Opinião
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20 de maio de 2024
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16:16

Do negacionismo vacinal ao negacionismo climático (por Jonas Reis)

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Jonas Reis (*)

Desde os primeiros dias de seu governo, em plena pandemia, o prefeito Sebastião Melo tomou medidas que contrariavam as orientações da ciência, sem qualquer rigor na liberação de atividades sob o argumento de que a economia precisava ser retomada. O mesmo negacionismo está presente na área ambiental, no menosprezo ao princípio da prevenção e à necessidade de planejamento e ações para a transição energética, como forma de combater as mudanças climáticas globais.

Logo no início de seu governo, o prefeito se empenhou em aprovar o projeto de alteração do Plano Diretor de Porto Alegre para permitir o licenciamento de um empreendimento imobiliário na Fazenda do Arado Velho, ridicularizando os ambientalistas e indígenas que questionaram o projeto. O empreendimento pretende construir mais de 2000 casas na antiga fazenda, que tem grande parte da área formada por banhados, que por sua vez são essenciais para absorver a água do Guaíba em época de enchente, além de serem o lar de inúmeras espécies de animais silvestres como jacaré, capivara, lontra, ratão do banhado, ouriço, graxaim, entre outros… mas nada disso parece importar para o atual prefeito. Imagens aéreas da enchente mostram essa área toda alagada hoje.

O desprezo pelo meio ambiente não ficou restrito à Fazenda do Arado. O Parque Maurício Sirotsky (Estância da Harmonia) teve o seu processo de privatização (iniciado por Marchezan) concluído, e a gestão Melo licenciou a derrubada de árvores e a colocação de asfalto dentro do Parque. Um espaço que foi concebido como a reprodução de uma estância dentro da cidade, está sendo transformado pelo operador privado, com o beneplácito do governo municipal, em um parque de diversões e local de eventos musicais e festas “raves”, causando danos irreparáveis à fauna que ali vive, se não bastasse o abatimento de inúmeras árvores por si só. Enquanto Nova York e cidades chinesas buscam se tornarem “cidades esponjas”, para absorver a água das chuvas e dos cursos d’água, Porto Alegre, sob a batuta do prefeito Melo, vai no caminho oposto – o da impermeabilização do solo, inclusive de parques. Exatamente quando as chuvas aumentam em decorrência do aquecimento global.

Mas a lógica atrasada e equivocada do “progresso” em oposição à natureza, típica da primeira metade do século passado, também não ficou restrita às áreas naturais e aos parques. Sob a justificativa de recuperar o Arroio Dilúvio, o governo Melo pretende liberar construções de grande porte ao longo da Av. Ipiranga. Tal medida, se posta em prática, significará o aumento ainda maior da impermeabilização do solo no entorno do arroio Dilúvio, bem como da densidade populacional além de um processo de gentrificação que vai expulsar as comunidades pobres localizadas nas proximidades da Av. Ipiranga.

A mesma lógica que desconsidera o meio ambiente e as mudanças climáticas foi levada pelo governo Melo na pavimentação das ruas. Com contratos milionários com empreiteiras, a prefeitura está espalhando asfalto pela cidade, mesmo em ruas calçadas com paralelepípedo ou pedra irregular, sem consultar os moradores, que em muitos lugares são contrários à colocação de asfalto sobre o pavimento existente, exatamente por causa da impermeabilização do solo.

Essa lógica tem uma aliada poderosa: a do esvaziamento dos serviços públicos pela sua entrega à iniciativa privada. Isto é particularmente grave nesta área, lembrando que o DMAE, hoje, conta com um déficit de mais de 2.500 vagas em seus recursos humanos. A combinação dessas duas lógicas foi o que provocou esse verdadeiro sucateamento do departamento. Foi o que barrou a manutenção adequada do sistema de prevenção de cheias em Porto Alegre, fazendo com que diques, comportas e casas-de-bombeamento de águas pluviais ficassem precarizados ou obsoletos – mesmo com os devidos relatórios técnicos, produzidos ao longo do tempo, indicando a necessidade de recuperação de motores, de tubulação, de vedação, de conexões, de geometria de diques, etc.

Neste contexto de sucateamento e privatização dos serviços públicos, de preponderância dos interesses econômicos sobre a preservação ambiental, os governos Melo e Leite se aproximam, embora representem vertentes distintas do neoliberalismo, ambos têm em comum o descaso com as mudanças climáticas. O governador Leite fez uma alteração radical na legislação ambiental, retirando mecanismos de proteção e facilitando a exploração do solo para o agronegócio, com desmatamento e utilização de agrotóxicos proibidos em seus países de origem. Só o bioma Pampa perdeu cerca de 30% da sua cobertura vegetal original nos últimos dez anos.

Ou seja, tanto a vertente atrasada da extrema-direita quanto a vertente mais moderna do neoliberalismo estão juntas no negacionismo climático e na subordinação da natureza aos interesses econômicos do capitalismo, e quem paga a conta dessa política é a classe trabalhadora, a mais atingida pelos desastres climáticos.

Terá o Estado brasileiro tanto dinheiro para reparar os danos do negacionismo dos poderosos governantes?

(*) Vereador e líder da bancada do PT na Câmara Municipal de Porto Alegre, professor e doutor em Educação.

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