno, se não tiver conseguido dar conta do que a escola derivou para ele. É preciso considerar, ainda, que as e os estudantes não voltam os mesmos, pois foram marcados pelas enchentes que devastaram o estado do Rio Grande do Sul. 

Nesse sentido, é fundamental reinaugurar tempos, abrindo fronteiras com informação, reinvenção e responsabilidade, sem desconsiderar o princípio da equidade que deve garantir a acessibilidade e a participação de todos. Nesse contexto de catástrofe, sabemos que o ensino remoto não é uma opção acessível a todos. E, mesmo aqueles com acesso a educação a distância, pouco se beneficiarão da mesmice de conteúdos batidos, de respostas a questionários disciplinadores e de metodologias reprodutivistas. O importante agora são pessoas, e não novas ferramentas, pois será preciso aproveitar o tempo para aquilo que pode ser feito. Recolocam-se com agravamento o enfrentamento às desigualdades e a necessidade de superar as distâncias sociais, o que mais uma vez exige atenção para construção conjunta de políticas educacionais de Estado que não se desvaneçam a cada troca de governo. O campo da Educação é mais uma área na qual a Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem qualificada contribuição a dar para a reconstrução de nosso estado.

A retomada das atividades presenciais escolares passa antes pela acolhida das e dos estudantes, com mais compartilhamento de ideias, experiências e conhecimentos, propiciando reestabelecer o pertencimento dos alunos ao território escola. A pedagogia freiriana mais uma vez convida à reformulação de práticas, com vistas a uma educação permeada pela afetividade, pelo diálogo, pelo questionamento, pela conscientização oriunda de um processo comunitário, solidário e integrado de leitura da realidade e do envolvimento participativo na mudança, inclusive no tocante ao meio ambiente e às crises climáticas e suas graves consequências.

(*) Liliane Giordani (Faculdade de Educação da UFRGS); Rúbia Vogt (Colégio de Aplicação da UFRGS); César Rolim (Escola Municipal Porto Alegre – EPA). Integrantes do Movimento Virada UFRGS

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