Opinião
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29 de maio de 2024
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07:56

Por que as decisões sobre o clima não são cumpridas (por Gerson Almeida)

 Mercado Público e Paço Municipal na enchente de maio de 2024. Foto: Giulian Serafim/PMPA
Mercado Público e Paço Municipal na enchente de maio de 2024. Foto: Giulian Serafim/PMPA

Gerson Almeida (*)

O órgão máximo junto às Nações Unidas para conter a emissão de gases do efeito estufa e evitar as mudanças climáticas é a Convenção das Partes (COP), que terá a sua 29° edição no final deste ano. Mas esse assunto é discutido desde a Convenção de Estocolmo (1972), a primeira grande discussão global sobre o Clima.

Ao longo dessas cinco décadas, um precioso conhecimento sobre a dinâmica das mudanças climáticas foi produzido, assim como prognósticos cada vez mais detalhados das suas consequências sociais, econômicas e ambientais. A ocorrência desses eventos climáticos extremos em todos os continentes, mostra a correção dos modelos desenvolvidos pelos pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), a maior rede colaborativa de produção de conhecimento da atualidade. As lutas ambientais realizadas pelos mais diferentes segmentos sociais, na defesa dos recursos naturais, contra poluição do solo, da água e do ar, contra os agrotóxicos e todas as formas de emissão de CO² na atmosfera, têm sido fundamentais para impulsionar a produção de alternativas. 

A interação entre lutas ambientais e a produção científica tem sido decisiva para assegurar os principais avanços nas COP’s, como o Protocolo de Kyoto (COP3/1997), que propôs metas de contenção das emissões de gases de efeito de estufa; a elaboração dos planos nacionais para adaptação e o Fundo para sua implementação nos países menos avançados (COP7/2001); a produção das “Intenções de Contribuições Nacionalmente Determinadas” (INDC), para limitar o aumento da temperatura terrestre em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais; a responsabilidade dos países desenvolvidos de aplicar US$ 100 bilhões/ano, a partir de 2020, para a mitigação e adaptação dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas (COP15/2019), são apenas alguns exemplos.    

No entanto, o balanço da sua implementação é negativo, pois há uma ação sistemática dos principais países emissores de CO² para impedir que esses compromissos sejam de cumprimento obrigatório. Os Estados Unidos, por exemplo, abandonaram o Protocolo de Quioto, em 2001, justificando que as metas estabelecidas comprometeriam seu desenvolvimento econômico e foram seguidos pelo Canadá. Nem o Acordo de Paris, que o substituiu em 2015, não vem sendo cumprido.

Enquanto países como os Estados Unidos são firmemente contra a obrigatoriedade das metas de diminuição do CO², agem de forma rigorosa contra qualquer descumprimento dos acordos feitos em outras instâncias do sistema internacional, como a OMC, o Banco Mundial e o FMI, apoiando a aplicação de duras sanções. Na Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre Aspectos de Direito de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS), possuem instâncias de solução de controvérsias que são resolutivas sobre os signatários desses acordos. Não é, portanto, estranho ao sistema de relações internacionais que os acordos firmados tenham poder vinculante. A decisão de proteger os interesses econômicos, comerciais e o pagamento das dívidas e desproteger as populações que estão sofrendo com a ocorrência de eventos climáticos extremos é estritamente política.    

A fratura produzida pelo neoliberalismo impõe, simultaneamente, uma aceleração inédita da concentração de riqueza e das mudanças climáticas. Ambas são construídas nas ações cotidianas de desregulação das normas de proteção dos setores sociais mais vulneráveis, do meio ambiente e da privatização dos serviços essenciais, tornando a questão social e a ambiental uma só luta. Isso fica explícito na maior tragédia climática do Brasil, potencializada pelo governador do RS, que alterou 500 itens do Código Ambiental gaúcho e se empenhou na privatização dos serviços essenciais; e pelo prefeito de Porto Alegre, ciente de todas as necessidades de manutenção do sistema de proteção da cidade, preferiu estimular a ocupação das áreas até então protegidas e impermeabilizar os parques ao longo da Orla do Guaíba, para o júbilo da construção civil. Não contente, sucateou as empresas essenciais, tornando-as ineficazes para o cumprimento adequado das suas tarefas no momento da crise. Esse é apenas um exemplo das consequências nefastas desse trabalho cotidiano de governos neoliberais em favor da concentração de renda, do afrouxamento das normas ambientais e do papel regulador do Estado.   

A naturalização de uma sociedade na qual os (2020/2023), enquanto cinco bilhões de pessoas (60% da população mundial), tiveram seus ganhos minguados no mesmo período (Oxfam, relatório Desigualdade S.A.) e submete as pessoas ao sofrimento das inundações, às secas inclementes, ou aos incêndios furiosos? Ao combinar desigualdade obscena, com mudanças climáticas aceleradas, esse modelo serve apenas aos interesses dos 1% que estão sendo beneficiados e exclui os demais 99%, para os quais não há lugar disponível. 

Lutar por ações efetivas contra as mudanças climáticas não é outra coisa, senão defender a civilização.  

(*) Sociólogo e ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre  

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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