Opinião
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2 de maio de 2024
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21:58

Eventos extremos, mudança do clima e política ambiental (por Jeferson Aguiar)

 Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Jeferson Aguiar (*)

O Rio Grande do Sul enfrenta sua terceira tragédia climática em menos de 10 meses. Depois das enchentes de setembro e novembro do ano passado, mais uma vez a população é castigada por outro evento extremo. Desta vez de forma mais generalizada e extensiva, atingindo todas as regiões do estado e, ao contrário dos episódios anteriores, a chuva se estende por dias, não abrindo margem suficiente para a atuação plena das equipes de resgate. Essa é, apenas, uma das faces do problema. A falta de políticas efetivas de gestão ambiental, de ações de enfrentamento a eventos extremos, a insuficiência de infraestrutura nas cidades e, de novos e modernos investimentos para a atuação política dessas situações de calamidade pública, são a perspectiva mais cruel do problema criado pela degradação ambiental imposto pelo padrão da produção e de consumo, respectivamente das indústrias e de parcela da sociedade. Isso afeta a todos, claro, é verdade, mais a população pobre, que são aquelas que mais sofrem, em especial nas regiões periféricas das grandes e médias cidades, onde a estrutura urbana é bem mais precária e, muitas vezes, de risco. Uma cidade mais integrada ou menos integrada é fruto das decisões políticas.

Certamente, não faltaram vozes para condenar a suposta “politização” da tragédia ou reclamar das críticas à atuação dos governantes, como fez Eduardo Leite, governador do estado, que depositou a crítica pelas chuvas aos “deuses dos céus”. É certo que as pessoas que argumentam dessa forma, tem, ao menos em parte, responsabilidade política. Definir a infraestrutura urbana, principalmente nas áreas mais pobres;  o volume de investimentos; o papel estratégico das empresas estatais – como por exemplo a CEEE, que foi privatizada – na articulação e fomento, por exemplo na transição energética é decisão política de quem governa.

Contudo, existe outro problema maior, catalisador e causador dessas tragédias sem precedentes. Segundo institutos de pesquisa, a atual tempestade foi precedida, de um mês de abril com temperaturas médias recorde, em todo o planeta terra. Os eventos climáticos classificados como desastres: Inundações, secas extremas, desmoronamentos, queimadas, derrubadas de florestas e outros eventos ou foram causa ou consequência da elevação da temperatura planetária; gerando mortes, doenças e outros prejuízos econômicos e sociais. Precisamos prepararmo-nos melhor para estes e outros eventos climáticos, investindo na sustentabilidade das cidades, mas, também, terá que ser incluindo um conjunto de medidas e ações que revertam o quadro de degradação ambiental, especialmente a transição da nossa matriz energética. E isso também é responsabilidade dos poderes públicos.

Primeiramente, mais urgente e imediato, é necessário investir na sustentabilidade das cidades. Isso inclui o desenvolvimento de transporte público eficiente e acessível, incentivo ao uso de veículos elétricos e a construção de infraestrutura cicloviária e de transportes de massa como o trem. Também, a implementação de políticas de planejamento urbano que promovam o uso misto do solo, reduzindo a necessidade de deslocamentos longos. Finalmente, a criação de mais espaços verdes e o aumento da permeabilidade do solo, que ajudam a mitigar os efeitos das ilhas de calor urbanas e contribuem para a absorção da água das chuvas. Retomar a preservação das margens dos cursos da água é essencial para evitar, que as águas transbordem. Investir em sistemas de gestão de resíduos eficientes, incentivo à reciclagem, promover a agricultura urbana e adotar práticas de construção sustentável também são medidas importantes. Nada disso será suficiente, sem uma política de habitação digna, substituição das moradias em áreas de risco, e investimento em infra-estrutura urbana adequada para as comunidades mais vulneráveis. Tudo isso, além de atuar na prevenção e mitigação de tragédias causadas por eventos extremos, também promoverá a melhoria da qualidade de vida da população.

Em paralelo, e não menos importante, a necessidade urgente de conter as mudanças climáticas têm colocado em destaque a importância da transição da matriz energética, no mundo todo, e o Brasil desempenha papel crucial. A redução das emissões de gases de efeito estufa é fundamental para mitigar os impactos adversos do aquecimento global, e medidas específicas são essenciais nesse processo. O quadro dramático da degradação ambiental possui forte relação com as energias que produzimos e que consumimos. E, sua alteração, substituindo os combustíveis fósseis, provenientes do petróleo e carvão mineral, não renováveis, por energias renováveis e ambientalmente menos impactantes; o mundo precisa fazer a sua TRANSIÇÃO ENERGÉTICA. E essa transição deve ser a tarefa mais importante da nossa sociedade, não por uma questão ideológica, embora também o seja, mas sim, pela sobrevivência do nosso planeta e de nossa própria espécie. Optaremos pela sociedade ou pela barbárie?

Essa mudança, gigantesca, é verdade, envolve a redução da nossa dependência desses combustíveis fósseis, responsáveis por grande parte das emissões de gases poluentes, que são os principais responsáveis pelo aquecimento global, que, por sua vez geram os distúrbios climáticos que sofremos. Com este fim, é urgente o investimento em fontes de energia renovável, como solar, eólica e hidrelétrica. Além disso, a promoção da eficiência energética em todos os setores, desde residências até indústrias, é fundamental para reduzir o consumo de energia e as emissões associadas.

Em nível municipal, devemos atuar reduzindo a emissão e aumentando a captação, ou captura, dos Gases de Efeito Estufa. Com esse intuito, devemos investir e atuar na ampliação de áreas verdes, especialmente com arborização, e a recuperação de áreas já degradadas. Bem como no tratamento e destinação correta dos resíduos sólidos e a consequente a ampliação da rede de coleta seletiva e da reciclagem de resíduos. É preciso que a cidade tenha planejamento sustentável – envolvendo todos setores da sociedade -, para além de discursos na crise.

Em resumo, medidas eficazes de controle das mudanças climáticas, a fim de evitar eventos de calamidade em sua decorrência, devem incluir a transição para fontes de energia limpa e renovável, juntamente com o planejamento urbano sustentável. Essas ações não apenas reduzem as emissões de gases de efeito estufa, mas também criam cidades mais habitáveis e resilientes, contribuindo para um futuro mais sustentável e seguro para todos, mas em especial, para aquelas populações mais vulneráveis, que são, hoje, as mais atingidas.

(*) Professor Universitário, advogado e pesquisador em direitos humanos.

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