Opinião
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24 de maio de 2024
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06:20

Porto Alegre afundou com Melo. E agora? (Editorial Sul21)

Foto: Giulian Serafim/PMPA
Foto: Giulian Serafim/PMPA

Editorial Sul21

23 de maio de 2024. Mais uma vez Porto Alegre está debaixo d’água e sua população sofre os efeitos das escolhas políticas feitas nos últimos anos. Após seguir implantando, na capital gaúcha, a cruzada neoliberal que vem parasitando o Estado nos últimos anos, o prefeito Sebastião Melo (MDB) já esgotou seu estoque de desculpas e evasivas. Na entrevista coletiva que convocou às pressas, na tarde de quinta-feira (23), Melo disse que não foi pego de surpresa pela chuva de hoje, que choveu mais do que estava sendo previsto e procurou terceirizar responsabilidades, uma das últimas estratégias discursivas que lhe restam. 

Na verdade, tamanho foi o estrago que a atual gestão promoveu nas estruturas públicas capazes de enfrentar um problema da dimensão e complexidade deste que estamos enfrentando que talvez pouca coisa pudesse fazer mesmo para evitar os danos de hoje. Poderia, é claro, ao menos ter alertado a população, como um comandante digno do nome teria alertado seu povo para se preparar para um novo bombardeio. Nem alertou nem estava preparado para enfrentar a nova onda de chuvas. Melo pediu que se cobrasse responsabilidades também de outros prefeitos da região, do Estado, da União. 

Em nenhum momento, porém, assumiu a responsabilidade pelas escolhas (e omissões, que também são escolhas) que fez como prefeito. Em nenhum momento olhou nos olhos da população e fez um gesto que é singelo, mas que exige coragem e compromisso com a natureza pública que o cargo exige: pedir desculpas, admitir que fez escolhas erradas. O mesmo padrão de comportamento, aliás, é adotado pelo governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), que, entre outras façanhas, também vem promovendo um desmonte de estruturas públicas fundamentais para a qualidade de vida da população e a destruição da legislação ambiental no Estado. 

Sebastião Melo e Eduardo Leite, porém, não são representantes de si mesmos, mas sim de setores sociais que se autointitulam “elite” do Estado. Entidades empresariais urbanas e rurais, com seus braços em grandes meios de comunicação e espaços formadores de opinião são cúmplices desse projeto que apresenta sua fatura agora para toda a população de uma forma cruel e injusta. 

Nada disso é exatamente novidade. O Sul21, que este ano completou 14 anos, vem sendo testemunha, repórter e cronista de boa parte dessa história. E esse trabalho agora adquire uma dimensão muito mais desafiadora. O trabalho de reconstrução do Rio Grande do Sul passará a ocupar um lugar cada vez mais importante nos próximos dias, meses e anos. Há um curto, médio e longo prazo que se cruzam. E essa reconstrução não é só física. Ela também é emocional e conceitual. Uma das formas mais garantidas para que a tragédia atual se repita (como, aliás, vem se repetindo nos últimos meses, e se repetiu nesta quinta em Porto Alegre), é não apurar responsabilidades e debater como chegamos até aqui. O Sul21 pretende contribuir com esse processo, por meio do trabalho investigativo de sua equipe de jornalistas e do espaço de debates que mantém aberto à toda a comunidade.

Estamos vivendo dias tristes e trágicos. Nestes dias sombrios, carregados de angústia, ansiedade e desesperança, sempre é bom lembrar nossos melhores momentos, que expressam nossas mais generosas e ricas potencialidades. Lembrar, por exemplo, que em janeiro de 2001, Porto Alegre foi sede da primeira edição do Fórum Social Mundial, resultado de uma articulação local e internacional de movimentos, organizações e coletivos de diferentes áreas com um propósito comum: buscar alternativas às políticas neoliberais que comandavam, então, a vida política e econômica das nações. E que, em larga medida, segue comandando.

Mas Porto Alegre foi palco de uma experiência que desafiou esse modelo. O lema “Um outro mundo é possível” apontava para a busca de alternativas capazes de construir outro tipo de relações sociais, econômicas e políticas. A solução é, então, fazer outra edição do Fórum Social Mundial aqui e os problemas se resolverão? Certamente que não. Até porque não há soluções mágicas e rápidas para enfrentar o problema que estamos vivenciando que tem uma dimensão local – o desmonte do Estado, do serviço público e da legislação ambiental em Porto Alegre e no RS – e uma global, a da emergência climática que passou a fazer parte do nosso cotidiano.

Em 2001, centenas de pessoas vieram a Porto Alegre movidas pela esperança de que era possível fazer diferente. Agora, 23 anos depois, Porto Alegre recebe de novo a visita generosa de moradores de outros estados e de outros países, movidos agora pela solidariedade. Talvez esteja aí a combinação de que precisamos: o casamento da esperança com a solidariedade para voltar a fazer da capital do Rio Grande do Sul uma referência internacional de vida, coragem e criação e não de morte, irresponsabilidade e destruição como virou hoje. Essa decisão está nas mãos de sua população.

Porto Alegre, 23 de maio de 2024.


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